Na senda da balbúrdia

|Hélio Bernardo Lopes|
Na noite de ontem, no seu programa semanal da TVI 24, Manuela Ferreira Leite expôs a sua conclusão de que, afinal, a União Europeia é muito mais resiliente do que se imaginou. Bom, tem razão, mas porque não analisa, pormenorizadamente, o que está subjacente a esta resiliência da União Europeia.

Objetivamente, a União Europeia a que se chegou já nada tem de democrático. Como muito bem referiu Porfírio Silva, há já uns dois anos, a União Europeia é como a antiga União Soviética, mas sem KGB. E faltou-lhe dizer que também a Constituição da União Soviética continha um artigo que permitia que uma qualquer das suas Repúblicas saísse da união, à semelhança do que se passa com o Tratado de Lisboa da União Europeia.

A construção da União Europeia foi feita, de facto, à revelia dos povos dos Estados nacionais. Os seus povos, naturalmente, aceitaram as excelentes notícias que lhes chegavam, mas que vieram depois a mostrar-se-nos como autênticas ilusões. Recordo, a este propósito, as palavras de Almeida Santos em certo programa televisivo onde contracenava com Franco Nogueira: perante a ida para a guerra nas colónias, os portugueses olhavam para os países europeus e o que viam eram altos níveis de vida... A verdade é que o programa do PS para as eleições para o Parlamento Europeu vem pôr a tónica, entre outros aspetos, na retoma do Estado Social, hoje quase desaparecido na generalidade do espaço da União Europeia. Infelizmente, o futuro parece nada trazer de bom para a generalidade dos povos da União Europeia. Veremos.

A tal resiliência da União Europeia, apontada por Manuel Ferreira Leite, resulta apenas de ser esta estrutura comandada pelos grandes interesses, mormente financeiros. Pelo lado dos povos, está-se, digamos assim, a meia haste, porque embora se tenha já percecionado o desastre social que se aproxima, sob o comando dos Estados Unidos (de Trump), a verdade é que o seu impacto precisará ainda de uma década, talvez até menos.

A prova de que Manuela Ferreira Leite não tem razão está na situação aflitiva em que se encontram os partidos tradicionais e históricos, que deixaram que os seus Estados perdessem a sua soberania, para mais completamente à revelia da dignidade social dos seus povos. Estes, como cada um de nós conhece bem, nada podem fazer para mudar o rumo da União Europeia, porque os motores são a Alemanha e a França e o comandante é alguém difuso, sempre olhando os ventos oriundos do quadrante dos grandes interesses. É a tal economia que mata, assim traduzida pelo Papa Francisco.

Fez bem o Reino Unido em decidir deixar a União Europeia, porque esta, sob o comando dos tais grandes interesses, acabaria por cilindrar e menosprezar a tradição democrática profunda da Inglaterra. As próprias instituições acabariam por ser secundarizadas, e mesmo com a monarquia a ser posta em causa e por aqui a própria religião anglicana. Mas, como se percebe, perante a má vontade dos tais grandes interesses, a União Europeia tudo fez para causar os povos do Reino Unido a mais difícil situação futura. O problema é que os britânicos constituem um grande povo. Até agora foi sempre assim...

No meio de tudo isto, sempre os interesses nacionais dos mais poderosos. De modo que, perante uma crise como a que varre a União Europeia, cada vez menos representativa da vontade e do interesse dos seus povos, Angela Merkel veio agora defender um lugar único europeu no Conselho de Segurança das Nações Unidas!! A França, para já, passaria a ficar secundarizada em face dos Restantes Estados da União Europeia e do Mundo. E se o Reino Unido continuasse a fazer parte da União Europeia, seria mais um a ficar abaixo da linha que hoje possui. Em todo o caso, para Alemanha seria um dia novo, que bem a poderia relançar para um patamar desde sempre sonhado mas nunca almejado...

Ao mesmo tempo, a Alemanha defende agora o fim de Estrasburgo, com tudo concentrado em Bruxelas. Simplesmente, a proximidade de valores da Holanda com a Alemanha, e a concomitante posição da Flandres, perante o expectável enfraquecimento assim conseguido da França, acabaria por passar-se para a órbita política da Alemanha. Mais tarde, lá se iria Bruxelas. Seria o triunfo tão sonhado da Alemanha...

Em contrapartida, a futura dirigente alemã – uma mulher...– também se opõe à ideia de um salário mínimo europeu, afastando, deste modo, qualquer veleidade da França poder ter uma voz no comando da política da União Europeia, mormente no domínio social. O que até se compreende, porque a política alemã vive há muito à revelia da situação social dos povos da Europa.

Claro está que esta balbúrdia não é só europeia, mas a grande verdade é que os povos europeus não dispõem de meios para condicionar o rumo desta União Europeia, representante, de facto, dos grandes interesses económicos e financeiros. Ou seja: a tal resiliência não é da União Europeia, mas dos detentores dos grandes interesses no seu seio.

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