Razão e desatenção

|Hélio Bernardo Lopes|
Na noite deste último domingo, já depois das onze, tive a oportunidade de poder acompanhar a entrevista de Vasco Lourenço à Antena 1, na pessoa de Maria Flor Pedroso. E penso não ter gasto aquele meu tempo de um modo inútil, porque nessa entrevista encontrei no Militar de Abril razão e desatenção. 

Não se lhe podendo exigir o domínio da linguagem política de tantos vendedores de banha de cobra que por entre nós existem, não abordarei aqui alguns objetivos pés e mão à mistura que sobressaíram na entrevista.

Em primeiro lugar, as críticas que formulou ao Presidente Cavaco Silva. Bom, assiste a Vasco Lourenço, neste domínio, a mais cabal razão, de há muito demonstrada através das mil e uma sondagens que vêm mostrando, pela primeira vez na História da III República Portuguesa, um Presidente da República que perdeu quase todo o seu prestígio político e que passou a ser olhado pela generalidade dos portugueses como alguém que deixou de realmente contar no domínio da intervenção que sempre seria de esperar.

Em segundo lugar, as críticas à atual maioria. Também aqui lhe assiste toda a razão, porque quase tudo o que era essencial para os portugueses falhou às mãos deste Governo. Sobretudo, o Estado Social, compreendendo as vertentes diretamente ligadas à promoção da dignidade humana. Foi a primeira vez, ao longo de toda a III República, que se assistiu a uma ação concertada e sistemática destinada a destruir o Estado Social, acabando por gerar um desemprego nunca visto, uma pobreza vastíssima e que chegou mesmo ao regresso da emigração que se pensava ter desaparecido desde a década de sessenta do passado século.

Em terceiro lugar, a colocação de Portugal como um território hoje sob soberania estrangeira, onde o que se pode fazer em política interna – ou externa – depende de autorização do exterior. Objetivamente – Vasco Lourenço não referiu esta parte –, Portugal é hoje um país de mui reduzido futuro. De resto, e como muito bem diz Adriano Moreira, Portugal precisou sempre de ajuda, e logo desde o seu nascimento. O que justifica perguntar: sem as antigas províncias ultramarinas e com uma União Europeia onde só conta o dinheiro e o modo mais simples de conseguir o lucro de uma minoria, pode esperar-se o quê?!

Em quarto lugar, a razão de Vasco Lourenço quando salientou alguma perda de gás – para si, claro está – de António Costa. Simplesmente, a grande verdade, que Vasco Lourenço já deverá ter constatado, é que é hoje mais difícil discutir uma possível saída da União Europeia ou do euro do que conceder a independência às antigas províncias ultramarinas nos tempos que já lá vão. Objetivamente estamos hoje metidos num verdadeiro inferno, e desde logo subordinados, na nossa soberania, à grande estratégia dos que iluminam duas vezes. Ainda assim, depois de reiteradamente se acusar António Costa de nada dizer, acusam-no agora de prometer em demasia. A histórica democracia à portuguesa...

Em quinto lugar, o histórico caso que envolveu Salgueiro Maia e o então Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva. Claro está que se tratou de um caso que será sempre recordado. Simplesmente, e nunca pondo em causa o direito da viúva de Salgueiro Maia decidir como se viu, a verdade é que eu teria recusado a prebenda que o Presidente Cavaco Silva acabou por outorgar ao Militar de Abril. Como diz um velho ditado popular, há sempre mais marés que marinheiros.

Em sexto lugar, também partilho do ponto de vista de Vasco Lourenço sobre Marcelo Rebelo de Sousa. De resto, o próprio Pedro Passos Coelho, ao definir o perfil do candidato a apoiar, foi bem claro, recusando quem por aí se mostre como um catavento, alternando ao ritmo das mudanças daquele elemento climático.

E, em sétimo lugar, o tal benefício da dúvida às comemorações de 25 de Abril do Ano que vem. Ficámos a saber, pois, que, haja o que houver, lá estará presente a Associação 25 de Abril, representada pelos membros dos seus órgãos sociais. Bom, caro leitor, desatei a rir, depois de dizer em voz alta o que se veio a ouvir. Mas esperar o quê?! Tendo os nossos políticos aceitado o Consenso de Washington, a Organização Mundial do Comércio e a União Europeia, o que podem hoje esperar os portugueses? Só se for um pouco mais de democracia formal, talvez mesmo a obrigatoriedade do voto, porque o desencanto irá crescer sem parar.

O grande problema de Portugal – já lá vão muitas décadas, de antes e de depois de Abril – é não dispor da possibilidade de definir uma grande estratégia, que vá ao encontro dos seus interesses. Bem ou mal, a II República teve-a. Hoje, porém, tal é de extrema dificuldade, porque os portugueses têm quase nove séculos de História, pelo que possuem traços típicos muito fortes. A prova, agora de um modo inequívoco, está à vista. E isto é com uma república! Imagine-se o que não seria com um regime constitucional monárquico, onde, para lá de tudo o que se vê, ainda teríamos a intriga do ambiente que envolve as realezas... É essencial conhecer bem a História de Portugal e não embandeirar em ondas virtuais...

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