Fugir da realidade

|Hélio Bernardo Lopes|
Como é do conhecimento geral, o português copia o que vem de fora. O que vem do exterior, de um modo muito geral, é tomado (acefalamente) como coisa boa. É uma realidade deveras antiga, de que me recordo há já muitas décadas. Quase desde que comecei a prestar atenção aos que me rodeavam, ainda antes dos dez anos.

A generalidade dos nossos concidadãos que se foram rebelando contra o regime constitucional da II República eram, porventura, dos que mais olhavam para o que vinha de fora, invariavelmente tomado como coisa boa e a imitar. E um dos casos mais referentes foi, precisamente, o de Humberto Delgado, que para aqui regressou depois de ter feito serviço nos Estados Unidos, mas extremamente contente com o funcionamento da dita democracia, sem se ter dado conta do racismo e do macartismo. No mínimo...

Quando dealbou a Revolução de 25 de Abril, o que de pronto se iniciou foi um alinhamento incondicional com o que se fazia lá por fora: conceder independências às antigas províncias ultramarinas, convictos de que se os outros Estados da Europa haviam ficado bem e se haviam desenvolvido, o mesmo viria a ter lugar com Portugal e os portugueses.

Mais uns tempos, e de pronto se deu o alinhamento com a Europa, e logo depois com a adoção do euro. Bom, os resultados estão bem à vista de todos, sendo que apenas raros acreditarão que o futuro possa trazer algo e novo e verdadeiramente melhor. Sempre o modo bem lusitano de alinhar, acefalamente, com o que se faz lá por fora, sem se perceber que os povos não são todos iguais e que existe a História. A História de cada Estado e a do mundo.

É à luz de toda estas evidências que eu bem compreendo os desabafos destes dias de João Botelho. De facto, e como diz, tanto no passado como hoje, os portugueses são passivos, fazem compromissos, resultando numa situação em que pensar é um crime. E é uma realidade, mas já muito antiga. Raros casos contrariaram esta realidade, como o questionamento de Sebastião e Silva a Bento de Jesus Caraça, que era então tomado como um bonzo, que não podia ser posto em causa.

Também tem razão João Botelho quando agora refere que não há elites em Portugal, não há pessoas que arrastem os outros. Existe, de facto, uma passividade portuguesa, uma incapacidade de revolta, com os miúdos hoje todos anestesiados, sem lutarem.

Sendo tudo isto uma desagradável realidade, a verdade também é reconhecida pelo cineasta: o que está a passar-se é completamente homotético com outras situações passadas de Portugal.

Simplesmente, o erro de João Botelho – e como tantos caíram neste mesmo erro...–, é só ter percebido esta realidade nos dias que passam. Qualquer um, com um pouco de conhecimento histórico de Portugal, facilmente teria percebido a falta de realismo nas mil e uma facilidades que se apregoavam ao tempo regime constitucional da II República por parte dos seus oposicionistas. De resto, custa-me acreditar que João Botelho não tenha ainda percebido a razão de Amadeu Garcia dos Santos na sua entrevista ao i, há quase um ano: aguentámos a ditadura tranquilamente. Um dos dramas de Portugal foi sempre a fuga das nossas elites à realidade da sociedade portuguesa.

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