O hábito e o monge

|Hélio Bernardo Lopes|
É muito corrente, nas tomadas de posição das pessoas, admitir, ao menos implicitamente, a ideia de que o hábito faz o monge. E, como se sabe, a realidade é a contrária: o hábito não faz o monge.

Comecei com esta realidade oriunda da experiência da vida por via do debate que teve lugar, na noite do passado sábado, com Augusto Mateus, Maria João Valente Rosa e Maria Manuel Mota, todos moderados por Alberta Marques Fernandes, com o debate centrado num trabalho recentemente dado à estampa, e que também foi permitindo chegar à realidade grega. Pelo menos, indiretamente.

A dado passo, Augusto Mateus referiu a existência de um (suposto) erro na apreciação do estado do País. Assim, em termos absolutos nós teremos subido imenso de há uns anos para cá, mas em termos relativos a posição mantém-se. Bom, caro leitor, achei uma tremenda graça a este preciosismo, porque o mesmo constitui uma analogia entre, por exemplo, uma grande equipa portuguesa de futebol e uma outra europeia, em que a nossa tivesse tido uma subida enorme em termos absolutos – treino, tática, preparação física, etc. –, mas em que ficava sempre em penúltimo em certo certame desportivo. No fundo, ficava na mesma posição relativa de sempre.

Um pouco adiante, Maria Manuel Mota fez uma referência aos países nórdicos, o que gerou em Augusto Mateus uma tomada prévia de posição, salientando não gostar muito de comparações do tipo norte-sul, embora logo garantindo não ser essa a intenção da bióloga. O grande problema de Mateus, porém, está na História. Ela não deixa que se construam com facilidade teorias generalizadamente aceites sobre certos temas.

Faltou na argumentação de Augusto Mateus e dos restantes presentes no painel o reconhecimento de que o hábito não faz o monge. Basta que se pense, por exemplo, em muitas das famílias que conhecemos, ou de que temos conhecimento. Existem pessoas excecionais e que atingiram lugares cimeiros na sociedade, mas oriundas do ambiente mais humilde que possa imaginar-se. E existem famílias onde existiu tudo desde a mais tenra idade, e onde em cinco filhos surgiu um genial e quatro que simplesmente são ilustres desconhecidos. E a causa disto é que o hábito não faz o monge.

O grande mal de Portugal esteve ali bem espelhado, neste preciso painel de gente individualmente superior: nós não somos só nós e a nossa circunstância, porque podemos ser tão bons como os melhores. Ou mesmo superiores. Bom, estamos na União Europeia, até temos o euro, mas não temos futuro, vivendo com uma mão à frente e outra atrás, sempre à espera do pior num dia que deverá chegar.

Sem que o que vou agora escrever seja mais que o resultado de um mero acaso, transcrevo aqui uma conversa de Salazar com políticos próximos de si, a propósito das garantias que lhe foram dadas por George Ball, quando este falou com o antigo líder do Governo Português: Está claro que se aceitássemos o caminho dos americanos, em troca do Ultramar, choveriam aqui dólares, receberíamos umas tantas centenas de milhões. Ficaríamos todos para aí inundados de dólares e de graça. E sabe? Os que vierem depois de nós ainda haveriam de dizer: “afinal, era tudo tão fácil, não se percebe mesmo porque é que aqueles tipos não fizeram isto mais cedo”. Mas os dólares iam-se num instante, deixavam umas fábricas e umas pontes, e depois começava a miséria. Duraria o ouro dois ou três anos. Depois era a miséria, a miséria e a dependência do estrangeiro.

Estas palavras de Salazar aparecem citadas, logo ao início, na obra, JONAS SAVIMBI – No lado errado da História, de Emídio Fernando, publicado em Portugal pela D. Quixote. Mas elas permitem que nos interroguemos deste modo: onde é que nós já vimos isto? Um dado é certo: depois da Segunda Guerra Mundial, com os dinheiros do Plano Marshall – e com os perdões, como há dias referiu Tsipras no Parlamento Europeu – não se deu na Alemanha o que Salazar referiu naquela sua conversa. Se João Cravinho tivesse que comentar esta disparidade, diria como um dia respondeu a Mário Crespo: pois é, Hélio, é que na Alemanha há alemães, ao passo que em Portugal há portugueses.

Creio que tudo isto e o resto a que se está a assistir na famigerada União Europeia mostra uma realidade simples: esta estrutura de Estados nacionais é como um combate de boxe sem os boxeurs classificados por pesos. E, como facilmente se percebe, em condições de boa preparação, um pesado destrói um peso-mosca. Augusto Mateus e os que o acompanhavam no programa voltou a esquecer que a cultura de um povo e o seu nodo de estar na vida são entidades fortemente entrópicas.

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