Um cancro que vai manter-se

Hélio Bernardo Lopes
Na edição deste domingo de um grande diário nacional surgiu a notícia, naturalíssima, de que, em média diária, são dois os arguidos cujos processos prescrevem. 

Mas é evidente que, não sendo em si uma novidade, a mesma tem de causar uma terrível revolta íntima junto de quantos sentem a natural necessidade de uma estrutura de justiça que sirva bem a comunidade. Invariavelmente, aponta-se a legislação em vigor como sendo a causa deste e de muitas outros cancros a este nível, bem como a falta de meios, sejam humanos ou outros.

Simplesmente, este caso recente de Jorge Jardim Gonçalves veio mostrar que a vontade inicial do Governo já se ficou pelo caminho. Uma situação logo apoiada por advogados, procuradores e muitos políticos. Apenas a Associação Sindical dos Juízes Portugueses defendeu o óbvio: aumentar os prazos de prescrição dos processos. E o leitor já reparou no silêncio do PS neste domínio?

Diz que vai exigir explicações sobre o caso, mas para quê?! Não seria já preferível modificar capazmente a legislação em vigor e aumentar os prazos de prescrição? Mas ir-se-á por aí? Claro que não! Tudo vai continuar como até aqui.

Nesta semana que passou tive a oportunidade, por duas vezes, de tratar o tema das prescrições, que se constitui, desde há décadas, num velho cancro da nossa Justiça. A solução para atacar este cancro passa por duas vias: modificar a parte técnica que comanda o funcionamento do tema e aumentar drasticamente – defendi quinze anos – o prazo de prescrição dos processos.

Pode o leitor constatar agora a realidade que, afinal, está em jogo neste caso: quase com toda a certeza, nada irá ser feito de verdadeiramente capaz. Mais: podem até surgir modificações à legislação vigente, mas cuja inconstitucionalidade será mais tarde suscitada junto do Tribunal Constitucional, podendo vir a dar-se o caso da mesma ser inconstitucional… Ao final de todas as contas, por onde anda a legislação sobre enriquecimento ilícito?! Seria lógico, perante tal nova legislação, e em face do que explico antes, que fosse logo suscitada a apreciação preventiva da referida legislação, o que, como elevadíssima probabilidade, não será feito.

Em complemento, parece agora evidente que a onda contra o prolongamento dos prazos de prescrição sairá vencedora. Irá continuar, pois, a presente realidade. E sabe o leitor porquê? Porque nos últimos muitos anos, com a tal média diária atrás referida, nunca jurista algum se preocupou com o grave problema das prescrições. E quem diz jurista, diz jornalista, comentador, académico ou político.

Termino com um pedido ao leitor, se acaso entender satisfazê-lo: guarde este texto em lugar de fácil acesso, físico ou memorial, e esteja atento ao que vai continuar a dar-se em matéria da prescrição de processos, mormente nos casos envolvendo concidadãos nossos com algum tipo de grande poder. E retire depois a conclusão sobre a causa de se ter chegado ao estado sem saída em que todos nós e Portugal nos encontramos. É um cancro que vai manter-se.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN