Em 2003, foi anunciado ao mundo a sequenciação do genoma humano. Apesar da grande importância desse feito científico, ficou desde logo evidente para muitos que era o início de uma nova era nas ciências da vida, com muitas e novas perguntas. Por exemplo, conhecer toda a sequência de “letras” do “livro da vida” não explicava por si só porquê e como é que há células diferentes num dado organismo apesar de todas conterem os mesmos genes. O que é que faz com que alguns genes estejam activos em algumas células e silenciados noutras? O que é que comanda a velocidade com que os genes são transcritos para proteínas em diferentes alturas da vida?
Há três anos, o projecto designado por ENCODE, uma enciclopédia dos elementos constituintes do ADN do nosso genoma, deitou por terra algumas ideias feitas e deixou claro que centenas de milhares de fragmentos do genoma, antes considerados sequências repetitivas de ADN “lixo”, são determinantes na gestão do genoma: regulam como e quando os genes devem levar a cabo a sua função.
Assim, depois de sequenciar o genoma, era necessário mapear o epigenoma das células dos diferentes tecidos que compõem o corpo humano. Esta tarefa tem mobilizado muitas equipas internacionais de cientistas. Um dos projectos foi financiado com 190 milhões de dólares nos últimos 5 anos pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla inglesa) dos Estados Unidos: o projecto “NIH Roadmap Epigenomics Consortium”. A Europa também tem investido nesta aventura do conhecimento com o projecto “Blueprint Epigenome”.
Os resultados conseguidos pelo projecto norte-americano foram publicados esta semana em várias revistas do grupo editorial científico Nature (ver por exemplo). No geral, resumem o que foi sendo descoberto durante os últimos cinco anos em mais de cem amostras de tecidos e células diferentes: um novo mapa epigenético humano que indica como é que os genes se activam ou não no nosso organismo, em diferentes células, em organismos saudáveis e doentes.
Este aspecto de o epigenoma ser diferente entre células de tecidos sãos e células de tecidos doentes, representa um enorme potencial para o estudo e compreensão de diversas doenças, assim como abre novos horizontes para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.
Entre as aplicações terapêuticas, um dos trabalhos agora publicados descreve perfis epigenómicos associados com células cancerígenas, na sequência do trabalho efectuado anteriormente pelo projecto europeu sobre leucemias infantis. Há também trabalhos sobre o epigenoma de desordens autoimunes.
Este novo mapa epigenómico aumenta o nosso conhecimento sobre as bases moleculares de diversas doenças e permite compreender melhor o desenvolvimento do organismo desde as primeiras células embrionárias.
António Piedade
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva