Chamem-me Joaquim

|Hélio Bernardo Lopes|
No meu texto de ontem, aí pelo seu meio, abordei a exortação do Papa Francisco às paróquias católicas da União Europeia, no sentido de que cada uma receba (nas suas estruturas) uma família das que, ininterruptamente, vêm chegando aos milhares já desde há uns bons anos a esta parte.

Perante esta tomada de posição, deitei-me a procurar o número de paróquias existentes no nosso País, tendo encontrado no Anuário Católico o número que referi naquele meu texto: quatro mil trezentas e setenta e duas paróquias. E referi, por igual, todas as restantes estruturas da Igreja Católica e das suas dioceses, um pouco por todo o território de Portugal.

Como é natural, falei desta realidade com familiares e amigos, mas logo referindo não acreditar que a hierarquia da Igreja Católica em Portugal viesse a seguir um tal caminho, acabando por encontrar uma qualquer explicação que permitisse dar corpo à exortação papal, mas sem realmente o fazer. Bom, bastou que tivesse ouvido o cardeal Clemente, creio que em Roma, logo no noticiário da noite de ontem.

De um modo subtil, mas que deixou toda a gente em polvorosa, o cardeal lá referiu que os católicos de cada paróquia iriam dar corpo à tal exortação do Papa Francisco. Bom, fartei-me de rir, e logo disse para a minha mulher e cunhados, em casa de quem jantávamos: então, Fifilhinha, o que foi que te disse?...

Claro está que eu teria sempre de tratar este caso dos refugiados, sejam da Síria ou de um outro lugar qualquer onde exista guerra ou miséria. Se com a implantação do neoliberalismo e da globalização o mundo vai de mal para pior, é naturalíssimo que quem viva na pobreza ou na miséria procure salvar a vida. Foi o que sugeriu Luís Mira Amaral aos portugueses que pudessem deixar o País e tivessem mérito. E foi o caminho seguido por centenas de milhares de portugueses, ao longo dos últimos quatro anos.

Objetivamente, eu nunca esperei da Igreja Católica muito mais do que palavras bonitas, de conforto e cheias de oportunidade. Apoio material, nunca me passou pela cabeça. Pois se a atitude fosse a aparentemente adotada, muitos dos portugueses que a atual Maioria-Governo-Presidente atirou para o desemprego teriam tido o apoio das paróquias, coisa que nunca se viu.

A este propósito, conto aqui dois casos passados comigo, um antes de Abril, outro já na III República. O primeiro teve lugar ao início do meu primeiro ano universitário. O meu pai, como pude já referir, não voltou dos Estados Unidos por razões políticas. À minha mãe e a mim nunca nada faltou, com o dinheiro americano a chegar a Lisboa em cada semana no interior de cartas e bem envolto. Nunca falhou.

Simplesmente, nesse meu primeiro ano nunca tivemos notícias do meu pai, nem o correspondente valor pecuniário. Dado que a família era grande, as coisas acabaram por compor-se. Porém, ao início do ano letivo, num curso de licenciatura em Engenharia Civil, foi necessário adquirir algum material, para lá das baratas sebentas. Caro, de fato, era o material escolar, sobretudo o destinado a Desenho I, que era uma disciplina anual. Mas também no caso da Geometria Descritiva.

Ora, eu tinha um grande amigo, que havia sido meu professor de Religião e Moral, e que era padre. Era um homem bom, muito simpático, com quem ia ao cinema todos os sábados à noite, durante o sexto e sétimo ano do liceu. Já na universidade, coloquei-o a par do que se passava e se podia emprestar-me um certo montante – destinado aos tais materiais –, mas que nem era nada de especial. A verdade – e era a verdade – é que o meu amigo não tinha a possibilidade de satisfazer aquela minha necessidade momentânea.

Vejamos agora o segundo caso. Já em plena III República, antes da AD, eu tive a oportunidade de ter viagem e estadia pagas num certo encontro do Instituto de Estudos Avançados da OTAN. O problema é que eu havia perdido os meus lugares de trabalho. E o que fiz? Bom, lá parti para o centro de Itália com...trezentos escudos no bolso.

Já em Roma, fazendo contas simples, apercebi-me de que me faltariam cerca de uns cincos escudos, de molde a que pudesse, no regresso, deixar Roma e seguir para o correspondente aeroporto internacional. Nestas condições, que fazer? Fui ao Vaticano, que nem era longe do lugar onde me encontrava, na esperança de descobrir um padre português. Só que era quarta-feira e o padre português descansava nesse dia. Depois de muita conversa com padres diversos, lá um me aconselhou a procurar um Instituto de Cultura Portuguesa, ao fundo de umas escadinhas de fronte do Castelo de Sant’Angelo. Assim fiz e facilmente descobri o instituto em causa.

À porta disse ao que ia, sendo mandado entrar para certa sala. Eis que me surgiu, de calções, José Sasportes, que era ali adido cultural da nossa embaixada. Depois de rir com gosto em face da minha aventura, foi a um outro piso, de lá trazendo o correspondente a uns cinquenta escudos – em liras, claro.

Pedi-lhe o endereço postal do instituto, a fim de lhe devolver o dinheiro, mas logo recusou, salientando que existiam verbas para apoios diversos. E tudo correu bem. Mas o que estas duas histórias por mim vividas mostram é que uma solução ao nível da Igreja Católica, naquelas duas situações, nunca encontrei. Por acaso até foi um concidadão nosso de esquerda que resolveu o problema. Infelizmente já fora da nossa companhia, José Sasportes ainda chegou a ser Ministro da Cultura do Governo de António Guterres.

Mas a razão da minha descrença em face das palavras do Papa Francisco reside em muitíssimo mais que nestes meu dois episódios. Objetivamente, eu nunca vi uma intervenção realmente eficaz da Igreja Católica, em Portugal, na luta contra a pobreza e a miséria. Não faltam palavras, mas quando chega o momento de agir, chuta-se a bola: onde se ouviu a palavra paróquia, deveria ter-se escutado paroquianos, com as suas casas e a sua alimentação e roupas. Coisa facílima, porque os portugueses vêm vivendo lautamente nestes últimos quatro anos, Chegaram mesmo a cansar-se de terem tanto, assim acabando por deixar o País. E sabe o leitor o que lhe digo? Chamem-me Joaquim...

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