A entrevista de José Sócrates

|Hélio Bernardo Lopes|
Contrariamente ao que logo se vaticinou, ao tempo em que José Sócrates foi detido, a verdade é que o clima ao redor do seu caso começa a dar mostras de que de que as coisas poderão não ter mudado tanto assim. 

De um modo que não se discute, a verdade é que a grande comunicação social tem dado um contributo essencial para o desenvolver da sensação que começo a ter e me determinou a escrever o presente texto.

É verdade que os grandes jornais de há muito deixaram de ligar a este caso, entregue como está ao funcionamento do Sistema de Justiça e sob o comando de um procurador e de um juiz com indiscutíveis provas de capacidade e de seriedade. Infelizmente, as televisões continuam a alimentar os nossos noticiários com cenas mais ou menos hilariantes, objetivamente sem um infinitésimo de valor jornalístico. Olhadas com atenção, estas cenas apenas contribuem para o crescimento do descrédito das instituições.

Devo dizer que eu nunca trocaria a governação de José Sócrates pela atual, se nada do que se tem vindo a ver tivesse tido lugar. Tendo visto José Sócrates desde sempre como um neoliberal, a verdade é que o seu grau de preocupação social era muitíssimo superior ao que se tem vindo a ver desde que Pedro Passos Coelho passou a dirigir o Governo.

Muito boa gente minha amiga ou conhecida – até familiares – vive hoje arrependidíssima com as morras dadas em tempos a Sócrates e a Teixeira dos Santos e com o barrete político que lamentam ter enfiado com a atual Maioria-Governo-Presidente. A verdade é que o que se tem vindo a passar, com enorme proximidade, foi o que expliquei, em Almeida, ao meu falecido primo Toninho, mas também aos irmãos Tó e José Sousa, entre muitos outros amigos.

Diferente é o caso que agora se passa, desde que a Operação Marquês teve o seu início. Não recordo, em Portugal, entrevistas concedidas por detidos em prisão preventiva, quando as investigações continuam a desenrolar-se. Além do mais, e como pude já escrever, sempre imaginei que o presente caso, desde que os políticos do PS tenham bom senso e se mostrem realmente abertos a uma alternativa à atual desgraça político-social, nunca terá qualquer influência sobre os resultados eleitorais.

Como se torna evidente, uma entrevista de José Sócrates agora publicada poria naturalmente em causa quanto se vem desenrolando desde a sua detenção. Tudo ficaria em causa, logo a começar pela ação do Ministério Público e a continuar na decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal. E tudo isso teria reflexos indiscutíveis no desenrolar da investigação.

Claro está que não existe nestas estruturas um qualquer tipo de infalibilidade, mas o que existem são regras e caminhos para as fazer aplicar. E também é verdade que ninguém pode nunca imaginar que existe uma justiça que será a justa, a autêntica, a realmente válida. Basta olhar o caso, por exemplo, do nosso concidadão, Armindo Castro, que até confessou, e sem ser violentado, o que, afinal, nunca fizera. Simplesmente, segundo as regras gerais, este tipo de situações só piora se a todo o ruído posto em prática pelas televisões e por um ou outro jornal, se juntar uma entrevista. É um pouco o que se passa com os comunicados da Procuradoria-Geral da República, ou de um qualquer tribunal: diz-se que são essenciais, mas logo são criticados por não serem como cada um acha que deviam ser.

Mas este caso já tem dois ou três ingredientes estranhos. Por um lado, aquela presença conjunta de dois dos detidos numa mesma cela. Por outro lado, a possibilidade de um qualquer dos detidos poder deixar de estar em prisão preventiva, agora que ainda decorre a própria investigação. Do ponto de vista desta, como imagino, tal será contraproducente para o seu desenrolar. Só quem não tem noção do que é investigação, e de num sentido aqui muito abrangente, pode afirmar não perceber um tal dinâmico processo.

Enfim, veremos se o meu pressentimento se virá a materializar, ou seja, de que algo de formal se vai acabar por encontrar para encerrar a presente investigação. Seria, indiscutivelmente, o pior resultado para o prestígio das instituições e do que resta do valor da nossa dita democracia. Tudo passaria a poder ser interpretado do modo mais conveniente para cada um no futuro. Seria, erradamente ou com razão, a aparente prova, então tomada como real, de que a Justiça consegue ser dominada por uns e não por outros. E já agora, espero e desejo que nada se venha a dar por provado contra o nosso antigo Primeiro-Ministro.

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