Extrema-Direita

|Hélio Bernardo Lopes|
Auma primeira vista, como durante muito tempo se apontou, o fenómeno do surgimento da Extrema-Direita não teria tido o seu início em Portugal. Mesmo agora, já depois do que se viu com a anterior Maioria-Governo-Presidente, ou com o Nós, Cidadãos!, com o Aliança ou com o hipotético Chega!, ainda se continua a alimentar dúvidas sobre essa chegada à nossa vida político-partidária.

Claro está que esta maneira de ver a coisa política sempre esteve deslocada de um olhar realista sobre o tema, antes se suportando numa espécie de sonho, tomado por muitos – até gente aparentemente preparada nas lides políticas – como autêntica realidade. Vão longe os tempos em que Mário Soares se autossuspendeu de militante do PS, numa atitude anti-Eanes, salientando que na Europa de então não seria ditador quem quisesse. Infelizmente, já não pôde ver a União Europeia de hoje, para não dizer já o Mundo destes dias. E como seria interessante ouvi-lo falar de Trump e de Bolsonaro...

Tal como pude escrever em momentos diversos, o regime constitucional da II República não se suportou apenas na DGS e na Censura. Um dos seus pilares mais importantes, porventura o mais essencial, foi o apoio, quase ilimitado, da Igreja Católica em Portugal. Logo depois, a estrutura militar, com um ou outro desvio, mas sempre sem consequências de real e válido relevo. A seguir, os Estados do Ocidente, invariavelmente tolerantes, mesmo apoiantes, de Salazar, da sua política e do seu regime. E, por fim, a esmagadora maioria dos portugueses, que sempre apoiaram o regime, mas através da sua tolerância e do seu silêncio. Não me recordo, falando com total sinceridade, de amigos ou conhecidos que se mostrassem grandes defensores da democracia, sonhando e sofrendo pela sua chegada. Limitavam-se a criticar por criticar. Mera conversa de café, de jardim ou de esquina, já noite dentro.

A prova suprema desta realidade constituiu-se no histórico concurso sobre O MAIOR PORTUGÊS DE SEMPRE, agora muito bem continuado por certo programa moderado por Manuel Luís Goucha, em certa manhã da TVI. E o mais interessante é constatar o silêncio, cúmplice ou medroso, dos nossos detentores de soberania, ou mesmo do próprio Ministério Público, que não terá visto nada de constitucionalmente inaceitável em face da saudade por um novo Salazar, por via de uma maior autoridade!!

Depois, também tivemos Tancos, com tudo o que se não percebe, embora se intua que o tema ainda tentou ser levado para a esfera da legitimidade do próprio Primeiro-Ministro. Até o Presidente da República, fruto do mesmo bárbaro raciocínio, acabou por ver o seu nome e a sua função tocados pelo caso. De resto, já tínhamos tido os fogos florestais e, mais recentemente, a tragédia de Borba. Num ápice, sempre nos foi surgindo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa com a impensável culpa do Estado – os papalvos, talvez poucos, lerão Governo de António Costa.

Em contrapartida, se o setor privado, como em toda a parte do mundo, falha, bom, já não nos surge o Presidente da República a expor que o setor privado falhou. Precisamente o que se deu com tudo o que deitou por terra a vida nacional através dos milhões em falhanços bancários, sempre pagos com os tais impostos dos portugueses. E tudo a anos-luz do que teve lugar, por exemplo, na Islândia.

Não sei se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa nos virá a dizer que o Estado também falhou no caso dos Vistos Gold, em que a montanha, afinal, pariu meros ratinhos sem importância. E o que será que virá a dar-se com o caso GES/BES? E com as viagens pagas por via de convites que se noticiaram, com verdade ou sem ela, como tendo tido também lugar com dois deputados do PSD? E as presenças ausentes de deputados? E que é feito do caso das messes da Força Aérea? E quando é que se vê um ponto final no célebre caso dos terenos da Arrábida, no Porto? E a infindável violação do segredo de justiça, um crime omnipresente e sem castigo em Portugal? Objetivamente, as coisas não se esclarecem.

Interessante foi o recente convite do Nós, Cidadãos! ao juiz Carlos Alexandre, sendo que este, neste caso, mostrou um bom senso que não tiveram Garzón e Moro: recusou, porque não se sentirá virado para coisas políticas. Simplesmente, este é um ponto com uma importância muito baixa. Aceitasse, ou não, o convite, o que realmente conta neste caso é ter o Nós, Cidadãos optado por convidar Carlos Alexandre. Percebe-se que nunca convidaria Fernando Pinto Monteiro, ou Ivo Cruz, etc.. Aqui, o significativo é ter o Nós, Cidadãos entendido estender o seu convite a Carlos Alexandre.

Simultaneamente, a Igreja Católica lá nos surgiu com a sua primeira iniciativa político-partidária, por via das palavras, extremamente claras, do bispo auxiliar de Braga. E também nos surge agora um movimento, já projetado em convenção, onde prolifera gente da Direita – PSD e CDS –, mas também elementos hoje sem papel de relevo no seio do PS, mas que lá continuam filiados. Interrogo-me, por exemplo, se estará presente Henrique Neto, que encontrei, por um acaso, por alturas do Natal, no Centro Comercial Colombo, tendo então referido para quem me acompanhava: vai aí o Henrique Neto, o tal dos 0,8 % nas presidenciais. E completei, à laia de brincadeira: uma vítima, um incompreendido.

Mostra tudo isto, que a Extrema-Direita, de facto, sempre esteve presente no seio da sociedade portuguesa ao longo da nossa III República. De início, tiveram que dizer-se democratas dos quatro costados, mas aos poucos lá foram deitando as suas âncoras para terra, tentando afirmar-se na nossa vida política, tendo sempre como objetivo o seu sonho de sempre: destruir a Constituição de 1976, para tal contando com gente neoliberal e conhecidíssima do PS. O tema central de que vêm deitando mão é a corrupção, mas, por igual, os valores. Temas que servem para tudo e umas botas mais...

Esta rapaziada tentar destruir António Costa, também Rui Rio e, se necessário e possível, o próprio Marcelo Rebelo de Sousa. Se os dois primeiros objetivos forem minimamente almejados, é bem possível que o atual Presidente da República se não venha a recandidatar, de molde a não vir a ficar na lista dos coveiros da Revolução de 25 de Abril. Ou seja: a Extrema-Direita existe e sempre existiu, mas teve que se esconder, mostrando-se como democrata. Já lá vão mais de quatro décadas. O problema foi todo Trump: sendo o presidente do Estados Unidos, produziu os seus efeitos por todo o Mundo, pela sua ação ou por ausência dela. E não deixa de ser interessante ouvir acusar Salazar de ditador, tolerando Bolsonaro de um modo vergonhosamente abundante. Queixavam-se os nossos oposicionistas de ter o Ocidente tolerado Salazar e o seu regime, mas eles mostram-se agora como autênticos doutores Mondinhos. É a roda da vida (política), ontem mesmo tão bem exposta por David Borges num dos programas da bola.

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