Desfaçatez

|Hélio Bernardo Lopes|
Num destes dias, o Papa Francisco apontou que é preferível viver como ateu do que ir todos os dias a uma igreja e passar a vida a odiar e a criticar os outros. Terá certamente razão, pois essa presença numa igreja não passaria de mais um simples vício da vida. E logo completou: se vais a uma igreja, então vive como filho, como irmão, dá um verdadeiro exemplo. E tem toda a razão, como cada um sabe muitíssimo bem.

O problema é que eu conheço centenas de pessoas, sempre presentes em todas numa qualquer igreja, mas quase sempre incapazes de fazerem pelo seu semelhante um ínfimo dos mais pequenos. Nem pensam no restante da comunidade onde vivem. Mais: parecem movimentar-se sem se darem conta do que os rodeia, ali mesmo ao seu pé. Mas aonde vão é a todas...

Infelizmente, lá das bandas bolsonáricas, por via de uma entrevista concedida à revista católica espanhola, VIDA NUEVA, nos surgiu o cardeal João Braz Aviz a prever esta realidade há muito espalhada por quase todo o Mundo: tenho a impressão de que deverá estar para vir por aí algo de muito amplo e doloroso.

Nesta mesma entrevista, o cardeal falou sobre a vida de Marcial Maciel – fundou os Legionários de Cristo e o movimento Regnum Christi...–, tendo confirmado que o Vaticano sabia de tudo sobre a sua vida, incluindo os seus atos de pedofilia. O cardeal Aviz confirmou que desde 1943 existiam vários documentos sobre as atividades pedófilas de Marcial Maciel. E sempre sem que os antecessores de Francisco tivessem tomado uma qualquer medida.

A verdade é que Marcial Maciel faleceu sem nunca ser julgado e condenado pelos mil e um crimes que praticou. Nem nenhum dos protetores dos seus crimes o foi igualmente, tudo continuando, em larguíssima medida, num ambiente nebuloso. De resto, esta entrevista só surge agora, já com o malandro fora da nossa companhia, acabando por se dar um ar condenatório dos atos praticados, mas já sem consequências.

No entretanto, e depois de tudo o que pôde já escutar-se a Francisco e de quanto se sabe do interior da vida eclesiástica, eis que, lamentavelmente, o jovem norte-americano, Maison Hullibarger, apenas com dezoito anos, acabou por pôr termo à vida. Naturalmente, sendo católico, a família determinou-se a mandar realizar as usuais cerimónias fúnebres. Sem mais, revelando uma desumanidade e um fanatismo gritantes, eis que o padre, a dado passo das suas considerações, resolveu salientar, repetidamente, que o jovem poderia não entrar no céu por causa da forma como morreu!!! Bom, os pais ficaram atónitos, ao ponto de reagirem a tais lamentáveis e fanáticos comentários. Isto, é essencial perceber, é também a Igreja Católica de Francisco.

A bestialidade foi de tal ordem, que se instalou e espalhou a notícia, com a correspondente polémica. E tudo isto acabou por levar a Arquidiocese de Detroit, uns dias depois, a publicar um comunicado, condenando o discurso daquele padre fanático e primário, adiantando que este não voltaria a oficiar funerais num futuro próximo. Infelizmente, tenho as mais sérias dúvidas sobre a sinceridade desta explicação, bem como sobre o desempenho futuro do padre. Como facilmente se percebe, quem pensa e procede assim uma vez, fá-lo mais vezes. Está-lhe na massa do sangue, como usa dizer-se...

Pois foi perante tudo isto e o imensamente mais que o Mundo conhece já, que o bispo auxiliar de Braga, Nuno Almeida, por aí surgiu, a bater-se já claramente na área da política partidária. Com Trump na Casa Branca e Bolsonaro no Planalto, este tipo de comportamentos políticos teriam de surgir também entre nós.

Quase com toda a certeza, este bispo nunca terá condenado, publicamente, os crimes de pedofilia praticados por padres, bispos e cardeais, nem alguma vez se lhe terão escutados ecos claros das condenações de Francisco sobre a luxúria em que vão vivendo tantos dos intitulados príncipes da Igreja. Para o bispo Nuno Almeida o grande problema, desta vez, foi o lixo da corrupção.

Simplesmente, o bispo Nuno Almeida não se ficou por aqui, logo pedindo aos que o escutavam que não se deixassem seduzir com a propaganda política profissionalmente orientada, mas balofa e a fingir e que não permitissem que alguns euros a mais na reforma ou no salário comprem as suas convicções profundas. Mas, afinal, as pessoas vivem como? Só de tratamentos do espírito, para mais deste quilate? Então e o dia-a-dia? E a saúde, a educação dos descendentes e a sobrevivência na velhice? Poderão esperar do PSD ou do CDS mais e melhor, ou um trágico regresso ao passado? Vão pedir à Igreja? Mas não é verdade que o Vaticano se limitou a dar ao povo do Haiti, depois do terramoto, vinte e cinco mil euros? E agora, depois do tsunami na Tailândia, sabendo-se que irá ofertar algo, a verdade é que o montante não foi revelado... Cinquenta mil euros? E não é verdade que a Igreja Católica Romana é uma entidade milionária, com dinheiro que chega de todos os cantos do Mundo?

Lamentavelmente, depois de tudo o que se veio a saber da vida de mil e um padres, bispos e cardeais, vir com uma conversa destas, de teor essencialmente partidário e em defesa da Direita, é revelador de uma terrível desfaçatez e mostra o que os portugueses podem esperar da nossa Igreja Católica. Uma desfaçatez!

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