Realidades velhinhas

|Hélio Bernardo Lopes|
O estado a que chegaram Portugal e os portugueses está a permitir perceber muitos dos embustes que foram sendo vendidos ao longo de muitas décadas, já mesmo de antes de Abril. 

Um desses embustes foi o que resultaria do fim da Direção-Geral de Segurança, e outro o da democracia, sistema político onde todos seriam iguais em direitos. Hoje, percebe-se que se tratou de duas tretas. Analisemo-las.

Quanto ao fim da Direção-Geral de Segurança, pois, foi excelente. Infelizmente, tal realidade durou muito pouco tempo. De facto, embora com adaptações, as coisas voltaram a estádios do mesmo tipo, ou mesmo piores. Basta recordar o caso das escutas telefónicas aos milhares, para mais feitas por entidades policiais as mais diversas, mas também a prática da tortura, que já começou a ser assumida nas ditas democracias de referência. O que era mau naquele Portugal da II República está agora a ser reconhecido e praticado nas designadas democracias avançadas.

Por ser esta a realidade, sempre achei graça à reação de António Filipe em face da recusa do PSD e do CDS/PP de esclarecerem o valor das denúncias de escutas ilegais por parte dos serviços secretos, admitindo que há prova documental indiciando este tipo de práticas inconstitucionais e do foro criminal.

Eu até compreendo a luta política, aproveitando todo o peixe que venha à rede, mas a verdade é que toda a gente sabe (e em todo o mundo!) que as comunidades oficiais de informações têm de praticar ilegalidades as mais diversas. Ilegalidades que terão sempre de ser mais sofisticadas se se viver nas ditas democracias, ou, mais pomposamente, nos designados Estados Democráticos de Direito. Mas, enfim, nada como aproveitar cada peixinho que surja na rede.

Já sobre a democracia é fácil perceber como o sonho se sobrepôs à realidade. Com um mínimo de conhecimento histórico e de poder de conjetura, seria sempre simples perceber que tal mecanismo, variando de país para país, só por acaso seria representativo da vontade de francas maiorias de cidadãos.

Vem este tema a propósito das recentes palavras de Helena Roseta ao Diário de Notícias, onde criticou o sistema de financiamento das campanhas dos candidatos aos lugares mais diversos, salientando existir uma desigualdade fatal entre os independentes e os candidatos dos partidos. E interrogava-se: querem que na política só estejam os ricos e os corruptos, porque é para onde caminhamos? E, de facto, salazarista ela não é nem foi nunca, mas a verdade é que Salazar, por outras palavras, referiu toda esta realidade no seu discurso do Porto, em Janeiro de 1957.

Colocando de lado uma corrida sua a Belém, lá foi referindo sentir-se bem na política como independente, mas apontando que os partidos estão muito condicionados e por isso deixaram de ser espaços de liberdade. Bom, caro leitor é essencial ler o tal discurso do Porto, em janeiro de 1957. Mas disse mesmo mais: não sente saudades de pertencer a um partido político. Isto, caro leitor, vem de uma lutadora pela existência de partidos políticos no tempo em que o poder dizia destes o que agora quase todos já repetem.

E então remata com esta máxima: não vai candidatar-se, porque não tem dinheiro. Simplesmente fantástico! Fantástico, porque parece que Helena Roseta terá pensado que as coisas, em democracia, não seriam assim. Se todos são iguais em direitos, terão de sê-lo também no de poderem concorrer a eleições democráticas. Enfim, duas realidades bem velhinhas, mas sobre que ainda é possível surgirem espasmos de estranheza e de espanto.

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