Sem esperança

|Hélio Bernardo Lopes|
Num certo sentido, impus-me duas semanas de paragem, também de descanso, no meu caudal opinador. Uma das causas terá sido algum cansaço, à semelhança do que terá também tido lugar outros concidadãos nossos. Mas a principal causa deveu-se à fantástica condição de ser avô. Biavô, digamos assim. A verdade é que, ao fim de tantos anos – mais de setenta –, ainda continuo a ter de preparar-me para testes, embora dos meus netos.

Em face desta realidade, preferi dar corpo e continuidade à leitura, sempre acompanhando o que nos chega pela grande comunicação social, optando por parar na escrita crítica da vida do País e do Mundo. Uma decisão que acabou por conduzir a uma acumulação veloz de acontecimentos de todos os tipos imagináveis, e mesmo de muitos inimagináveis.

Nestas circunstâncias, acabei a leitura de NO ARMÁRIO DO VATICANO, de Frédéric Martel, editado entre nós pela Sextante Editores. E foram vários os sentimentos de que me vi acometido. Por um lado e malgrado tudo o que já se conhece desde há décadas, ainda consegui ficar surpreendido com o que o autor nos expõe nestas suas 646 páginas. Claro que estas realidades teriam de ser como no-lo expõe Frédéric, mas tudo é logo diferente em face de um estudo muitíssimo completo, suportado em anos de entrevistas com gente da hierarquia da Igreja Católica Romana e aos seus níveis mais altos, excetuando papas. Por outro lado, dei-me conta do caráter multíplice da intervenção da Igreja Católica Romana por esse Mundo fora, onde até subgrupos seus se encontram completamente dominados, por via de chantagem, pelo poder político em vigor. É o que se dá com Cuba, e que deixou Bento XVI verdadeiramente perdido em lágrimas. Um verdadeiro horror e uma fantástica vergonha. E depois, a terrível lutar pelo poder no interior do Vaticano, que se projeta por esse Mundo fora.

Por tudo isto, aconselho vivamente os leitores a lerem esta obra, porque ela mostra-nos – mostra-me a mim, no mínimo – a quase impossibilidade de pôr uma ordem moral e cristã capaz no funcionamento da generalidade da Igreja Católica Romana. Interrogo-me, por exemplo, sobre se Alexandra Borges, da TVI, terá já lido esta obra verdadeiramente incontornável e que mostra, até, que os seus programas ao redor da IURD não passam de autênticas brincadeiras. E não deixo de chamar a atenção do leitor para esta realidade estrondosa: ninguém nos surge, na nossa grande comunicação social, nem nos programas de debate político, a tratar o que se contém nesta obra magistral e cujo conteúdo já acabou por ter de ser tratado, mesmo que mui limitadamente, por Francisco e pela própria Igreja.

Por fim, um espanto meu em face da estrutura da obra de Frédéric Martel: o reduzidíssimo tratamento dado ao caso de Portugal – talvez umas curtíssimas seis páginas. Sem ter olhado as restantes edições, interrogo-me sobre se nelas a realidade é esta que fui encontrar na edição portuguesa.

Esta obra excecional, que realmente nada traz de novo em termos absolutos, deita por terra uma qualquer réstia de esperança num futuro de melhoras na vida interna da Igreja Católica Romana. De resto, eu mesmo havia já escrito que toda a realidade aqui narrada é oriunda de um problema estrutural, uma realidade intrínseca da própria Igreja Católica Romana. Esta realidade, diga-nos Francisco o que entender, vai sempre manter-se, uma vez que um general não faz um exército e porque uma estrutura religiosa não poderá nunca estruturar-se como uma Estrutura de Direito, dado estarem presentes votos de obediência, castidade e pobreza, para não referir já o de segredo absoluto em face do exterior. Já não resta pedra sobre pedra em matéria de esperança.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN