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| |Tânia Rei| |
Porque no amor, digo eu, há um patamar destinado a engatar.
Ora, depois de avisados, só fica quem quer, e por isso podemos ir em frente.
Engatar é uma nobre arte, que antecede os tais amores shakespearianos ou, mais frequentemente, algum tempo de lazer a dois.
Engatar não é para todos. Só os mais destemidos usam esta palavra. Os anjinhos usam “piscar o olho” ou “arrastar a asa”, ou, no máximo “fazer-se ao piso”. Engatar, na ascensão da palavra, é toda uma performance, com passos meticulosamente engendrados, como se estivéssemos a planear a fuga de Guantánamo - um deslize e cai tudo por terra. Requer perícia, e não é para todos os bicos.
Ser só descarado não é uma boa abordagem, não é engatar. É antes como aterrar um boeing sem descer o trem de aterragem – não é impossível, mas… Podem perguntar, e com razão, se, para engatar é preciso estar disposto a isto. Pois claro! Responderei eu. Nas lides do amor, engatar sem querer não existe. Se estamos a engatar é porque temos um objecto de desejo, que queremos alcançar. Uma maçã vermelha e redondinha (mesmo envenenada) que não se safa de uma trinca.
Engatar é, pois, mais do que dizer frases feitas ou bonitas e pagar uns copos ou um jantar. É normal que esta estratégia falhe, devido à simplicidade e falta de ousadia (voltando atrás, é como querer fugir de Guantánamo munido de uma faca de manteiga). Já estes casos são outros quinhentos. Engatar é um jogo, onde damos o queijo a cheirar, e depois escondemos, serenamente, para deixar o rato farejar.
Engatar dá mais trabalho do que amar, somente porque se pode amar às vistas. Para engatar, é-se pretensioso. Não se vai dar o braço a torcer se não tiver resposta às mensagens no Facebook, nem convidar segunda vez para uma saída negada à partida. O “engatante” não desiste, isso não, e vai pensar noutra estratégia - é só um contratempo no labirinto do amor. O “engatado” sabe o que está a acontecer (normalmente) e assiste de camarote – vai ceder, eventualmente, mas a seu tempo.
“Engatante” e “engatado” seguem lado a lado, quando a tocar-se, num teaser constante. Saltarão faúlhas, haverá arrelias que nunca serão pronunciadas. Terá ciúmes, até! Megaproduções no outfit, saídas com pessoas que não deveriam estar ali e conversas tiradas a ferros constarão no cardápio.
Vai querer falar-se de coisas de que nunca se falará, sorrir bastante e estar-se-á presente.
Há um lugar-comum que, caso corra bem, é o culminar da situação. Imaginem uma saída à noite, para um bar dançante (ou lá como se diz nesta década). Estão com um grupo de amigos, alguns recém-conhecidos, porque “sou amigo de um primo teu”, ou “andámos juntos na faculdade e está de visita”, ou “do you speak english?”. Nestes casos, quando a noite já vai alta, dois amigos desaparecem, e aparecem, iluminados por uns holofotes quaisquer, ou luzes psicadélicas, aos beijos. Neste caso, correu bem.
Ora, noutros casos não corre. É a lei da vida, e iremos negar até à morte que tivemos algum interesse por aquela pessoa, que nunca o entendeu, ou não o quis entender. E não haverá um motivo lógico para, num bar dançante por aí, não ter havido luzes por cima das nossas cabeças. Uma vez disseram-me que o que escrevo são estados de espírito. Nesse caso, gostaria de o transmitir a todos os “engatantes” – força nisso! E, para os “engatados”, lembrem-se que o mundo com amor, é um mundo melhor.
