Pequenos Passos

|Hélio Bernardo Lopes|
Quando se olha o que está a passar-se em Portugal e no mundo, tem-se a sensação, creio que correta, de que está hoje em curso, mormente em Portugal, uma política de pequenos passos, suportada num consentimento geral da forças políticas – excetuo o Bloco de Esquerda –, em ordem a operar mudanças no quadro constitucional, embora sempre em nome dos valores inscritos neste último.

Em primeiro lugar, a recente tentativa de instaurar aquela espécie de aviso prévio em torno da cobertura, pela grande comunicação social, das próximas campanhas eleitorais. Por sorte, operou-se uma reação quase generalizada, porque se assim não tivesse acontecido e se tivesse avançado por aquele trilho, ficariam lançadas as bases para que o tal mecanismo do aviso prévio viesse a conseguir impor-se. Ficamos à espera do futuro...

Em segundo lugar, o caso do recente regulamento da Direção-Geral da Administração da Justiça. As explicações de Pedro Lima Gonçalves, a uma primeira vista, parecem algo lineares, até coisa lógica. Simplesmente, suscitam esta questão: até aqui, como era o ambiente no interior da referida estrutura pública? Uma balda? Ninguém se entendia? Reinava uma desordem razoável? Eram frequentes as intervenções públicas de funcionários, falando do que por lá se passava? E, a ser assim, o que relatavam era algo que justificava ser denunciado publicamente? Haverá de compreender-se que é estranho. De resto, o exemplo referido à jornalista por Pedro Lima Gonçalves simplesmente não colhe.

Em terceiro lugar, a nova subida dos custos para se poder estar nos lares de idosos, pertencentes às IPSS. Confesso que sorri, porque com o decréscimo do nível de vida da generalidade dos portugueses, nada mais lógico do que aumentar o custo de vida dos idosos... E depois esta pergunta: aceitam as IPSS um estudo capaz sobre a distribuição dos idosos que acolhem por classes de rendimentos? Abrem as suas portas a uma equipa multidisciplinar que estude o tema antes referido? Muito sinceramente, não creio.

Em quarto lugar, a entrevista de hoje, dada por Leonor Beleza um jornal da área económica. Já sem espanto, lá nos surgiu Leonor a defender a quadratura do círculo: é necessário encontrar os meios para tratar melhor as pessoas, mas, simultaneamente, não gastar mais dinheiro, sendo que nem todos poderão ter acesso a tudo. E qual é o critério de acesso, por exemplo, ao auxílio destinado a curar um cancro?

Na fundação que dirige, como refere, nem todos podem entrar, porque isso depende do Governo (do seu partido). Leonor Beleza diz que se trata de um problema de custos. E então remata deste modo: quem decide como as coisas acontecem não somos nós. Podendo ser assim, qual a sua opinião sobre o que devia ser feito? Bom, responde que não tem de fazer esse julgamento nem compara a fundação que dirige com os outros. Simplesmente, o que si se esperaria seria que nos expusesse os nós existentes e como, em sua opinião, poderiam ser desatados.

Fugindo a uma obrigação natural e expectável numa sociedade livre – não faltam exemplos –, Leonor Beleza refugia-se no facto da Fundação Champalimaud ser uma entidade privada, a quem não cabe tomar medidas de política da saúde. Simplesmente, o que se deseja não é que tome medidas, mas que exponha o seu ponto de vista sobre o que está em causa, e que é o dever de auxílio, a fim de salvar vidas. E depois surgiu com uma doutrina que terá sempre de ser suportada numa atitude de custo/benefício em matéria de tratamentos: nem todos podem ter acesso a tudo. Portanto, quem é que pode ter esse acesso? E com base em quê? Enfim...

Em quinto lugar, o facto de se ter podido chegar ao ponto de ver um professor universitário de Economia ou Finanças expor o que há dias se pôde ler de Pedro Cosme Vieira. Mas mesmo no tempo que corre, há que reconhecer que nem a Frente Nacional conseguiu algo de próximo. E então? Bom, uma pequena notícia. Reações oficiais? Inexistentes. Ah, bom, é o momento de gritar bem alto: isto é que é o Estado Democrático de Direito a funcionar! É a Constituição da República no seu mais puro espírito!!

Em sexto lugar, também se começam a dar os primeiros passos ao redor de limitar a liberdade de informar, mormente com o argumento da dita permanente violação do segredo de justiça. O que de imediato nos permite perceber aonde se chegaria se passasse a ser proibido noticiar quem está a ser alvo do escrutínio público da Justiça...

E, em sexto lugar, a nova ideia de que o ensino da religião nas escolas públicas é quase apenas o católico, devendo antes ser transversal, abordando, numa perspetiva histórico-cultural, as restantes religiões existentes.

Claro que se pode dizer que falta a referida disciplina, mas isso tem lugar com mil e um outros domínios. Além do mais, a generalidade dos portugueses tem uma tradição de base católica, embora pouco saiba da História da Igreja Católica. Mas não tem um infinitésimo de interesse em estudar outras religiões.

Basta que se olhe o que recentemente teve lugar com o major-general, Fernando Passos Ramos, cujo corpo foi recusado na capela da Academia Militar por ser...evangélico. Portanto, o que se pretende com esta ideia é, de facto, acabar por levar aos estudantes, com caráter geral, em nome da cultura, a religião católica. Mas seria, no fundo, mais um fracasso, porque os pais que realmente seguem o magistério da Igreja Católica resolvem tais problemas em casa, não na escola.

Como se pode hoje ir vendo à saciedade, a pobreza vai crescendo no mundo, ao mesmo tempo que se vão dando pequenos passos no sentido retrógrado da História. É o tempo a andar para trás. E é bom recordar o meu já antigo texto, O NAZISMO PODERÁ ESTAR DE VOLTA.

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