Os refugiados

|Hélio Bernardo Lopes|
A tragédia dos refugiados que vêm demandando o espaço da União Europeia permitiu perceber muita coisa sobre esta famigerada estrutura. Permitiu, por exemplo, escutar aquelas palavras de Merkel para com uma menina, que deixaram o mundo em brasas revoltosas, tal como agora já permite que se lhe oiça o aparentemente inverso.

Em contrapartida, e bem para lá dos neonazis que vêm incendiando centros de apoio a refugiados, a verdade é que já surgiu gente de primeira grandeza da área política a chamar a atenção para a insustentabilidade da solução encontrada. E, pensando um pouco, percebe-se que esta situação não irá ter um fim nos próximos – muitos – anos. Mais: há mesmo tendência para novos alastramentos de revoltas para outros Estados, mormente onde está presente o Islão.

Mas esta tragédia mostrou também que a atitude sempre dita democrática, nesta União Europeia, vale o que vale. Basta olhar, no mínimo, os casos da Polónia, Da Hungria, da República Checa e de alguns mais. É um movimento que terá de crescer à medida que assim suceder com a demanda dos refugiados.

Simplesmente, já se pôde ver, ontem mesmo, como, num ápice, certos políticos parecem ter-se dado conta do que está a passar-se. A chave de tudo foi aquela fotografia do menino morto por afogamento, juntamente com um irmão e a mãe. Foi essa fotografia que fez tilintar os corações completamente insensibilizados por via da imoral política neoliberal que varre o espaço da União Europeia, hoje completamente rendida à grande estratégia dos Estados Unidos.

Acontece que foram estes que criaram todo este problema, desde que se determinaram a armar os mujaidines. Resolvido o problema soviético no Afeganistão, e com os cerca de seis – ou nove? – anos do Governo de ficou, os talibãs acabaram por tomar o poder, assim passando a suportar a Al Qaeda.

Sem que tivesse ocorrido a nenhum analista das secretas americanas o que eu previ – era difícil não prever tal – em agosto de 1982, em plena Nazaré, aí pelo meio da tarde, a Al Qaeda lá atirou com os aviões sobre as cidades. Precisamente o que eu previ nessa tarde e me fartei de repetir a gente amiga, ou conhecida, sempre que a conversa propiciava a abordagem do tema.

Seguiu-se a louca Guerra do Iraque, levada a cabo por mais três loucos e mentirosos: Bush, Cheney e Rumsfeld. Todos sabiam da inexistência de provas mínimas sobre as tais armas de destruição maciça no Iraque, mas o gosto pela guerra e pela aventura superaram tudo. Bom, o resultado é o que hoje se pode ver: o Iraque, à bomba a cada dia que passa, parece agora contentar os Estados Unidos com a sua democracia... Um Iraque já reduzido a três Iraquinhos e que está quase completamente destruído.

Os homens de Saddam, atirados às feras, superaram o primeiro embate e tornaram-se mais feéricos ainda, passando a um estádio superior de guerra, praticando o inimaginável. Sem grandes preocupações, os Estados Unidos, sempre em nome da democracia e da defesa dos Direitos Humanos, passaram a desestabilizar a Síria, governada sob a liderança de Bashar Al-Assad, de quem o núncio apostólico em Damasco sempre referiu ser um protetor da minoria cristã na Síria. Era, porém, um ditador...

Claro que esta desestabilização pretendia também colocar no lugar de Bashar mais um qualquer Poroshenko, de pronto fazendo a Síria entrar para a União Europeia e para a OTAN. Nada, pois, contra a Rússia, antes em defesa da paz. E da democracia e dos Direitos Humanos, claro está. De resto, foi o próprio Carter que há dias salientou serem hoje os Estados Unidos uma oligarquia apodrecida, ao mesmo tempo que um antigo alto funcionário governamental expôs que quatrocentos multimilionários são quem realmente manda na política norte-americana. E não admira, porque se trata de uma democracia.

No entretanto, a guerra foi alastrando pelo espaço do Islão, o que parecia ser ótimo para a grande estratégia ocidental, sob comando dos Estados Unidos. O problema foram os refugiados. Foram e vão continuar a ser, porque é naturaIíssimo que se fuja da morte quase certa ou da fome e da miséria sem fim, que também conduzem à morte. O que significa que, a continuar a desordem reinante no continente africano, não irão faltar filas de gente a procurar sair desses lugares. Não se pode imaginar, desde que com boa-fé, que uma família da região subsaariana se disponha a atravessar o deserto e o Mediterrâneo por gosto em ganhar melhor. Não é assim, antes a certeza de que a morte é certa nos lugares onde estavam, sem que os políticos do Ocidente lhes liguem um infinitésimo.

Se o Ocidente quer parar esta gigantesca vaga migratória, bom, tem uma solução: ponha em funcionamento um Plano Marshall para o continente africano, mas sob o comando e controlo das Nações Unidas e dos financiadores desse plano. Um dado é certo: criarão riqueza, darão riqueza e receberão benefícios. Para lá de pôr um fim nesta vaga gigantesca de migrantes.

Por fim, é bom recordar o desastre em que se transformaram as tais primaveras árabes. E não foi a França que criou o desastre que se tem visto na Líbia? E não existia o tal problema do financiamento partidário por parte de Kadafi? E tudo isto para já não falar da Ucrânia, onde existia um Governo democraticamente eleito, e contra o qual Obama até já reconheceu ter existido uma mão norte-americana. Hoje, os ucranianos vivem na máxima pobreza, sem futuro, e à beira do colapso financeiro e de uma guerra civil. Talvez da própria destruição física do País a níveis nunca imaginados. Para já, parece que irão dispor, em Kiev, de uma delegação da OTAN, mas apenas destinada à construção da paz. Nós, sempre de cócoras, temos os refugiados, mas não os Estados Unidos... É que estar de cócoras dá cabo das perdas.

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