É o máximo

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi com grande graça que li os recentes textos do i sobre o SIS. Mormente sobre o seu Manuel de duzentas e vinte e duas páginas. Um número que representa 0,(2) – uma dízima infinita periódica – das novecentas e noventa e nove regras do manual do Opus Dei. 

O que tem a sua lógica, porque o Opus Dei, tal como membros de lojas maçónicas diversas, opinaram, e de um modo essencial, sobre o nascimento da Comunidade de Informações Portuguesa.

Dirá o referido manual do SIS, nos termos do noticiado, quem um oficial de informações pode obter notícias através da interceção das telecomunicações – escutas ambientais ou interceção de dados através de meios eletrónicos –, podendo, igualmente, vigiar pessoas que não são suspeitas em qualquer processo-crime e pagar a fontes por informações que, em muitos casos, deveriam estar cobertas por sigilo.

Como se torna evidente, tudo isto é coisa naturalíssima, sendo algo ridículo vertes lágrimas de crocodilo pelo facto de se tratar de atividades não legais nem previstas na lei Se onde há poder, em princípio, há abuso de poder, num serviço de informações esse abuso terá de ser imensamente maior. Atingirá mesmo o nível do pão nosso de cada dia. Basta olhar, entre mil e um casos por esse mundo fora, o mais recente, relativo a agentes da norte-americana DEA.

Um aspeto há, porém, que merece aqui uma referência: o das chamadas escutas ambientais, feitas por intermédio de microfones, ou de dispositivos instalados nos telemóveis, mas também práticas de interceção que passem por estratégias como a instalação de programas que permitam extrair os dados de uma mensagem de computador.

Nada disto parece estranho, embora seja útil referir um caso que poderá ser muito simples de pôr em prática. Muita gente dispõe de empregada doméstica contratada à tarefa, sendo que essa empregada, com grande frequência, dispõe da chave da casa. Numa tal situação, se houver necessidade, poderão os serviços em causa conseguir uma cópia da referida chave, ou mesmo a facilidade de entrada na casa do patrão. Aí se instalará, com toda a facilidade, um dispositivo semelhante ao encontrado há anos no gabinete do Procurador-Geral da República. Um tema sobre que vale a pena, se possível, o visionamento da excelente série inglesa de dois episódios, O BARCO ESPIÃO.

Quando se diz que os procedimentos citados não estão previstos na lei, torna-se essencial recordar as explicações já dadas por Jorge Silva Carvalho. Mas também tudo o que se conhece da literatura, do cinema e da História. Pretender ter um serviço de informações legal e constitucional é como continuar a pretender conseguir a quadratura do círculo. Seria, então, preferível pôr-lhe um fim legal, mesmo tendo a certeza histórica de que tais tarefas, ainda que feitas por particulares com gosto pela ação, continuariam a ter lugar.

Extremamente engraçada é a referência ao imperativo de marcar um novo número num telefone público – ou mesmo outro –, de molde a apagar o contacto que realmente teve importância. Foi uma referência engraçada, porque a mesma se passou já na minha presença, embora com alguém que eu desconheço ser do SIS ou do SIED, antes um mero conhecido sobre que sabia ser um narcotraficante. Eu sabia que ele o era e ele deveria palpitar que eu soubesse. Distraído, em face da história política de que vínhamos falando, deixou a conversa feita no telefone público sem mais. Simplesmente, uns cinco metros mais, e de pronto voltou ao telefone, introduzindo o cartão e discando um qualquer número. É que ele também era dos milhares que julgavam ser eu um agente secreto...

Uma outra situação é a de alguém que, quando estou a falar sobre certo tema, de pronto recebe um telefonema. Assegurando não se ouvir bem, sai para o exterior do café, de onde marca o número que vai proceder à gravação da conversa. Infelizmente, eu também acabo logo por ter algo a fazer – treta, claro –, assim deixando o lugar. Uma histórica dor de cabeça, hoje mais revoltosa que amedrontadora. Uma cabeça, como usa dizer-se.

Um outro caso que pude já observar ao vivo, a centímetros de mim, é um passeio a pé, supostamente casual, mas em que está a ter lugar uma ligação telefónica permanente para casa, onde se encontra quem esteja preparado para destruir eventuais provas se, por acaso terrível, algo desagradável for descoberto. E também já tive a oportunidade de poder constatar o posicionamento de um casal, bem à minha vista – quinze metros –, mas fingindo estar a observar uma realidade diametralmente oposta. Simplesmente, na mesa ao lado está alguém com um gravador, de molde a poder saber-se de um qualquer comentário meu sobre o casal em causa.

A culminar tudo isto, a legislação sobre segredo de Estado, que bloqueia, quase garantidamente, toda e qualquer averiguação que possa ser necessário operar. A grande defesa que os cidadãos ainda têm é o Estado Democrático de Direito, estrutura em que o leitor, como todos nós, naturalmente considera um escudo extremamente garantístico... É o máximo!

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