Certezas e ilusões

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
Achei uma enorme graça à reação de ontem de Edite Estrela, ao redor das mais recentes condecorações concedidas pelo Presidente Cavaco Silva. A eurodeputada considerou que tais condecorações foram muito injustas, porque se destinaram apenas a amigos. De resto, Basílio Horta também já havia protestado contra o facto de não ter sido convidado para a cerimónia.

Neste tipo de casos, porém, eu penso que o erro está em Edite e em Basílio, porque exigem um tratamento que não depende de si, antes do Presidente Cavaco Silva, ou mesmo dos laureados. Simplesmente, e como diz um ditado popular digno de registo, há sempre mais marés que marinheiros. E a razão destas recentes realidades, ao redor das condecorações, é a maré naturalmente gerada pela direita política da III República. E foi pelo facto dos anteriores Presidentes da República não terem atuado como faz agora o Presidente Cavaco Silva que se chegou ao atual estado de coisas.

Tal como sempre expliquei, quando a direita grita, o PS obedece. É uma prática com quatro décadas. É nesta mesma linha de atuação que ontem também pudemos ouvir as mais recentes palavras de Eurico Brilhante Dias. Com a mais plena razão, exigiu, em nome do PS, que o Governo esclareça, até ao dia das eleições que se avizinham, de um modo transparente, quais as condições detalhadas que está a negociar com a Tróyka para o período posterior ao fim do atual Programa de Assistência Económica e Financeira.

Tendo razão, a verdade é que os dirigentes do PS sabem – sabem desde há muito – que o Governo vai enviar à Tróyka uma carta de compromisso de médio e longo prazo. É escusado andar a fingir que não se sabe, ou mesmo percebe, porque os portugueses, com esta Maioria-Governo-Presidente, já sabem com o que contam. O que os portugueses querem é que o PS e a UGT não subscrevam tal documento e digam o que pretendem mudar naquilo que, desastrosamente, foi feito aos portugueses ao longo destes três anos e tal.

Diz Eurico Brilhante Dias que é inadmissível democraticamente que um Primeiro-Ministro se dirija aos portugueses e diga que Portugal vai regressar aos mercados, mas não diga em simultâneo aos portugueses que condições está a negociar para sair do programa de assistência financeira. O erro de Eurico reside no facto dele se reportar a uma democracia, e mesmo, embora sem ter sido dito, a um Estado de Direito, realidades hoje já completamente inexistentes. Uma coisa são os papéis, logo a começar pela Constituição da República, outra a realidade.

Se Eurico tiver acompanhado a recente entrevista de Fernando Pinto Monteiro ao PORTO CANAL, lá terá ouvido que, malgrado a Constituição da República estipular o direito dos portugueses recorrerem aos Tribunais, a verdade é que, de facto, esse direito está praticamente ausente. Ou se tem dinheiro, ou come-se e cala-se. E pode até atingir-se aquela situação um dia referida por Salazar a um amigo seu: a Primeira República era tão má, que eu cheguei a ter maus pensamentos.

Dá que pensar... Mas a grande verdade também nos chegou pelo porta-voz do PS: o PS soube da carta de intenções, do mini-memorando, pelos jornais, depois de o Primeiro-Ministro ter feito uma comunicação ao País, o que diz bem do espaço que existe (ou que poderia existir) para uma discussão séria sobre um compromisso com este Governo. Mas, afinal, o que pode o PS garantir que nunca aceitará? Sim, porque o que o FMI quer é conhecer em detalhe quais as condições de execução de políticas públicas económicas e financeiras. E então? Que medidas públicas concretas é o PS capaz de garantir aos portugueses? Porque é isso que todos queremos ouvir de Seguro.

Por fim, o porta-voz do PS saiu-se com estas palavras verdadeiramente inacreditáveis: depois de 30 junho, quando termina o programa, o FMI continuará a fazer vigilância e a emitir notas de desenvolvimento sobre a economia portuguesa, pelo que esses compromissos não vinculam este Governo, mas a República Portuguesa e um futuro Governo deste País. Mas então para se dar o empréstimo da Tróyka não se exigiu o acordo do PSD e do CDS/PP? Podiam não o ter dado, talvez não existindo empréstimo.

Portanto, porque se escuda agora o PS numa carta assinada pelo PSD e pelo CDS/PP? É simples: porque o PS, com toda a garantia, apoia as condições incluídas na tal carta da atual Maioria. De resto, e tal como se deu com a dita saída limpa, que já todos conheciam, todos sabem já que o PS apoia as exigências – estas ou outras – da Tróyka. Hoje e amanhã. Somos hoje, de facto, um autêntico protetorado. E não assinou o PS o Tratado Orçamental? Portanto,...

E tem toda a razão Mário Soares, quando agora diz que já não vigoram os Direitos Humanos em Portugal. Tem razão, porque uma coisa é o que está escrito, outra a realidade concreta dos portugueses. Mas como não haveria de ser assim, se o PS assegura, dizendo nada saber, que fará tudo o que determinar o Governo que diz combater? Ao final de todas as contas, se o PS vier a ser Governo – coligado com o PSD, claro está –, será para executar a política agora traçada por este Governo, mas de que nos vai dizendo ser discordante!! Bom, caro leitor, é o PS à beira do ponto de rebuçado. Autêntico extremo absoluto político da nossa III República. Estado de Direito Democrático? Ó ático|!

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