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|Tânia Rei| |
Assim quem “cedo madruga, Deus ajuda”. Já quem é visto “a altas horas da noite” rara ou nunca vez está a fazer boa coisa. De manhã cedo vai o bom trabalhador; o mandrião dorme de dia e à noite vai fazer má vida com um pé-de-cabra em punho para arrombar umas quantas portas alheias por aí. Se as maldades da noite infringem as regras e acontecem de dia, rasgam-se os céus em indignação. Vai daí, um assalto “em plena luz do dia” é uma escandaleira. De madrugada é normal. De dia é que não.
De dia, com o sol aberto, os namorados podes passear por onde bem entenderem. Há flores, cheiros, pássaros a pipilar. Agora, se for à noite entramos no patamar da promiscuidade, e sabe-se lá onde tudo pode acabar. Quanto mais a noite escala, pior a blasfémia. Entregar a namorada em casa às 22h, é digno, sim senhor; mas se chegar às 5h da manhã, vai entrar pela janela, que não são horas de se apresentar à porta de ninguém (nem à própria). Trocar carícias com estrelas é muito lindo, por exemplo, no cinema, e por isso é fundo recorrente de beijos românticos. Repare-se é que até aí o forrobodó acaba cedo, porque mesmo com uns quantos copos de vinho no bucho, a cena retoma a tempo do pequeno-almoço, com toda a gente a exibir uma cara de quem se deitou mal terminou o telejornal.
Nesta lógica, vamos deduzir que toda a gente trabalha das 9h às 17h, e quem o faz fora deste horário estigmatizado muitas vezes será confrontado com a maliciosa pergunta “então e o que fazes para trabalhar à noite?” ou “e o que se passa para ires trabalhar à noite?”. A noite, além de promiscua, é perigosa. Ninguém gosta que andemos por aí de noite, sem saber o que nos pode acontecer (conselhos de mãe). A noite é a morte e o dia é a vida (tudo muito bem exemplificado nos filmes de terror, em que há massacres de madrugada e tudo se resolve ao raiar do sol, porque, ao que parece, de noite não dá para resolver o que quer que seja).
Quem gosta da noite para outros fins que não seja somente dormir, tem um defeito. É olhado de lado, como se tivesse uma doença. Quem às 5h da manhã está acordado é estranho, não se fala mais nisso.
Somos plantas sociais, que realizam fotossíntese. Queremos viver na luz, não na escuridão, que se adensa depois da meia-noite. Por isso vamos admirar quem se levantou às 7h da manhã e descurar os motivos que levaram alguém a deitar-se à mesma hora. O dia é dos bons. A madrugada é dos outros.