Um desabafo engraçado e sentido

Hélio bernardo Lopes
Escreve diariamente
Neste domingo que passou, tomei conhecimento de uma entrevista curta, talvez à laia de desabafo, que foi concedida pelo nosso concidadão, António Passos Coelho, médico pneumologista, a três anos das suas primeiras nove décadas de vida e que é o pai do Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho. Constitui, sem dúvida, um desabafo, mas bastante engraçado e certamente sentido.

Nascido no Concelho de Vila Real, acabou por passar pelo Sanatório do Caramulo, onde Joaquim Moreira da Silva Cunha, então Ministro do Ultramar, o desafiou a criar um serviço de Pneumologia em Angola, ideia que acabou por abraçar.

Depois de uma passagem curta pelo Bié, acabou por instalar-se em Luanda, onde foi dando corpo à orientação que lhe tinha sido dada pelo ministro. Aí residiu até ao último voo para Lisboa, já mesmo à beira da independência de Angola, de onde veio com sua mulher e seus quatro filhos. Com alguma estranheza minha, a verdade é que desconhecia a existência da sua obra, ANGOLA, AMOR IMPOSSÍVEL, que irei agora tentar obter, mau grado as terríveis dificuldades que a quase todos têm sido criadas pelo seu filho Pedro.

Como é evidente e se sabe muitíssimo bem, embora se fale sempre pouco de tal realidade, António Passos Coelho foi encontrar uma Angola onde a vida era normalíssima e apenas do norte e leste chegavam alguns relatos da atividade da guerrilha. E acreditava que Angola caminhava já há alguns anos para uma independência que iria acontecer com ou sem 25 de Abril. Embora nos revele o que já se sabia muitíssimo bem ao tempo, e que era o facto de existir orientação no sentido de se irem preenchendo os quadros com angolanos.

Lamentando que não se tenha conseguido aproveitar o que estava bem antes, também reconhece que a Revolução de Abril trouxe vantagens fantásticas ao país, com destaque para a liberdade de expressão e de crítica, e ainda ao nível do Serviço Nacional de Saúde ou da Justiça. Precisamente duas áreas que a atual Maioria-Governo-Presidente mais têm ajudado a destruir, com particular ênfase para a primeira.

Mas o nosso concidadão entende que a descolonização portuguesa foi feita à pressa em Angola. Acha mesmo que a independência deveria ter sido dada com o auxílio da ONU ou da (extinta) Organização de Unidade Africana, o que não deixa de ser fantástico! Acha que deveria ter sido assim, de maneira a ter lá uma força qualquer que evitasse a guerra entre eles, até porque o MPLA ou a UNITA eram partidos armados que não faziam política e o resultado foi uma guerra que matou famílias inteiras e destruiu Angola. António Passos Coelho não se terá recordado, nesta sua passagem, dos dois milhões de mortos no Darfur, aos quais a ONU, que conhecia o que estava a dar-se, nunca ligou. Nem parece ter presente o que se passa, neste momento, por partes diversas de África.

A Luanda que conhecera – uma boa imagem de Angola à sua chegada –, num ápice, mudou, transformando-se numa cidade solitária e deserta, onde os cafés e restaurantes de sempre se encontravam de portas fechadas. Ele próprio teve também de se esconder quando se deparou com trocas de tiros e teve que lutar para conseguir combustível para o funcionamento do hospital, que ficou sem eletricidade ou telefone. Como nos explica, a revolução precipitou tudo.

Ao chegar a Lisboa, porém, encontrou um Portugal sujo e imundo, que o deixou desolado. Com oitenta e sete anos, António Passos Coelho terá nascido no ano da Revolução de 28 de Maio. Tendo a Ditadura Nacional durado sete anos, António ainda conseguiu ouvir conversas ao redor do estado do País na I República, mas também da balbúrdia político-administrativa em que os militares, inicialmente liderados por Gomes da Costa, Cabeçadas e outros, haviam deixado o País.

Tomando aqui como certa a ideia minha de que nunca terá participado em quaisquer lutas contra o regime constitucional da II República, do mesmo terá construído uma ideia. Uma ideia naturalmente dinâmica, fruto do tempo, da idade e das circunstâncias, internas e internacionais. Reconhecerá, pois, que depois daqueles sete anos se nos deparou a necessidade de pôr ordem nas Finanças de Portugal.

Contactada a Sociedade das Nações, a fim de poder disponibilizar um empréstimo, esta exigiu colocar aqui uma Monóyka sua, o que Salazar recusou liminarmente. Com os sacrifícios impostos aos portugueses, incluindo o próprio Salazar, o País resolveu o seu problema em dois anos. E como o número dois com um zero à direita dá vinte, este é agora o tempo que nos dizem – dizem agora, claro...– ser necessário para resolver, mas com Tróyka, o nosso problema atual, fruto de tantos tanto desejarem a vinda do FMI. Até Soares gritou a Sócrates que era o melhor caminho, e que até já o havia experimentado por duas vezes e sem problemas.

Seguiram-se as guerras de Espanha e de 1939-1945 e Portugal lá conseguiu evitar mais uns milhares de mortos aos seus cidadãos. É minha convicção que António Passos Coelho verá hoje como muito boa a atuação de Salazar e dos seus governantes até ao final desta última guerra. De molde que surge a questão: o que achará António que Salazar deveria ter feito logo após o seu fim? Quase com toda a certeza, dir-nos-á que o regime constitucional e o sistema político se deveriam ter modernizado, com o caso ultramarino a dever seguir o rumo dado pelo Reino Unido, França, Bélgica e Alemanha. Ou seja: deveríamos ter feito como os outros fizeram, apesar destes nunca terem seguido, em tempo algum, uma qualquer ideia nossa. Basta recordar, entre tantos outros casos, o do Mapa Cor-de-Rosa.

A uma primeira vista, o nosso concidadão e médico parece não interiorizar a ideia de que os povos são distintos, reagindo de modos diferentes a estímulos similares. Parece acreditar numa visão estruturalista e suportada na boa-fé para a resolução dos grandes problemas de cada momento. Neste sentido, Obama não deveria saber das escutas maciças da Agência Nacional de Segurança, visto garantir agora que tal vai ter um fim. Carter, de resto, já tinha dito e feito o mesmo, mas tudo voltou à estaca zero e em muitíssimo maior grau.

É também minha convicção que António Passos Coelho não terá escutado do nosso concidadão, Filipe Ribeiro de Menezes, a revelação da conversa entre Salazar e gente que lhe tinha acesso, ao redor de se dar independências aos nossos territórios de África e outras paragens, tendo aquele respondido que até seguiria tal caminho, mas que Portugal não tinha capacidade para operar uma exploração em regime neocolonial. E, como há dias tão bem explicou Rodrigo de Sousa e Castro ao i, hoje somos nós que andamos de mão estendida perante Angola, aflitinhos com a historicamente célebre machetada do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Hoje, porém, já sem Salazar e o seu regime constitucional da II República, com eleições democráticas e todos os direitos consignados – no texto constitucional, claro –, António Passos Coelho não se revê neste Portugal, onde a falta de educação é encarada com normalidade e se insultam ministros e presidentes, chegando ao ponto de ver tudo isto com muita preocupação. Acaba mesmo por reconhecer que o Portugal de hoje é uma coisa séria, culpando os políticos, dos vários Governos PS e PSD, pelo estado a que o País chegou e que isto está mau, está a ser complicado a cortarem-nos nos vencimentos, está mal, e o Estado não tem dinheiro, de maneira que isto é um problema.

Trata-se, indubitavelmente, de um desabafo engraçado e certamente sentido, porque aos oitenta e sete anos, em matéria política, pouco no Portugal que foi conhecendo o satisfez. Como os regimes constitucionais foram mudando, e assim também os sistemas políticos, resta-nos a localização geográfica e o modo português de estar vida, muito determinado por séculos vividos à luz daquele condicionamento. Além do mais, se os Governos do PS e PSD estão longe de terem atuado bem ao longo destas quatro décadas e se chegou ao estado que se pode ver, com o futuro que já se percebe com clareza, há nisto tudo uma culpa dos eleitores, porque estão a anos-luz de viver capazmente a democracia, antes olhando os partidos como se de clubes se tratem.

Deixo ao nosso concidadão, António Passos Coelhos, uma referência e uma descoberta minha. A referência é a do general Amadeu Garcia dos Santos, há muito poucos dias: aguentámos a II República tranquilamente. A minha descoberta é a da obra, CONFRONTO EM ÁFRICA, de Witney Schneidman, por cuja leitura pude confirmar o que sempre pensei sobre o fim da presença portuguesa nas antigas províncias ultramarinas. Ainda assim, estas são hoje, de um modo muito geral, espaços nacionais muito estáveis e repletos de potencialidades. Nós, aqui, em contrapartida, e no dizer mais que lógico de Joaquim Azevedo, corremos o sério risco de desaparecer como Estado. Dá que pensar...

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