Paula Videira: uma mulher da Ciência dedicada a desvendar os aspetos mais doces da Imunologia‏

Paula Videira obteve o seu doutoramento no Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica em 2002. Após um pós-doutoramento na mesma instituição, em 2005 foi convidada para ser professora assistente no Departamento de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa. Aí, fundou o grupo de investigação em Glicoimmunologia em 2007, o qual dirige até aos dias de hoje.

Paula Videira
Os seus maiores interesses são conduzir investigação em Glicobiologia e Imunologia com o objetivo de identificar novos alvos terapêuticos. Presentemente, a Paula dirige diversos projetos nacionais e internacionais. Ela é autora de mais de 50 publicações em revistas internacionais de renome. Além disso, foi nomeada diretora da rede internacional “CDG &Allies - Professionals and Patient Associations International Network”. Por isso, o trabalho da Paula no campo das CDG é também focado na fomentação da divulgação e de colaborações entre profissionais e representantes de pacientes.

Explorando um doce tema: Glicoimunologia


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Rita Francisco: A imunologia é uma disciplina muito abrangente e interessante que, segundo sei, tem estado muito próxima do seu coração há já vários anos. Contudo, ao longo do caminho houve uma subárea desta lata e complexa disciplina que se tornou o seu principal foco – a Glicoimunologia. Num primeiro momento o que despertou o seu interesse por este campo específico da imunologia? Poderia explicar-nos o que é e qual a sua importância?

Prf Paula Videira
: Muito obrigada por esta simpática apresentação e é para mim um prazer falar contigo no CDG One to One. Bem, a Glycoimunologia é um termo que eu e outros adaptamos para nos referirmos a todos os mecanismos imunológicos que envolvem glicanos, i.e. açúcares. Tudo isto é importante, primeiramente, porque as nossas células imunitárias tem a tarefa tremenda e complexa de vigiar o nosso corpo e de nos proteger contra microrganismos patogénicos causadores de doença. Simultaneamente, o nosso sistema imune tem de distinguir o que é nosso (“self”) do que é estranho (“non-self”).

Tem de distinguir microrganismos que não são patogénicos e que populam, por exemplo, as nossas mucosas, de microrganismos que causam doenças. Basicamente, o sistema imunitário tem de distinguir os bons dos maus e iniciar uma resposta eficiente e efetiva para eliminar os maus (patogénios), poupando os bons e as nossas células. Tudo isto é muito complexo e está muito bem orquestrado. Por outro lado, os glicanos estão por todo o lado.

 Estas moléculas cobrem todas as nossas células e decoram todas as nossas membranas proteicas. Consequentemente, isto significa que qualquer mecanismo imunológico que envolva interações célula-célula ou proteína-proteína envolverá glicanos. Até hoje, temos vindo a descobrir como estes mecanismos funcionam, todavia ainda estamos longe de os conhecer a todos. Acreditamos que este conhecimento nos ajudará a desenhar novas e melhores terapias para um grande número de doenças.

Rita Francisco: Em geral a ciência ainda é maioritariamente masculina. A Glicobiologia é um ramo no qual esse desequilíbrio é particularmente visível. Acha que existem razões específicas para isto? Se sim, o que precisa de ser feito para ultrapassar estas questões?

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Prf Paula Videira: Eu acredito que há um desequilíbrio geral na ciência. Posso apontar duas razões que frequentemente me ocorrem. A primeira prende-se com o tempo e a dedicação. A ciência precisa de pessoas dedicadas e entusiastas que, por norma, trabalham mais do que as estandardizadas 7-8 horas por dia. As mulheres estão altamente motivadas, mas têm mais dificuldade em conseguir ter tempo suficiente, pois têm de dividir o seu tempo com a família e elas porão sempre a família à frente de qualquer outra situação.

A outra razão tem a ver com o financiamento na ciência, o qual é realmente necessário, visto que de outra forma não é possível fazer ciência. É mais difícil para as mulheres conseguir acesso a financiamento, uma vez que têm menos acesso a posições onde informação e mesmo lobby possam ser obtidos. Ou seja, está tudo relacionado com posições (i.e. careira) e os estereótipos típicos que impedem as mulheres de chegarem a posições de topo, tal como se vê noutras profissões.

As pessoas em posições de topo tendem a estar melhor informadas, ou a ser incluídas nos sistemas que possibilitam o financiamento ou mesmo a ter influência junto das agências financiadoras. Posto isto, a única solução seria dar poder às mulheres e oferecer-lhes as mesmas oportunidades. Eu penso que o estado das coisas está muito melhor agora do que há alguns anos a esta parte.

Rita Francisco: Apesar de todas as barreiras que existem, como encorajaria mais mulheres a envolverem-se em glicoimunologia? Existem algumas medidas ou ações específicas que ajudariam efetivamente a participação das mulheres nesta área?

Prf Paula Videira: A melhor maneira de o fazer é divulgando esta área e mostrando as coisas interessantes que sabemos hoje, bem como os mistérios da Glicoimunologia que ainda temos por revelar. Além disso, no geral, tanto as comunidades de Glicobiologia como de Imunologia são muito colaboradoras o que torna o estudo e investigação muito estimulantes.

Rita Francisco: Questões de género à parte, que conselhos daria a qualquer estudante que esteja interessado(a) em seguir um doutoramento em Glicoimunologia?

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Prf Paula Videira: Eu penso que um doutoramento em Glicoimunologia faz todo o sentido. Eu recomendaria que os alunos consultassem a literatura mais recente. Temos exemplos muito estimulantes de estudos básicos que estão a abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias, por exemplo vacinas baseadas em glicanos para doenças infeciosas e cancro. Caso os estudantes tenham oportunidade, recomendo que visitem diferentes laboratórios, porque é muito importante criar redes de contacto.

Rita Francisco: Professora, no seu trabalho de investigação tem estado particularmente focada em estabelecer o papel de fenómenos de glicosilação aberrante no cancro e nas Doenças Congénitas da Glicosilação (CDG). Se tivesse de eleger as principais lições que tirou da sua linha de investigação quais seriam, tanto profissional como pessoalmente?

Prf Paula Videira: Uma das lições que eu e o meu grupo de investigação temos tirado é a importância dos pequenos detalhes em ciência, de curiosidades, que nos podem dar pistas para soluções maiores. Quando começámos a estudar o papel dos ácidos siálicos nas células imunitárias e cancerígenas foi por pura curiosidade e pouco se sabia na altura. Recentemente sugerimos que a manipulação do conteúdo de ácido siálico pode melhorar a função imunitária contra o cancro. Tudo o que estudámos sempre nos trouxe novas questões e revelou “desconhecidos” mais interessantes e que queremos solucionar. Com o que conseguimos até agora, já pudemos sugerir soluções terapêuticas, tais como vacinas baseadas em células dendríticas e novas terapêuticas com anticorpos.

CDG: Quando doenças metabólicas complexas se tornaram um doce para Paula

Rita Francisco: Professora, sabe que por esta altura todos os nossos leitores estão a perguntar: como foi que descobriu as CDG e o que a fez mergulhar nesta área?

Prf Paula Videira: Provavelmente o principal momento para mim foi quando tive contacto com a comunidade CDG e conheci as famílias. A sua motivação impressionou-me e reforçou em mim a noção de que as CDG são uma necessidade para a qual não há resposta. Ainda não sabemos a razão pela qual alguns pacientes são mais suscetíveis a infeções e como devemos lidar com isso. Por outro lado, os nossos estudos sugerem que deficiências em glicanos podem levar a uma exacerbação da resposta imunitária, o que, provavelmente, explicará alguns dos sintomas. Foi tudo isto que me fez mergulhar nesta área.

Trabalha com dois modelos de doença muito diferentes: Cancro e CDG. O Cancro é um enorme problema de saúde, reconhecido e bem conhecido pelas comunidades médica e científica bem como pela sociedade em geral.

Rita Francisco: É mais fácil, em termos técnicos e práticos, desenvolver investigação em cancro comparativamente com uma doença rara? Na sua opinião, de que forma podem doenças mais comuns, tais como o cancro, beneficiar de um conhecimento mais profundo sobre doenças raras?

Prf Paula Videira: A maior dificuldade quando se estuda uma doença rara é conseguir o interesse das agências financiadoras e das farmacêuticas. Geralmente as agências que dão financiamento preferem projetos que envolvam doenças comuns. E mesmo dentro do campo das doenças raras, há doenças menos raras que outras. As CDG são consideradas muito raras e muitas pessoas nunca sequer ouviram falar delas.

Quando estudamos doenças raras estamos a entrar em mecanismos patológicos muito específicos e detalhados, que podem ser partilhados por doenças mais comuns ou podem dar-nos pistas sobre mecanismos semelhantes. Por exemplo, tanto as CDG como o Cancro apresentam expressão aberrante de glicanos. No cancro esses glicanos tendem a suprimir a resposta imunitária. Nas CDG, os glicanos alterados podem exacerbar a resposta imunológica. Talvez possamos aprender algo com isto no futuro.

Rita Francisco: No respeitante às CDG, pode falar-nos acerca dos mais recentes avanços? Como vê a aplicação destes estudos no futuro próximo das crianças e adultos CDG?

Prf Paula Videira: Como tenho vindo a mencionar, os glicanos afetam a resposta imunitária de diversas formas. Nós reconfirmamos isto na nossa recente revisão de literatura sobre a resposta imunitária em pacientes CDG. Esta revelou que uma minoria dos tipos de CDG tem uma disfunção imunológica severa, com infeções recorrentes durante a infância. Isto é dramático, porque, por exemplo na PMM2-CDG, estas infeções podem ser letais em 25% dos casos.

Quando analisamos amostras de pacientes podemos observar um número de parâmetros, como o número de células que estão alteradas, mas que ainda não sabemos porquê. Se compreendermos os aspetos imunológicos das CDG poderemos contribuir para uma melhor gestão/ tratamento destas patologias e até de outras doenças mais comuns, como as doenças inflamatórias.

Rita Francisco: Os pacientes CDG estão muito dispersos e poucos já foram diagnosticados, no entanto é imperativo ter contacto com eles de formar a deslindar os mecanismos patológicos destas doenças. Qual é o papel dos grupos de pacientes nos seus projetos de investigação?

Prf Paula Videira: Estamos a testemunhar um aumento no número de casos registados e o diagnóstico tem vindo a melhorar. Isto deve-se definitivamente a grupos de pacientes como a APCDG que estão a trabalhar afincadamente na divulgação. A APCDG foi extremamente importante no meu caso, visto que orientou a minha investigação, ressaltando os aspetos mais relevantes a serem estudados nas CDG.

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Rita Francisco: Recentemente, abraçou um novo desafio e foi nomeada Diretora da rede internacional “CDG &Allies - Professionals and Patient Associations International Network”. O que a fez aceitar esta oferta e qual a relevância deste projeto internacional para a comunidade CDG?

Prf Paula Videira: Na realidade senti que era um dever para a sociedade e para a comunidade CDG em particular. É esse sentido de dever que me impele e, acredito, que a todos os líderes de associações de pacientes. A rede CDG & Allies -PPAIN faz todo o sentido! Combina associações de pacientes, famílias e profissionais para gerar divulgação dentro da comunidade, assim como na sociedade em geral. A divulgação levará a melhorias e avanços no diagnóstico e tratamento dos pacientes; além disso, aumenta o interesse de outros profissionais, incluindo as agências de financiamento. Cria-se um ciclo de atividades lucrativas, cujo objetivo final é melhorar a vida dos pacientes.

Trabalho e vida pessoal

Rita Francisco: Professora, a sua vida profissional é muito preenchida a absorvente. Como mantem um equilíbrio saudável entre a sua vida pessoal e profissional?

Prf Paula Videira: Eu tenho uma família muito compreensiva, que me ajuda muito. Mais, a minha equipa é a minha segunda família. Eles têm um sentido de trabalho de equipa apurado e trabalham muito para elevar os nossos standards com publicações e financiamento.

Rita Francisco: Poderia partilhar connosco alguns dos seus hobbies?

Prf Paula Videira: A ciência é um ótimo hobby… Adoro cozinhar e andar de bicicleta, especialmente em família.

Rita Francisco: Professora, com o seu trabalho tenta atingir e melhorar vários e distintos aspetos na sociedade. Por conseguinte, tenho de perguntar qual é o próximo sonho que deseja cumprir?

Prf Paula Videira: O meu sonho é contribuir para aquilo que chamo de ” Glicobiologia aplicada à Clínica”. Isto significa contribuir para o desenvolvimento de imunoterapias relevantes para pacientes com cancro e CDG.

www.CodeNirvana.in

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