Para além do congelamento dos salários que pretende impor aos trabalhadores da Administração Pública o que determinará que o seu poder de compra no fim deste ano seja inferior ao que tinham no inicio de 2000 em cerca de 8% (a preços de 2005, o valor das remunerações certas e permanentes da Administração Pública Central previstas para 2010 – 8.223,8 milhões € - corresponde a menos 1.132 milhões € do que o valor de 2005) , o governo pretende alterar novamente o Estatuto da Aposentação violando o principio da segurança jurídica e criando uma grande instabilidade e insegurança na Administração Pública com permanentes alterações.
Actualmente a pensão dos trabalhadores que se aposentem (P) é a soma de duas pensões (P=P1+P2). Uma primeira pensão (P1) que corresponde ao tempo de serviço feito até 31.12.2005; e uma segunda pensão (P2) que corresponde ao tempo de serviço do trabalhador feito depois de 1 de Janeiro de 2006. A alteração que o governo pretende fazer é na formula de cálculo da pensão correspondente ao tempo de serviço realizado até 31.12.2005, que deixaria de ser feito com base no salário recebido pelo trabalhador na data em que se aposenta, como actualmente sucede, e passaria a ser determinado com base no salário recebido pelo trabalhador em 2005 que, embora revalorizado, poderá determinar uma pensão inferior à que se obtém actualmente.
A segunda modificação que o governo pretende introduzir no Estatuto da Aposentação é alterar a bonificação actual que é concedida aos trabalhadores com carreiras longas. Actualmente, no caso de aposentação antecipada, “o numero de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de pensão é reduzido de um ano por cada período de três anos ou, em alternativa, de seis meses por cada ano que o tempo de serviço exceda a carreira completa em vigor no momento de aposentação” . Isto era para vigorar até 31.12.2014 O governo pretende revogar esta disposição e, em sua substituição, passaria a vigorar uma outra disposição que é a seguinte: “Quando o subscritor aos 55 anos de idade contar mais de 30 anos de serviço, o numero de meses de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de redução da pensão é reduzida de 12 meses por cada período de três anos que exceda os 30 anos de serviço, no momento em que o subscritor atinja 55 anos de idade”. Portanto, só interessaria os anos de descontos a mais que o trabalhador tivesse quando tinha 55 anos de idade, e não em qualquer outra idade. E por cada grupo completo de 3 anos a mais de descontos com a idade de 55 anos, a idade legal de aposentação seria reduzida em um ano.
A terceira alteração que o governo pretende introduzir no Estatuto da Aposentação é ainda mais grave. Actualmente, no caso de aposentação antecipada, o trabalhador sofre uma redução na sua pensão de 4,5% por cada ano de idade a menos que tiver em relação à idade legal de aposentação em vigor no ano em que se aposente. Esta norma devia vigorar até 31.12.2014. O governo pretende também alterar esta norma e, em sua substituição, passaria a vigorar a seguinte: “A taxa global de redução é o produto do numero de meses de antecipação em relação à idade legalmente exigida para aposentação pela taxa mensal de 0,5% para as pensões requeridas a partir a entrada em vigor da presente lei”. Portanto, a redução deixa de ser calculada com base no ano para passar ser calculada com base no mês. E por cada ano completo, a redução da pensão passaria de 4,5%, que é a actual, para 6% (0,5% x 12 meses = 6%)
De acordo com a proposta de Lei do Orçamento para 2010, estas alterações só se aplicariam “às aposentações requeridas ou tornadas obrigatórias após a entrada em vigor da presente lei”. Segundo o próprio Relatório do OE2010, “ o impacto financeiro da introdução conjunta de duas medidas é estimado numa redução na despesa de pensões em cerca de 28 milhões de euros em 2010, e de 300 milhões de euros , em termos acumulados, até 2013 devendo ainda ter consequências importantes a médio e a longo prazo” (pág. 33). Como a CGA prevê que o numero de aposentados em 2010 seja de 22.500, uma “poupança” de 28 milhões de euros este ano significa uma redução media de 1.444 euros na pensão anual dos trabalhadores que se aposentem em 2010. O mesmo acontecerá com os trabalhadores que se aposentem nos anos seguintes. Recebendo uma pensão mais baixa na data de aposentação, estes trabalhadores receberão pensões mais baixas durante toda a vida porque a base de partida das futuras actualizações é mais baixa.
Interesse ainda referir o simulacro de negociações com os sindicatos que o governo pretende impor mais uma vez. De acordo com a Lei 23/98 o governo está obrigado a negociar todas estas matérias com os sindicatos. No entanto, mesmo antes de ter começado as negociações (só se iniciam em 9.2.2010) o ministro das Finanças já veio dizer publicamente que os salários dos trabalhadores da Função Pública seriam congelados em 2010 e feitas alterações importantes no Estatuto de Aposentação. Desta forma, o governo transforma a negociação num autêntico simulacro, e mostra que não respeita nem a própria a lei.
Em 2005, o governo de Sócrates aprovou a Lei 60/2005 que alterou profundamente o Estatuto da Aposentação dos trabalhadores da Administração Pública, aumentando gradualmente o tempo de serviço em mais quatro anos, e a idade de aposentação em mais cinco anos, e modificando também a formula de cálculo da pensão com o objectivo de reduzir o seu valor.
Depois, esse mesmo governo procedeu a mais duas alterações importantes. Em 2007, através da Lei 52/2007, introduzindo o chamado “factor de sustentabilidade”, que é um factor que reduz o valor da pensão no momento da aposentação, e uma nova formula de actualização das pensões dos que já se aposentaram, que tem impedido qualquer melhoria nas pensões. E em 2008, através da Lei 11/2008, alterou as condições da aposentação antecipada.
Estas continuas alterações do Estatuto da Aposentação num período de tempo tão reduzido, para além de revelarem grande incompetência técnica, têm provocado grande instabilidade, insegurança e profunda insatisfação nos trabalhadores da Administração Pública o que foi agravado pelo facto de terem determinado a perda de direitos importantes pelos trabalhadores, direitos esses que o Estado, como pessoa de bem que devia ser, mas que não tem sido, tinha-se comprometido a respeitar no momento da contratação do trabalhador, já que esses direitos integravam também a contrapartida pelo trabalho a prestar pelo trabalhador.
Apesar destas múltiplas alterações do Estatuto da Aposentação verificadas depois de 2005, Sócrates considerou que ainda não eram suficientes e pretende agora, utilizando a Lei do Orçamento para 2010, introduzir mais três alterações importantes no Estatuto da Aposentação que, a serem aprovadas, determinarão uma redução significativa no valor das pensões dos trabalhadores que se aposentaram até 2014 como se mostra neste estudo.
O GOVERNO PRETENDE ALTERAR A FORMULA DE CÁLCULO DA PENSÃO PARA
BAIXAR O SEU VALOR
Actualmente a pensão dos trabalhadores que ingressaram na Administração Pública antes de Setembro de 1993 e que se aposentem, resulta da soma de duas pensões (P=P1+P2), valor que depois é ainda reduzido pelo chamado “factor de sustentabilidade” (em 2010, o factor de sustentabilidade é 1,65%, o que determina que a pensão seja reduzida neste valor). ..
A primeira pensão (P1) correspondente ao tempo de serviço realizado pelo trabalhador até 31.12.2005. A segunda pensão (P2), correspondente ao tempo de serviço realizada pelo trabalhador depois d e 1.1.2006.
A primeira pensão (P1) é calculada da mesma forma que era até 2005, isto é, com base no Estatuto de Aposentação que existia até 2005 (artº 1º da Lei 52/2007 republicado na Lei 11/2008), ou seja multiplicando a “remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto de Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência” na data de aposentação por uma fracção em que o numerador “é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31.12.2005” e o denominador é o numero total de anos de serviço que o trabalhador deverá possuir para ter direito à pensão completa, que consta do Anexo II da Lei 52/2007 A formula matemática é P1=R x Ti/C, em que R é a remuneração na data de aposentação menos a quota para efeitos de aposentação e sobrevivência; Ti é o numero de anos de serviço até 31.12.2005; e C o numero de anos de serviço que o trabalhador tem de ter na data de aposentação para ter direito à pensão completa.
A segunda pensão (P2) é calculada da mesma forma que é a da Segurança Social tendo como base os salários anuais recebidos pelo trabalhador depois de 1 de Janeiro de 2005.
O que o governo pretende agora fazer é alterar a formula de cálculo da 1ª pensão, ou seja, do P1, que deixaria de ser calculada com base no salário da data da aposentação (o R da formula matemática) e passaria a utilizar o salário recebido pelo trabalhador em 2005 revalorizado (aumentado) com base na subida de preços verificada depois de 31.12.2005, mas com uma nuance importante. Nessa revalorização não entrava o aumento de preços verificado no ano em que o trabalhador se aposentasse nem no ano anterior. Em relação ao 2010, por força artº 5º do Decreto-Lei 323/2009, o aumento de preços verificado em 2010, em 2009 e em 2008 não são utilizados, ou seja, para os trabalhadores que se aposentarem em 2010, o vencimento que receberam em 2005, e que servirá de base de calculo da pensão correspondente ao tempo de serviço realizado até 31.12.2005, será revalorizado tomando como base a subida dos preços verificada apenas em 2006 e 2007. E isto poderá determinar que seja um salário inferior ao que recebem em 2010. Se isso suceder, a 1ª pensão, ou seja, o P1 será inferior ao que se obteria tomando como base o vencimento actual.
Em relação a esta alteração transcreve-se da pág. 32 do Relatório do OE 2010 a seguinte passagem, porque ela é esclarecedora dos objectivos do governo,:“ o valor da pensão da aposentação (P) dos subscritores da CGA inscritos até 31 de Agosto de 1993 resulta de duas componentes: a primeira (P1) correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, e a segunda (P2) relativa ao tempo de serviço posterior a 31.12.2005, aplicando-se a cada uma delas as regras em vigor no respectivo período. Assim, para a primeira componente , a remuneração relevante é definida nos termos do Estatuto da Aposentação, enquanto, na segunda componente, a remuneração de referência tem em conta toda a carreira contributiva desde de 1 de Janeiro de 2006. O Estatuto de Aposentação determinava que remuneração relevante seria a última remuneração referida à data de aposentação; no entanto, uma vez que esta componente (P1) se refere ao tempo de serviço decorrido até 2005, a remuneração a considerar deverá ser a referente ao final do ano desse mesmo ano. Desta forma, o valor das novas pensões de aposentação a atribuir a partir de 2010 deverá ser calculada tendo em conta a remuneração auferida em 2005, actualizada para a data de aposentação segundo as regras em vigor, alterando a prática que tem vindo a ser seguida até à data considerando que a remuneração relevante é a remuneração auferida à data de aposentação”.
O GOVERNO PRETENDE REDUZIR A BONIFICAÇÃO QUE TINHAM DIREITO OS TRABALHADORES COM CARREIRAS LONGAS
Actualmente, no caso de aposentação antecipada, “o numero de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de pensão é reduzido de um ano por cada período de três anos ou, em alternativa, de seis meses por cada ano que o tempo de serviço exceda a carreira completa em vigor no momento de aposentação” . Isto era para vigorar até 31.12.2014 (artº 4º da Lei 11/2008). Por ex., se em 2010 um trabalhador tivesse 40,5 anos de serviço ele podia-se aposentar com 61,5 anos de idade sem qualquer penalização, apesar da idade legal de aposentação em 2010 ser de 62,5 anos.
O governo pretende revogar esta disposição e, em sua substituição, passaria a vigorar uma outra disposição, que só devia entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2015, e que poderá ser mais desfavorável para muitos trabalhadores, que é a seguinte: “Quando o subscritor aos 55 anos de idade contar mais de 30 anos de serviço, o numero de meses de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de redução da pensão é reduzida de 12 meses por cada período de três anos que exceda os 30 anos, no momento em que o subscritor atinja 55 anos de idade”. Portanto aqui só interessa os anos de descontos completos a mais que o trabalhador tiver quando tinha 55 anos de idade, e não em qualquer outra idade. E por cada grupo completo de 3 anos a mais de descontos para além de 30, a idade legal de aposentação seria reduzida um ano. Por exemplo, se um trabalhador tinha 33 anos de serviço quando tinha 55 anos de idade, se pretender aposentar-se quando tiver 60 anos, desconta na idade legal de aposentação do ano em que se reforme um ano, e o numero de anos de penalização será a diferença entre esse valor assim obtido e a sua idade.
O GOVERNO PRETENDE AUMENTAR A PENALIZAÇÃO DE 4,5% PARA 6% POR CADA ANO A MENOS EM RELAÇÃO À IDADE LEGAL DE APOSENTAÇÃO
Actualmente, no caso de aposentação antecipada, o trabalhador sofre uma redução na sua pensão de 4,5% por cada ano de idade a menos que tiver em relação à idade legal de aposentação em vigor no ano em que o trabalhador se aposente. Esta norma devia vigorar até 31.12.2014.
No entanto, o governo pretende também alterar esta norma e, em sua substituição, passaria a vigorar a seguinte: “A taxa global de redução é o produto do numero de meses de antecipação em relação à idade legalmente exigida para aposentação pela taxa mensal de 0,5% para as pensões requeridas a partir a entrada em vigor da presente lei”. Portanto, a redução deixaria de ser calculada com base no ano para passar ser calculada com base no mês. E por cada ano completo a menos passaria de 4,5%, que é a actual, para 6% (0,5% x 12 meses = 6%)
DATA DE ENTRADA EM VIGOR DESTAS ALTERAÇÕES E VALOR DA REDUÇÃO DAS PENSÕES DOS TRABALHADORES QUE SE APOSENTAREM ATÉ AO FIM DE 2013
De acordo com a proposta de Lei do Orçamento para 2010, todas estas alterações só se aplicam “às aposentações requeridas ou tornadas obrigatórias após a entrada em vigor da presente lei”.
Por outro lado, e de acordo com o próprio Relatório do OE2010 do governo, “ o impacto financeiro da introdução conjunta de duas medidas ( a remuneração a considerar ser a de 2005 e não a da data de aposentação, e o aumento da penalização de 4,5% para 6%) é estimado numa redução na despesa de pensões em cerca de 28 milhões de euros em 2010, e de 300 milhões de euros , em termos acumulados, até 2013 devendo ainda ter consequências importantes a médio e a longo prazo (pág. 33). Como a CGA prevê que o numero de trabalhadores que se aposentem em 2010 seja de 22.500, dividindo a “poupança” de 28 milhões de euros por este numero dá uma redução media na pensão anual dos trabalhadores que se aposentem em 2010 de 1.244 euros. É evidente que é um valor médio, alguns terão uma redução menor e outros muito maior. Mas o valor médio anual de 1.244 euros na pensão dos novos aposentados, porque serão estes a quem se aplicará as novas regras, dá bem uma ideia da violência e injustiça que representa esta medida do governo.
O CONGELAMENTO NA FUNÇÂO PUBLICA VAI SER UTILIZADO PELOS PRIVADOS PARA TENTAR IMPOR O MESMO AOS OUTROS TRABALHADORES E O SIMULACRO DE UMA NEGOCIAÇÃO
No período 2000-2009, em todos os anos, com excepção de 2009, o poder de compra dos salários dos trabalhadores da Administração Pública registou um importante e continuada redução o que determinou que, no inicio de 2010, o seu poder de compra seja inferior, ao de 2000, em quase 7%. Apesar disso, o governo pretende impor o congelamento dos salários em 2010. De acordo com declarações do Ministro das Finanças feitas durante a sessão publica de apresentação do OE de 2010 só poderão aumentar os prémios, o que significa que, tal como aconteceu em 2009, para a generalidade dos trabalhadores as carreiras (mudança de posição remuneratória) continuarão congeladas em 2010.
De acordo com o artº 5º da Lei 23/98 “é garantido aos trabalhadores da Administração Pública o direito de negociação colectiva”, direito esse que é exercido através dos seus sindicatos. E segundo o artº 6º da mesma lei, são obrigatoriamente objecto de negociação colectiva, entre diversas matérias, as referentes a vencimentos e a pensões. No entanto, mesmo antes de ter começado as negociações com os sindicatos (só se iniciam em 9.2.2010) o ministro das Finanças já veio dizer publicamente que os salários dos trabalhadores da Função Pública seriam congelados em 2010 e feitas alterações importantes no Estatuto de Aposentação. Fica assim claro que o governo pretende transformar mais uma vez a negociação num autêntico simulacro, mostrando que não respeita a lei.
O congelamento de salários que o governo pretende impor aos trabalhadores da Administração e o simulacro de negociação que pretende fazer, vão afectar também os trabalhadores do sector privado, porque os patrões irão inevitavelmente aproveitar o mau exemplo dado pelo governo para tentar impor aos restantes trabalhadores aumentos muitos reduzidos, ou mesmo o congelamento dos salários, para assim recuperar rapidamente os lucros perdidos devido à crise, e também sentir-se-ão apoiados na sua atitude para continuar a não respeitar o direito à contratação colectiva.
Para além disso, este congelamento contribui para a redução da capacidade aquisitiva da população, reduzindo o mercado interno, o que agravará a crise que o País enfrenta, na medida que aumentarão as dificuldades das empresas para vender o que produzem. Para concluir basta ter presente os seguintes dados. Em 2005, o valor das remunerações certas e permanentes recebidas só pelos trabalhadores da Administração Central foram 8.557,6 milhões de euros. Para 2010 estão previstos no OE2010 apenas 8.223,8 milhões de euros que correspondem, a preços de 2005, a 7.425,5 milhões de euros, ou seja, menos 1.132 milhões de euros do que em 2005.
Por outro lado, entre 2005 e 2009 foram destruídos em Portugal 72.832 postos de trabalho na Administração Pública, pois o numero de trabalhadores passou de 747.880 para 675.048 (pág. 32 do Relatório do OE2010). Tudo isto contribuiu para o aumento do desemprego em Portugal, nomeadamente de jovens, pois a Administração Pública era, no passado, o principal empregador de jovens licenciados. E o governo pretende continuar esta destruição intensa de postos de trabalho no futuro (pelo menos mais 67.500 até 2013), o que agravará ainda o grave problema do desemprego em Portugal.
Eugénio Rós, Economista
edr2@netacabo.pt