"Fascina-me contribuir para melhorar a vida das pessoas com demência"

Nascida no Porto em 1984, Rafaela Ganga trabalha hoje em Liverpool, no Reino Unido, num projecto de investigação que procura potenciar o papel dos museus na melhoria das condições de vida das pessoas com demência. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

Rafaela Ganga
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Neste momento, sou Research Associate do Institute of Cultural Capital (ICC) no projeto Crossing Boundaries: The value of museums in dementia care. O ICC nasce da parceria entre a University of Liverpool e a Liverpool John Moores University. Pretende avaliar o impacto da Capital Europeia da Cultural – Liverpool 2008. Neste sentido, o ICC tem-se dedicado a avaliar o impacto da cultura e das artes na sociedade contemporânea. O projecto ao qual dedico, atualmente, 100% do meu tempo procura compreender o lugar dos museus no cuidado da demência.

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Neste momento, a demência é a principal causa de morte em Inglaterra e, como tal, tem sido alvo de grande atenção, não só por parte do sector da saúde. No ICC acreditamos que as instituições culturais e as ciências sociais têm um papel a desempenhar na melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivenciam esta doença.

Quando digo pessoas que vivem com a doença, refiro-me, igualmente, aos profissionais sociais e de saúde, às famílias e, genericamente, a todas as pessoas que no seu quotidiano se cruzam com esta condição. Neste âmbito, enquanto socióloga, o que faço é desenhar, aplicar e analisar um aparato metodológico que nos permita compreender qual é o impacto social do trabalho dos museus no cuidado da demência.

 Em particular, o impacto do projecto House of Memories dos National Museums Liverpool. A informação recolhida verte em diferentes níveis, seja informar o museu sobre as suas práticas, seja contribuir para a formulação de políticas públicas nesta matéria.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

O que me fascina nesta área de trabalho é a ligação umbilical que existe entre a investigação sociológica, as práticas culturais e artísticas e as políticas públicas, neste caso em particular, entre as áreas da saúde e da cultural. Tem sido, absolutamente, estimulante trabalhar numa área em que o conhecimento que produzimos rapidamente passa para a sociedade civil em múltiplas formas, ultrapassando as barreiras que muitas vezes separam a ciência da sociedade, a fim de encontrar possibilidades de vida mais positivas para todos aqueles que vivem com a demência.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Ao longo dos meus anos formativos no ensino superior fui experienciando diferentes intercâmbios: primeiro o Erasmus na Lituânia, depois o Leonardo na Áustria, e já no âmbito do doutoramento fiz dois períodos de investigação de um ano, primeiro em Liverpool – cidade à qual regressei quase 10 anos depois – e, em seguida, em Vilnius na Lituânia.

Regressei a Portugal para concluir o doutoramento, dei aulas no ensino superior, trabalhei em vários projetos de investigação como bolseira, sempre ou com recibos verdes, ou com bolsas de investigação abaixo das minhas qualificações. No que diz respeito a trabalho não renumerado, fui investigadora em outros tantos projetos, editei livros, números especiais de revistas, organizei congressos internacionais, dei aulas em múltiplas universidades públicas desde o nível de licenciatura ao doutoramento, orientei teses de mestrado, entre tantas outras funções com as quais a maioria dos recém-doutorados estão familiarizados. Até que decidi que já chegava.

Eu, os meus e o meu país havíamos investido muito na minha formação para continuar a aceitar a precariedade como algo digno. Assim, decidi sair para procurar o reconhecimento que não encontrava em Portugal. Rapidamente me deparei com o que não existe no sistema cientifico do meu país: um contrato de trabalho no qual sou reconhecida como trabalhadora e não como uma espécie de eterna estudante, com um regime especial de segurança social que nunca me trouxe segurança.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

O mercado de trabalho científico em Portugal é precário, juridicamente desprotegido e pouco reconhecido. O Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica regulamenta o trabalho de grande parte do tecido científico português, uma vez que os bolseiros de investigação constituem a face mais visível e numerosa dos trabalhadores científicos. Estes profissionais são responsáveis pelo grosso das tarefas técnicas e práticas associadas à atividade científica e têm contribuído de forma significativa para o aumento da produtividade científica nacional.

Contudo, têm um estatuto que não lhes consagra o carácter jurídico de trabalhador e continuam a não beneficiar de um estatuto profissional capaz de valorizar e dignificar o seu papel no sistema científico e tecnológico nacional, sendo uma forma de recrutamento de recursos humanos altamente qualificados a baixo custo e sem acesso a uma plena cidadania social.

Não podemos esquecer que a última atualização dos valores das bolsas de investigação data de janeiro de 2002, tal significa que o grosso do capital humano da ciência portuguesa vê os seus rendimentos “congelados” há 15 anos. Perversamente, o Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica requer que os contratos de bolsa sejam assumidos em exclusividade, impedindo a complementaridade com outras fontes de rendimento.

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De igual modo, nos últimos anos, Portugal investiu na formação avançada de recursos humanos, sem desenhar uma estratégia de recuperação desse mesmo investimento, uma vez que não criou empregos, ou conduziu uma séria reforma do sistema de ensino superior e científico que convide os “cérebros” nacionais a regressar e/ou permanecer em Portugal, após períodos de formação no estrangeiro. Neste sentido, enquanto se mantiver o atual Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e as actuais circunstâncias, as minhas perspectivas sobre o sistema científico português continuarão muito pouco efusivas.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Fiquei bastante entusiasmada com o lançamento da rede GPS, uma vez que congrega numa única plataforma a comunidade científica portuguesa residente fora do país. Permite ver o número de investigadores no presente e no passado recente em mobilidade, numa infografia muito interessante. Além disso, é possível pesquisar por áreas de trabalho e criar comunidade de investigadores. Em última análise, poderá ser um ponto de partida para múltiplas colaborações.

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos 
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

«A Engenharia de Tecidos em Portugal é das principais no mundo»

Joana Magalhães faz investigação em medicina regenerativa, procurando soluções para a regeneração da cartilagem em pessoas que padecem de osteoartrose. Esta cientista, que nasceu em Espinho, fala sobre a investigação que faz, sobre viver no estrangeiro, sobre o panorama científico em Portugal e sobre o GPS. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

Joana Magalhães
Pode descrever (a nós, leigos) de forma sucinta o que faz profissionalmente?

Trabalho como investigadora na área da medicina regenerativa aplicada às doenças reumáticas, no Grupo de Reumatologia do Instituto de Investigação Biomédica da Corunha (INIBIC), em Espanha. Dentro da medicina regenerativa o meu trabalho está focado na engenharia de tecidos (como a cartilagem), em que através da combinação de biomateriais e células humanas tentamos desenvolver soluções terapêuticas para pessoas que padecem de osteoartrose. Esta doença de elevada prevalência afecta sobretudo a população idosa e é uma das principais causas de incapacidade física no mundo.

Os nossos objetivos são por um lado conhecer e caracterizar melhor o processo de formação da cartilagem e os factores envolvidos (para tentar reproduzi-lo) e por outro desenvolver novos materiais e/ou estratégias que permitam a regeneração de uma cartilagem com características similares à que existe no corpo (para o qual as técnicas disponíveis actualmente apresentam algumas limitações). Os resultados podem ter um impacto directo na qualidade de vida dos pacientes, por exemplo ao reduzir ou atrasar o uso de próteses e diminuir custos nos sistemas de saúde.

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Para além do meu trabalho na área de engenharia de tecidos também me dedico à comunicação de ciência, particularmente no desenvolvimento de programas educativos em colaboração com os media, de forma a promover a cultura científica biomédica na sociedade e a visibilidade das mulheres na ciência. Neste sentido já criámos duas miniséries de televisão («1 minuto de Biomedicina» e «Quando for grande quero ser cientista») e dois programas de rádio («Saúde com Biomedicina» e «Cápsulas de Som»).

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

A Engenharia de Tecidos é uma área completamente multidisciplinar e, ainda que hoje esta palavra seja comum, há dez anos atrás quando comecei não o era, e muito menos quando surgiu há cerca de 20 anos (1993). Nessa altura falava-se em criar tecidos, depois em órgãos, hoje trabalhamos no desenvolvimento de micro-órgãos interconectados que simulam o próprio organismo, criando assim novos instrumentos que sem dúvida agilizarão o processo da introdução de novos fármacos no mercado e farão avançar a medicina personalizada. Além disso, a democratização das impressoras 3D (no nosso caso a bio-impressora) também veio popularizar o campo.

É uma área que envolve capacidades STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) desenvolvidas para dar resposta a problemas clínicos. Talvez por combinar a experiência de tantos profissionais diferentes, esta área é geradora de inovação e empreendimento e por isso também é considerada como uma das áreas com maior potencial de crescimento futuro. Essa foi, desde o princípio, uma das coisas que mais me atraíram nesta área. Nas miniséries que mencionei anteriormente essa é uma das mensagens que tentamos transmitir: como através de diferentes áreas STEM podemos ter um impacto na saúde das pessoas, e não só através da via mais clássica (medicina, etc).

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Há vários motivos, mas o principal está na minha natureza. Depois, relativamente à ciência, esta é universal e a mobilidade é um dos principais motores para o seu desenvolvimento. Para mim, sem dúvida, a mobilidade é um grande atractivo da carreira científica. Outra realidade, da qual sou consciente, é o caso de cientistas que emigram porque tanto as oportunidades como a possibilidade de progressão e estabilização profissional em Portugal são limitadas.

No meu caso o detonante da migração foi o programa Erasmus, na Universidade de Ghent. Esta é uma etapa do percurso académico que considero fundamental e que por isso devia ser obrigatória (obviamente com financiamento adequado). Mais tarde segui com um doutoramento financiado pelo programa Marie Curie Actions, no CSIC em Espanha, com passagens curtas pelas Universidade do Minho e de Sheffield. Agora estou na Corunha, com visitas à Universidade de Zaragoza e de Madrid.

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Estes programas defendem valores que vão muito além do campo científico e da «capacitação» humana. Nós, cientistas no estrangeiro, também somos uma fonte de enriquecimento e de integração nas sociedades que nos acolhem. Somos uma fonte de diversidade cultural e linguística, sem esquecermos a nossa identidade, mas identificando-nos com uma nova, a europeia, e como tal contribuímos para fortalecer o espaço europeu.

Algo inesperado... Vou mencionar o famoso «tecto de vidro» presente na carreira científica das mulheres, do qual não era consciente durante as primeiras etapas da minha carreira e que é um dos motivos pelos quais actualmente faço divulgação nesta área.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

O panorama científico português na área da Engenharia de Tecidos é aliciante e um dos principais a nível mundial, basta ver os logros obtidos nos últimos anos. De forma geral, penso que existem muitas áreas em que temos cientistas e equipas altamente reputadas a nível internacional e com uma excelente formação académica. No entanto, penso que ainda são necessárias várias medidas no país como a tão esperada reforma no que respeita às condições salariais e contratos dos investigadores. Pelo contrário, em Espanha há mais de uma década que as bolsas de pós-doutoramento foram substituídas por contratos de trabalho. Na verdade, as «bolsas» são contratos de trabalho; em Portugal apenas em 2016 foi anunciado que assim passariam a ser, de forma gradual. Ser bolseiro é e deve ser sinónimo de excelência, tanto do ponto de vista do cientista como das suas condições contratuais.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

A primeira ferramenta do GPS que me parece relevante é precisamente a localização, ao colocar os cientistas portugueses no mapa, e outra é a mobilização de pessoas com interesses comuns através da criação de comunidades e grupos. Penso que nos próximos tempos o GPS poderá ter um papel importante na recolha de dados sobre a diáspora de cientistas portugueses, na criação de espaços de comunicação entre os cientistas portugueses que trabalham no estrangeiro, na promoção de vínculos entre estes e o sistema português de Ciência e Tecnologia, e em envolver os cientistas portugueses que trabalham no estrangeiro na promoção da ciência portuguesa e de Portugal no mundo. Consulte o perfil de Joana Magalhães no GPS-Global Portuguese Scientists.

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

"Creio que os cientistas portugueses foram vítimas do seu próprio sucesso"

Doutorado pela Universidade de Coimbra, Nuno de Sá Teixeira estuda a percepção visual do espaço e movimento, a percepção do tempo e da gravidade, e a física intuitiva. 

Nuno Sá Teixeira
É bolseiro de pós-doutoramento no Centro di Biomedicina Spaziale, em Roma. Nuno de Sá Teixeira nasceu em Vila Franca de Xira, mas desde os 3 anos viveu e estudou em Pombal antes de ingressar na Universidade de Coimbra. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

Pode descrever (para nós, leigos) de forma sucinta o que faz profissionalmente?

Faço investigação científica em Psicologia Experimental, mais especificamente sobre percepção visual do espaço e do movimento (como é que apreendemos visualmente o espaço ao nosso redor e que mecanismos perceptivos nos permitem perceber o movimento de tal forma que possamos interagir com o mundo físico), tema sobre o qual fiz o meu doutoramento. Para melhor transmitir o que significa exactamente isto, pode ser útil abrir aqui um parêntesis: de uma forma global, creio que possuir uma noção sobre uma área científica, para a população geral, depende da medida na qual essa área tem (ou teve) um impacto visível na vida quotidiana. Por exemplo, Feynman recorda-nos que, antes da Segunda Guerra Mundial e o desenvolvimento da bomba atómica, poucas pessoas tinham uma ideia clara do que fazia um físico.

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No caso da Psicologia Experimental, isto continua certamente a ser verdade, com a agravante de que uma qualquer pessoa irá remeter o termo para o seu entendimento do que é a Psicologia, na sua forma mais observável e aplicada – a Psicologia Clínica. Na verdade, e historicamente, a Psicologia Experimental antecede em várias décadas as facetas mais visíveis da Psicologia, tendo na sua origem os trabalhos inaugurais de alguns físicos e fisiólogos, no final do século XIX, sobre temas que, até então, haviam sido tratados essencialmente pela Filosofia.

O estudo e a compreensão do sistema visual (como apreendemos visualmente o mundo físico à nossa volta, como obtemos uma compreensão, através dos nossos sentidos, desse mundo e como isso guia e estrutura as nossas acções) tem-se mantido, desde então, um dos tópicos centrais da Psicologia Experimental. Mais recentemente, e graças à crescente divulgação científica tanto das Ciências Cognitivas como das Neurociências (ambas, a rigor, áreas altamente abrangentes que abarcam várias especialidades), inúmeros fenómenos e temas abordados pela Psicologia Experimental (ilusões ópticas, por exemplo, são uma presença regular, ainda que sub-desenvolvida, nas redes sociais) têm vindo a ter uma maior exposição ao público geral.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

De uma forma muito geral, creio que o mais fascinante nesta área é o equilíbrio entre a profundidade e intemporalidade das questões que lhe subjazem e a inspiram e a possibilidade de as abordar de um ponto de vista empírico e metodologicamente sofisticado. A capacidade de percepcionar algumas dimensões físicas do mundo que habitamos, de extrairmos significado dessas dimensões e de regularmos as nossas acções e comportamento em conformidade atravessa virtualmente qualquer momento da nossa existência: desde o acto de ver, reconhecer e manipular objectos, passando pela capacidade de identificar pessoas, locais, obstáculos ou abrigos, até identificar e reconhecer significados em padrões num conjunto de dados ou instrumento científico (não é por acaso que Helmholtz, no seu clássico tratado de fisiologia óptica, de 1866, inclui um capítulo sobre percepção visual em instrumentos como o microscópio e o telescópio), etc.

Especificando um pouco mais o meu próprio trabalho, tenho essencialmente investigado a forma como o sistema visual humano tira partido de regularidades físicas, como a força gravitacional, para estruturar a percepção do espaço e antecipar trajectórias de objectos em movimento que, por sua vez, suportam o planeamento motor.

Apesar de aparentemente específico, este é um tópico que informa questões mais gerais acerca da forma como um humano e o seu meio físico envolvente interagem entre si. Traduz-se e contribui também para questões tão diversas como “porque é que um astronauta experiencia regularmente ilusões de inversão do contexto à sua volta (e como isso se liga ao ‘enjoo espacial’)?”; ou “o cérebro humano representa e utiliza leis físicas?”; ou ainda “como pode um guarda-redes ou um batedor de baseball interceptar uma bola que se desloca a uma velocidade superior àquela com que as células nervosas transmitem informação?”.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Durante a minha carreira científica, esta é a minha terceira posição como investigador num país estrangeiro. Para além de alguns meses passados em França durante o meu doutoramento, trabalhei ao longo de um ano na Alemanha. Seguiu-se um período de três anos em Portugal, estando agora prestes a completar o primeiro ano como investigador em Itália.

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Julgo que para qualquer cientista é relevante e importante desenvolver trabalhos noutros laboratórios e instituições, não só para expandir os seus contactos profissionais e rede científica, mas também para o desenvolvimento de outras competências técnicas e teóricas. Importará notar aqui que frequentemente um qualquer laboratório científico tende a crescer em torno de alguns poucos vectores de investigação e dificilmente irá abranger a totalidade de uma área científica. Isto repercute-se, por exemplo, ao nível dos fenómenos estudados e, consequentemente, dos equipamentos disponíveis para o estudo desses fenómenos, nas práticas experimentais e de divulgação de resultados.

Trabalhar noutros laboratórios permite assim a aquisição de competências adicionais, altamente relevante para uma carreira científica. Havendo necessariamente uma maior heterogeneidade quando se considera um contexto mais alargado do que o nacional, vêem-se também multiplicadas as possibilidades de trabalhar com equipas distintas.

Obviamente, qualquer cientista eventualmente ambiciona ocupar uma posição mais estável e permanente, por exemplo numa Universidade. Num contexto económico em que essas posições sejam escassas, é quase inevitável uma sensação de “falta de alternativas”. Julgo que qualquer investigador, mais cedo ou mais tarde tenta balançar e gerir este dois extremos: ir para o estrangeiro para desenvolver competências científicas ou ir para o estrangeiro por ausência de alternativas estáveis no seu país de origem. No meu caso, este é um balanço que se começa a tornar cada vez mais premente e que, honestamente, ainda está por ser feito.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Creio que alguns aspectos da minha carreira, como aquela de qualquer outro investigador da minha geração (seja ou não de áreas afins), espelha, em grande medida, a evolução recente do panorama científico em Portugal. A minha formação inicial foi feita num contexto em que havia apoio e incentivo à investigação científica: os financiamentos, ainda que não necessariamente extensos, possibilitavam a aquisição e manutenção de equipamentos laboratoriais e a formação científica avançada, os quais, por sua vez, se repercutiam numa crescente visibilidade científica (por exemplo, com publicações em revistas internacionais de referência).

Não senti, durante o meu doutoramento, qualquer obstáculo à realização do meu trabalho, tendo tido acesso a infra-estruturas e meios técnicos e científicos adequados para a prossecução bem sucedida dos meus objectivos. Pelas razões que apontei acima, trabalhar no estrangeiro, ainda que apenas durante algum tempo, sempre foi um passo não só esperado como desejado e congruente com o desenvolvimento científico do país.

Importa enfatizar: a crescente circulação internacional de cientistas portugueses atesta a maturidade do panorama científico nacional (o mesmo pode ser dito, ipsis verbis, para qualquer outro país). Contudo, e ainda durante o meu doutoramento, começaram a surgir as primeiras indicações de que o crescimento científico em Portugal poderia estar a ficar ameaçado e eventualmente, com a crise económica, a regredir nalguns aspectos.

 Conheço investigadores altamente promissores que ou não conseguiram fazer o doutoramento, por falta de apoios financeiros, ou que o terminaram com custos pessoais ou ainda que o viram adiado. Um número significativo de cientistas recém-doutorados começou também a encarar a possibilidade de emigrar não como uma oportunidade de crescimento mas como uma fuga à falta de alternativas de carreira plausíveis e estáveis.

Num certo sentido, creio que os cientistas portugueses foram vítimas do seu próprio sucesso – a ciência em Portugal amadureceu, cresceu visivelmente e mostrou-se altamente competitiva no contexto internacional, a um ponto em que o “aperto” económico veio a ser sentido como um “estrangulamento”. Felizmente, os cientistas tendem a ser apaixonados pelo seu trabalho e por isso persistem, seja em Portugal, seja no estrangeiro. Hoje em dia Portugal dispõe de uma importante massa de recursos humanos científicos que pode e deve ser aproveitada.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

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A possibilidade de ter acesso à distribuição geográfica dos investigadores portugueses, seja no geral, seja por área, é uma das ferramentas do GPS que me parecem mais pertinentes – não tanto para os próprios investigadores mas sim para o público em geral. Até agora era relativamente difícil ter uma noção clara da circulação internacional dos cientistas portugueses. Claro, a pertinência desta ferramenta depende criticamente da adesão dos investigadores à plataforma. Para os próprios cientistas, o aspecto mais interessante talvez seja a possibilidade de encontrar afinidades científicas com outros investigadores – a vertente social sempre foi, indubitavelmente, uma das mais relevantes para a ciência, que não existe sem uma comunidade.

Finalmente, e a título de sugestão, penso que o GPS pode vir a facultar uma plataforma na qual os cientistas portugueses possam divulgar o seu trabalho ao público. Por exemplo, com a inclusão de uma secção pessoal na qual possam listar publicações relevantes acompanhadas de uma breve síntese para “não especialistas”. Acredito que isso poderia dinamizar a divulgação científica em Portugal, servindo o GPS tanto como uma fonte privilegiada acerca dos avanços científicos (e.g., a ser usada por jornalistas ou público em geral) como um estímulo para os próprios cientistas tomarem a responsabilidade da difusão do conhecimento que geram.

Consulte o perfil de Nuno de Sá Teixeira no GPS-Global Portuguese Scientists.

 GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Paula Videira: uma mulher da Ciência dedicada a desvendar os aspetos mais doces da Imunologia‏

Paula Videira obteve o seu doutoramento no Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica em 2002. Após um pós-doutoramento na mesma instituição, em 2005 foi convidada para ser professora assistente no Departamento de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa. Aí, fundou o grupo de investigação em Glicoimmunologia em 2007, o qual dirige até aos dias de hoje.

Paula Videira
Os seus maiores interesses são conduzir investigação em Glicobiologia e Imunologia com o objetivo de identificar novos alvos terapêuticos. Presentemente, a Paula dirige diversos projetos nacionais e internacionais. Ela é autora de mais de 50 publicações em revistas internacionais de renome. Além disso, foi nomeada diretora da rede internacional “CDG &Allies - Professionals and Patient Associations International Network”. Por isso, o trabalho da Paula no campo das CDG é também focado na fomentação da divulgação e de colaborações entre profissionais e representantes de pacientes.

Explorando um doce tema: Glicoimunologia


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Rita Francisco: A imunologia é uma disciplina muito abrangente e interessante que, segundo sei, tem estado muito próxima do seu coração há já vários anos. Contudo, ao longo do caminho houve uma subárea desta lata e complexa disciplina que se tornou o seu principal foco – a Glicoimunologia. Num primeiro momento o que despertou o seu interesse por este campo específico da imunologia? Poderia explicar-nos o que é e qual a sua importância?

Prf Paula Videira
: Muito obrigada por esta simpática apresentação e é para mim um prazer falar contigo no CDG One to One. Bem, a Glycoimunologia é um termo que eu e outros adaptamos para nos referirmos a todos os mecanismos imunológicos que envolvem glicanos, i.e. açúcares. Tudo isto é importante, primeiramente, porque as nossas células imunitárias tem a tarefa tremenda e complexa de vigiar o nosso corpo e de nos proteger contra microrganismos patogénicos causadores de doença. Simultaneamente, o nosso sistema imune tem de distinguir o que é nosso (“self”) do que é estranho (“non-self”).

Tem de distinguir microrganismos que não são patogénicos e que populam, por exemplo, as nossas mucosas, de microrganismos que causam doenças. Basicamente, o sistema imunitário tem de distinguir os bons dos maus e iniciar uma resposta eficiente e efetiva para eliminar os maus (patogénios), poupando os bons e as nossas células. Tudo isto é muito complexo e está muito bem orquestrado. Por outro lado, os glicanos estão por todo o lado.

 Estas moléculas cobrem todas as nossas células e decoram todas as nossas membranas proteicas. Consequentemente, isto significa que qualquer mecanismo imunológico que envolva interações célula-célula ou proteína-proteína envolverá glicanos. Até hoje, temos vindo a descobrir como estes mecanismos funcionam, todavia ainda estamos longe de os conhecer a todos. Acreditamos que este conhecimento nos ajudará a desenhar novas e melhores terapias para um grande número de doenças.

Rita Francisco: Em geral a ciência ainda é maioritariamente masculina. A Glicobiologia é um ramo no qual esse desequilíbrio é particularmente visível. Acha que existem razões específicas para isto? Se sim, o que precisa de ser feito para ultrapassar estas questões?

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Prf Paula Videira: Eu acredito que há um desequilíbrio geral na ciência. Posso apontar duas razões que frequentemente me ocorrem. A primeira prende-se com o tempo e a dedicação. A ciência precisa de pessoas dedicadas e entusiastas que, por norma, trabalham mais do que as estandardizadas 7-8 horas por dia. As mulheres estão altamente motivadas, mas têm mais dificuldade em conseguir ter tempo suficiente, pois têm de dividir o seu tempo com a família e elas porão sempre a família à frente de qualquer outra situação.

A outra razão tem a ver com o financiamento na ciência, o qual é realmente necessário, visto que de outra forma não é possível fazer ciência. É mais difícil para as mulheres conseguir acesso a financiamento, uma vez que têm menos acesso a posições onde informação e mesmo lobby possam ser obtidos. Ou seja, está tudo relacionado com posições (i.e. careira) e os estereótipos típicos que impedem as mulheres de chegarem a posições de topo, tal como se vê noutras profissões.

As pessoas em posições de topo tendem a estar melhor informadas, ou a ser incluídas nos sistemas que possibilitam o financiamento ou mesmo a ter influência junto das agências financiadoras. Posto isto, a única solução seria dar poder às mulheres e oferecer-lhes as mesmas oportunidades. Eu penso que o estado das coisas está muito melhor agora do que há alguns anos a esta parte.

Rita Francisco: Apesar de todas as barreiras que existem, como encorajaria mais mulheres a envolverem-se em glicoimunologia? Existem algumas medidas ou ações específicas que ajudariam efetivamente a participação das mulheres nesta área?

Prf Paula Videira: A melhor maneira de o fazer é divulgando esta área e mostrando as coisas interessantes que sabemos hoje, bem como os mistérios da Glicoimunologia que ainda temos por revelar. Além disso, no geral, tanto as comunidades de Glicobiologia como de Imunologia são muito colaboradoras o que torna o estudo e investigação muito estimulantes.

Rita Francisco: Questões de género à parte, que conselhos daria a qualquer estudante que esteja interessado(a) em seguir um doutoramento em Glicoimunologia?

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Prf Paula Videira: Eu penso que um doutoramento em Glicoimunologia faz todo o sentido. Eu recomendaria que os alunos consultassem a literatura mais recente. Temos exemplos muito estimulantes de estudos básicos que estão a abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias, por exemplo vacinas baseadas em glicanos para doenças infeciosas e cancro. Caso os estudantes tenham oportunidade, recomendo que visitem diferentes laboratórios, porque é muito importante criar redes de contacto.

Rita Francisco: Professora, no seu trabalho de investigação tem estado particularmente focada em estabelecer o papel de fenómenos de glicosilação aberrante no cancro e nas Doenças Congénitas da Glicosilação (CDG). Se tivesse de eleger as principais lições que tirou da sua linha de investigação quais seriam, tanto profissional como pessoalmente?

Prf Paula Videira: Uma das lições que eu e o meu grupo de investigação temos tirado é a importância dos pequenos detalhes em ciência, de curiosidades, que nos podem dar pistas para soluções maiores. Quando começámos a estudar o papel dos ácidos siálicos nas células imunitárias e cancerígenas foi por pura curiosidade e pouco se sabia na altura. Recentemente sugerimos que a manipulação do conteúdo de ácido siálico pode melhorar a função imunitária contra o cancro. Tudo o que estudámos sempre nos trouxe novas questões e revelou “desconhecidos” mais interessantes e que queremos solucionar. Com o que conseguimos até agora, já pudemos sugerir soluções terapêuticas, tais como vacinas baseadas em células dendríticas e novas terapêuticas com anticorpos.

CDG: Quando doenças metabólicas complexas se tornaram um doce para Paula

Rita Francisco: Professora, sabe que por esta altura todos os nossos leitores estão a perguntar: como foi que descobriu as CDG e o que a fez mergulhar nesta área?

Prf Paula Videira: Provavelmente o principal momento para mim foi quando tive contacto com a comunidade CDG e conheci as famílias. A sua motivação impressionou-me e reforçou em mim a noção de que as CDG são uma necessidade para a qual não há resposta. Ainda não sabemos a razão pela qual alguns pacientes são mais suscetíveis a infeções e como devemos lidar com isso. Por outro lado, os nossos estudos sugerem que deficiências em glicanos podem levar a uma exacerbação da resposta imunitária, o que, provavelmente, explicará alguns dos sintomas. Foi tudo isto que me fez mergulhar nesta área.

Trabalha com dois modelos de doença muito diferentes: Cancro e CDG. O Cancro é um enorme problema de saúde, reconhecido e bem conhecido pelas comunidades médica e científica bem como pela sociedade em geral.

Rita Francisco: É mais fácil, em termos técnicos e práticos, desenvolver investigação em cancro comparativamente com uma doença rara? Na sua opinião, de que forma podem doenças mais comuns, tais como o cancro, beneficiar de um conhecimento mais profundo sobre doenças raras?

Prf Paula Videira: A maior dificuldade quando se estuda uma doença rara é conseguir o interesse das agências financiadoras e das farmacêuticas. Geralmente as agências que dão financiamento preferem projetos que envolvam doenças comuns. E mesmo dentro do campo das doenças raras, há doenças menos raras que outras. As CDG são consideradas muito raras e muitas pessoas nunca sequer ouviram falar delas.

Quando estudamos doenças raras estamos a entrar em mecanismos patológicos muito específicos e detalhados, que podem ser partilhados por doenças mais comuns ou podem dar-nos pistas sobre mecanismos semelhantes. Por exemplo, tanto as CDG como o Cancro apresentam expressão aberrante de glicanos. No cancro esses glicanos tendem a suprimir a resposta imunitária. Nas CDG, os glicanos alterados podem exacerbar a resposta imunológica. Talvez possamos aprender algo com isto no futuro.

Rita Francisco: No respeitante às CDG, pode falar-nos acerca dos mais recentes avanços? Como vê a aplicação destes estudos no futuro próximo das crianças e adultos CDG?

Prf Paula Videira: Como tenho vindo a mencionar, os glicanos afetam a resposta imunitária de diversas formas. Nós reconfirmamos isto na nossa recente revisão de literatura sobre a resposta imunitária em pacientes CDG. Esta revelou que uma minoria dos tipos de CDG tem uma disfunção imunológica severa, com infeções recorrentes durante a infância. Isto é dramático, porque, por exemplo na PMM2-CDG, estas infeções podem ser letais em 25% dos casos.

Quando analisamos amostras de pacientes podemos observar um número de parâmetros, como o número de células que estão alteradas, mas que ainda não sabemos porquê. Se compreendermos os aspetos imunológicos das CDG poderemos contribuir para uma melhor gestão/ tratamento destas patologias e até de outras doenças mais comuns, como as doenças inflamatórias.

Rita Francisco: Os pacientes CDG estão muito dispersos e poucos já foram diagnosticados, no entanto é imperativo ter contacto com eles de formar a deslindar os mecanismos patológicos destas doenças. Qual é o papel dos grupos de pacientes nos seus projetos de investigação?

Prf Paula Videira: Estamos a testemunhar um aumento no número de casos registados e o diagnóstico tem vindo a melhorar. Isto deve-se definitivamente a grupos de pacientes como a APCDG que estão a trabalhar afincadamente na divulgação. A APCDG foi extremamente importante no meu caso, visto que orientou a minha investigação, ressaltando os aspetos mais relevantes a serem estudados nas CDG.

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Rita Francisco: Recentemente, abraçou um novo desafio e foi nomeada Diretora da rede internacional “CDG &Allies - Professionals and Patient Associations International Network”. O que a fez aceitar esta oferta e qual a relevância deste projeto internacional para a comunidade CDG?

Prf Paula Videira: Na realidade senti que era um dever para a sociedade e para a comunidade CDG em particular. É esse sentido de dever que me impele e, acredito, que a todos os líderes de associações de pacientes. A rede CDG & Allies -PPAIN faz todo o sentido! Combina associações de pacientes, famílias e profissionais para gerar divulgação dentro da comunidade, assim como na sociedade em geral. A divulgação levará a melhorias e avanços no diagnóstico e tratamento dos pacientes; além disso, aumenta o interesse de outros profissionais, incluindo as agências de financiamento. Cria-se um ciclo de atividades lucrativas, cujo objetivo final é melhorar a vida dos pacientes.

Trabalho e vida pessoal

Rita Francisco: Professora, a sua vida profissional é muito preenchida a absorvente. Como mantem um equilíbrio saudável entre a sua vida pessoal e profissional?

Prf Paula Videira: Eu tenho uma família muito compreensiva, que me ajuda muito. Mais, a minha equipa é a minha segunda família. Eles têm um sentido de trabalho de equipa apurado e trabalham muito para elevar os nossos standards com publicações e financiamento.

Rita Francisco: Poderia partilhar connosco alguns dos seus hobbies?

Prf Paula Videira: A ciência é um ótimo hobby… Adoro cozinhar e andar de bicicleta, especialmente em família.

Rita Francisco: Professora, com o seu trabalho tenta atingir e melhorar vários e distintos aspetos na sociedade. Por conseguinte, tenho de perguntar qual é o próximo sonho que deseja cumprir?

Prf Paula Videira: O meu sonho é contribuir para aquilo que chamo de ” Glicobiologia aplicada à Clínica”. Isto significa contribuir para o desenvolvimento de imunoterapias relevantes para pacientes com cancro e CDG.

Dia Mundial de Luta contra a Dor: Entrevista ao Dr. Paulo Pina, especialista em Medicina Interna e no tratamento da dor

Hoje, dia 14 de junho é dia "Dia Mundial de Luta contra a Dor" e o Dr. Paulo Pina, médico especialista em Medicina Interna e membro da Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos e da Clínica de Dor do IPOLFG, EPE, diz que “a presença de dor crónica impede o ser humano de um direito constitucional: o exercício da sua cidadania plena”‏. Leia a entrevista na íntegra aqui no Notícias do Nordeste. 

De que forma é que a dor afeta a população portuguesa?

A população portuguesa é profundamente afetada pela presença de dor, mormente pela dor crónica (DC), aquela que persiste há mais de 3 meses.

O impacto da DC é grande e pode ser interpretado do ponto de vista individual, relacional, laboral, económico, etc. Como a existência continuada de uma dor há mais de 3 meses conduz ao aparecimento de uma constelação de sintomas - ansiedade, tristeza, irritabilidade, perda de líbido, desesperança, insónia, entre outros – o mais correto é falar-se de uma doença crónica chamada “síndrome dolorosa crónica” (SDC).

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A presença de dor pode afetar a pressão arterial, as frequências respiratória e cardíaca, a glicémia, ou seja, a presença de dor afeta o normal funcionamento do corpo.

Assim se entende que a presença de uma dor afeta a totalidade do ser humano e o seu bem-estar. Ficam comprometidas, por vezes, as atividades básicas de vida (higiene pessoal, vestir/despir, comer, por exemplo) e as instrumentais (fazer compras, limpar a casa, etc.). O ser humano com dor persistente perde, além da sua harmonia interna, a sua função gregária, tendendo para o isolamento social.

São gastos mais de 3000 milhões de euros no combate à SDC. Os custos indiretos (baixas médicas e falta de produtividade) representaram mais de 740 milhões de euros em 2010 relativos a problemas de dores nas articulações e das costas (desde a região cervical até a lombar). A presença de uma DC impede o seu humano de um direito constitucional: o exercício da sua cidadania plena.

Há números relativos à população que sofre de dor crónica?

A DC afeta quase 4 em cada 10 portugueses adultos. Se nos concentrarmos nas pessoas com 65 anos ou mais então 6 em cada 10 indivíduos desse grupo tem DC.

Quais são as patologias que mais provocam dor crónica?

Muitas pessoas pensam que a principal causa de dor moderada a intensa em Portugal é o cancro. Estão enganados. O verdadeiro flagelo que atenta contra a saúde dos portugueses é a DC causada por problemas nas distintas articulações do corpo, quer as artroses (deformações) quer as artrites (inflamações); fragilidade da massa óssea (osteoporose); e perturbações nas vértebras (como as hérnias, p.e.).

Como é que a dor pode ser avaliada/medida?

Para se entender como a dor pode ser avaliada é importante que os portugueses entendam – parafraseando Fernando Pessoa – que “a dor que deveras sentem nem sempre é dor”. O que quer isto dizer? Certas vezes a dor pode não afetar os ossos, músculos ou vísceras da maneira como estamos habituados a senti-la desde a infância; aquilo que vulgarmente chamamos “mal”, “dor” ou “pressão”. Alguns doentes podem não sentir nada disso: podem apenas ter “ardor”, “formigueiro”, “moinha”, “vidrinhos”, “descargas elétricas” que vão e vêm, etc. Todos estes são descritivos de DC e o doente (ainda que não os sinta como dor) deve ser instruído a comunicá-los, sem receio, ao seu enfermeiro ou médico de família. Por conseguinte, tentando congregar estes aspetos, em 1979, a dor foi definida como sendo “uma sensação ou uma experiência emocional desagradável”. Para alguns doentes a sua maleita não é bem dor; é o tal desconforto, desagrado, que o próprio e/ou a família desprezam.

A Direcção-Geral da Saúde tem feito um grande esforço para divulgar algumas estratégias para mensurar a DC nas consultas de cuidados primários e nos hospitais. São usadas escalas unidimensionais que apenas medem a dor, como as numéricas simples (pontuadas de zero a dez, o valor máximo) e as qualitativas (avaliando a dor como: ausente, ligeira, moderada, intensa e insuportável). Nas crianças são usadas escalas de faces com 5 expressões desde o choro até ao riso. Nas populações com défices de comunicação ou de compreensão (bébés, dementes, por exemplo) existem as escalas comportamentais que indiretamente predizem a dor sentida (vocalizações, expressão facial, posição corporal e comportamentos, consolo possível). Há ainda escalas multidimensionais que para além da avaliação da dor verificam o impacto desta nas atividades de vida diária (como sono, alimentação, marcha, comunicação, etc.).

Quais as principais estratégias de combate à dor que são utilizadas hoje em dia nos hospitais e unidades de cuidados primários portugueses?

Os hospitais têm políticas de controlo da dor e muitos tiveram campanhas sobre a “dor como 5.º sinal vital”. Existem protocolos de dor aguda no pós-operatório imediato, os quais estão desenhados principalmente por anestesiologistas.

Todavia os doentes internados em distintos serviços hospitalares, mesmo doentes intervencionados que já não estão sob a observação direta da anestesiologia, e doentes de algumas especialidades médicas sem necessidade cirúrgica podem ter a dor não totalmente controlada. Certos poderão ter alta com medicação analgésica insuficiente ou ausente. Outros mantém-se em consultas de diferentes especialidades com tratamentos pouco idóneos.

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É certo que existem nos hospitais as Consultas/Clínicas/Unidades de Dor mas que não podem receber todos os casos, seguindo apenas os doentes complexos, sendo utilizadas técnicas mais específicas (como os bloqueios de nervos periféricos e centrais).

Qualquer médico de qualquer especialidade deve saber tratar a dor e não ter receio de usar analgésicos com potência fraca (se a dor é ligeira a moderada) e com potência superior (se a dor é intensa).

Compete aos profissionais de saúde dos hospitais educar os doentes que o adágio “a dor não mata mas mói” é verdade mas não tem sentido no século XXI. A dor inevitável (aquela que o doente considera moderada a intensa, que nunca a esquece e que afeta todas as suas funções humanas) pode e deve ser combatida. Também há que dizer aos doentes que alguma dor pode ser inevitável pois está associada a um dano (fratura, ferida, artrose, etc.) mas este tipo de dor deve ser ligeiro de intensidade e nunca intenso. É totalmente desajustado um doente afirmar que “a dor é imensa… mas há-de passar!” e é negligente o profissional que perante esta expressão de sofrimento nada faz. O profissional de saúde deve ter uma solicitude perante a dor do outro e fazer tudo para ela ser controlada, nunca a banalizando.

Já nos cuidados de saúde primários (CSP), a dor não é um indicador de qualidade obrigatório. É obrigatória a avaliação da dor apenas no seio das equipas de cuidados continuados integrados.

Há poucos protocolos de tratamento da dor na “sala de curativos”, dependendo o tratamento não de normas mas de opinião de cada profissional em relação ao caso. É urgente a existência de protocolos analgésicos uniformes nos CSP.

No futuro deveria haver consultas básicas de dor nos CSP. O controlo da dor deveria começar nos CSP e apenas os casos refratários deveriam ser encaminhados para as consultas de dor hospitalares.

A gestão da DC passa por medicação oral e transdérmica segundo a OMS e não pelo uso repetido de injeções intramusculares. Mais de 80% dos casos de DC podem ser geridos com medicação que se vende nas farmácias de bairro.

É oneroso (tempo, transporte, incómodo) para um doente ter que ir ao hospital mais próximo a uma consulta de dor.

Os médicos e os enfermeiros de família treinados (formação e estágios) poderiam ser a ponte para a resolução da maioria dos casos de DC na comunidade.

A causa da dor deve ser sempre conhecida antes de iniciar um tratamento, ou pode tratar-se uma dor cuja origem não é detetável?

A pergunta é ambivalente. Obviamente que para melhor tratar um doente tenho que saber qual o problema que existe para adequar as estratégias e os medicamentos. Há que saber a causa da dor. Esta aparece em exames complementares de diagnóstico.

Os analgésicos existem para combater a dor (fenómeno subjetivo de sofrimento individual, intransmissível, incomparável por único) e não a causa de dor (dano objetivável ou estímulo ou lesão, que pode ser similar ou comparável em vários indivíduos, por exemplo, grau de artrose ou de osteoporose).

A maioria dos doentes com DC já tem a causa de dor mais do que conhecida e ainda não está a ser exposto a um tratamento exemplar. Por alguma razão todos os medicamentos para a dor – divulgados em diversos programas de TV por meio de figuras públicas – têm bastante saída comercial. No meu entender não pela sua maravilha científica mas pela promessa feita: retirar a dor, que é o que o doente mais procura, e cuja resolução está nas mãos dos profissionais de saúde.

As estratégias de combate à dor são apenas farmacológicas ou há abordagens alternativas que os médicos podem/devem considerar?

Todas as medidas que distraiam o ser humano do seu sofrimento são bem-vindas.

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Assim como todas as medidas que validam a presença da sua dor. O doente tem que se sentir apoiado. O pior é não acreditar na dor do doente. O primeiro passo é ouvir, esclarecer, recomendar: como evitar os fatores que agravam a dor (posicionamentos corporais, uso de sapatos apertados, etc.) e como beneficiar de tudo o que possa atenuá-la (sestas, cintas, ligaduras, almofadas, pensos atraumáticos, por exemplo).

O objetivo é iludir/confundir o sistema nervoso para que ele não identifique com dor um determinado fenómeno. Por isso às vezes aplicamos calor com relaxante muscular. Outras vezes aplicamos frio nas lesões mais recentes e agudas. Estes agentes físicos têm sido usados desde há dezenas de anos.

Outras medidas passam por “confundir” o ponto doloroso com massagem terapêutica, medidas de relaxamento, acupunctura, electroestimulação nervosa transcutânea, etc.

Algumas medidas visam também controlar a dor com medidas mais cognitivas e comportamentais como a imagética (ensinar ao doente a pensar numa imagem agradável quando chega a dor), os pensamentos construtivos e positivos, a hipnose, etc.

A arte-terapia com ajuda da música, da representação teatral, da pintura pode ajudar a trazer a dor à colação e ajustar medidas para o seu controlo.

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