Uma estranha peça jornalística

|Hélio Bernardo Lopes|
No noticiário da hora do jantar da RTP, neste passado domingo, para minha estranheza, eis que surgiu uma ligeira reportagem ao redor do padre Alberto Neto, que foi meu professor de Religião e Moral no Liceu Nacional D. João de Castro, em Lisboa, e que foi assassinado por volta de 03 de julho de 1987.

Nunca se soube, oficialmente, quem o assassinou nem as causas do homicídio. Como se percebe facilmente, sendo uma personalidade publicamente muito conhecida, terá sido sempre estranho, para quem nada mais soubesse, que o levantamento daquela indeterminação nunca tenha tido lugar. Nem o assunto voltou a andar na ribalta noticiosa.

Acontece que, ao contrário do noticiado na peça, Alberto Neto estava, em matéria de combate ao regime constitucional da II República, a anos-luz do que se deu, por exemplo, com os padres Felicidade Alves e Mário de Oliveira. Estes atuavam, de facto, contra a ordem constitucional e até questionavam a hierarquia da Igreja Católica. Alberto Neto, em boa verdade, era um crítico, mas simplesmente brincalhão e simpático. Era mais um como milhões: falavam e a vida corria.

É essencial lembrar que não se conhece – eu não conheço – nenhuma intervenção política digna de registo depois da Revolução de 25 de Abril. E o seu homicídio, como escrevo antes, teve já lugar treze anos depois daquele acontecimento histórico português. E tenho aqui que referir, nos termos do que foi confirmado – contado – pelo próprio, que Alberto Neto terá sido abordado sobre uma sua possível subida a bispo, mas que recusou.

Quando me contou isto, em face do que conhecia de si, percebi a lógica da recusa, dado que ele amava, apaixonadamente, uma vida livre, sem horas, passeando por tudo quanto era sítio, mormente o futebol. E o futebol sportinguista, onde passava umas boas horas de cada dia. Foi Alberto Neto quem me apresentou a José Xara Brasil, por aqui acabando por entrar no clube – e em Portugal – o Taekwondo. E isto apesar de ser eu, ao tempo, um benfiquista com lugar cativo.

Acontece que Alberto Neto esteve presente na Capela do Rato na noite da passagem do ano de 1972 para 1973, que teve alguma repercussão nos meios católicos ditos progressistas. Ou seja, nos que agora perderam com a recente decisão do último Sínodo dos Bispos. E, como se sabe bem, nada aconteceu, depois da Revolução de 25 de Abril, a ninguém que ali tenha estado. Seria estranho, pois, que não se desse o mesmo com o padre Alberto Neto. Ou seja: ele não foi morto por uma razão política.

O que é verdade, e que eu sempre ouvi dizer, é que Alberto Neto teria uma vida ligada à homossexualidade. Não a crianças – meninos ou meninas –, como referiu certa senhora, mas em termos do que se designava por namorados. Isto sim, é verdade: sempre se falou de que existiria tal realidade. Nos grupos de amigos mais íntimos, onde existia a garantia de se não criar estardalhaço, era muito frequente abordar esta questão, sempre no meio de risadas ou piadas. E – um aspeto hoje interessante – sem que tais conversas transportassem consigo a ideia de que o mesmo poderia ter lugar no ambiente sacerdotal.

O meu modelo explicativo para o homicídio – aquele a que atribuo maior probabilidade – que teve lugar é este: o padre Alberto Neto terá sido assassinado pelo hipotético namorado que tinha, mas numa situação de desespero deste, de necessidade material – já incomportável para o padre –, por razões ligadas ao consumo de estupefacientes.

Por fim, uma chamada de atenção: este tema da causa da morte do padre Alberto Neto surgiu agora, depois de décadas de silêncio sobre o tema. E surgiu, envolto naquela capa do (inacreditável) homicídio por razões políticas, no preciso dia em que a sua hipotética situação foi reprovada neste mais recente Sínodo dos Bispos. É demais! Em todo o caso, a generalidade dos que com ele conviveram gostavam dele.

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