Sonhar tarde e a más horas

|Tânia Rei|
Toda a gente sabe que a morte de um sonho é uma dor lacerante. Algo como se nos fritassem numa sertã ou nos cortassem com x-actos e depois regassem com álcool (talvez esteja a exagerar, ok).

Mas, pior do que isso, são os sonhos que ficam a meio.

Contudo, não falo de coisas oníricas, daquilo que planeamos e que depois cai em saco roto. Estou mesmo a falar dos sonhos que acontecem quando encostamos a cabeça na almofada. E não há nada que me irrite mais do que acordar sem saber como raio acaba a história construída pelo meu subconsciente.

Naquele momento, somos realizados, a segurar um Oscar por entre mãos húmidas, de tanto limpar as lágrimas que insistem em cair de emoção. O nosso inconsciente, subconsciente e mais seja o que for, qual Fernando Pessoa, materializam-se, e escrevem ora novelas mexicanas, ora histórias de crianças, ora enredos dignos de Stephen King.

Diz quem sabe que sonhamos todos os dias. Quanto a isso, acho muito bem e parece-me, até, saudável. O problema é quando acordamos a meio, ou quase num desfecho apocalíptico, e depois ficamos ali, de papo para o ar, todos suados, a pensar “como raio acaba isto?”. Pois nunca chegamos a saber se nos salvaram da forca, se batemos ou demos porrada numa discussão acesa ou se o tal bicho nos comeu a cabeça.

Tomados de parvoíce extrema, tentamos lembrarmos. Damos voltas ao miolo. Carregamos no botão de voltar atrás e no repeat, comos agentes do FBI, à procura da ponta solta que vai permitir resolver o caso. Nada acontece. Vazio. Silêncio. Perguntamos depois aos nossos “eus” como é que tudo terminou. Eles, categoricamente, ignoram-nos. Fazem cara de criança em brincadeira febril, enquanto nos viram a cara com ar gozão e ficam a olhar de esguelha, a aproveitar o momento em que nos tiram do sério.

Tomada uma decisão adulta, vamos contar o sonho e desvalorizá-lo. “Olha que sonho parvo! Tão sem importância, que nem me lembro como termina, vê lá tu!”. E por dentro estamos a remoer o assunto, a imaginar hipotéticos finais.

Quando somos salvos de um desfecho trágico, por vezes, suspiramos de alívio e afastamos o sonho com um braço a abanar, como se fosse fumo tóxico à nossa volta. Mas, outras vezes, o raio do sonho devia ter terminado meia hora mais tarde, para não nos deixar a sonhar o resto do dia.

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