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|Tânia Rei| |
Ser mau sem ter intenção parece ser permitido. Podemos não agir de forma digna, desde que seja sem querer. Ora vejamos, um bom argumento em tribunal: “O senhor foi assaltar aquele banco porquê?”, inquiriria o juiz, com os óculos a pingar na ponta do nariz. “Foi sem querer, não fiz por mal, senhor juiz.” “Sendo assim, pode ir em liberdade, meu bom homem.” E seria ilibado, devido à falta de intenção.
Isto pode aplicar-se em diversas situações, até quando em crianças, e absolutamente sem querer, jogávamos futebol dentro de casa e partíamos um bibelot. Ou quando chegamos tarde ao emprego. Ou quando fazemos olhinhos a um transeunte na rua.
Azar dos Távoras! Somos sempre apanhados, quando fazemos coisas “sem querer”. Talvez devido à inocência, à falta de intenção, o desfecho nunca é abonatório.
Ser mau é, afinal, algo que exige vocação. Ninguém é mau sem que seja de forma deliberada. Pelo menos é isso que nos diz a experiência. Já magoar alguém “sem querer” é consentido.
Ora, isto é estranho. Se isto vira moda, a culpa vai morrer sempre mesmo solteira. Para tudo a razão lógica será a falta de intenção. É um pouco como trazer à realidade o filme “A invenção da mentira”, que nos conta a história da primeira pessoa que aprendeu a mentir. Como mais ninguém sabia mentir, acreditavam nas aldrabices que lhes eram contadas.
Na realidade, a capacidade de mentir já nos é inata. Apenas inventámos o “foi sem querer” e o “não fiz por mal”, que nada mais é do que o aperfeiçoar da arte humana de enganar os outros.
Lá no fundo, todos os “foi sem querer” e “não fiz por mal” têm um quê de mentira. Claro que sabíamos que chutar numa bola num local cheio de cacos de porcelana podia correr mal, claro que sabemos o horário de trabalho, claro que sabemos que tirar as medidas a outra pessoa vai magoar o companheiro. Só não contávamos ser apanhados.
E por isso, o ardil humano trouxe o “foi sem querer” e o “não fiz por mal”, que nos conferem uma capa, uma última oportunidade de redenção. É a saída airosa, a derradeira tentativa de ser perdoado.
Desculpem se os fiz pensar sobre o assunto, não fiz por mal.