Coletes amarelos à portuguesa

|Hélio Bernardo Lopes|
Ontem mesmo, tive a oportunidade de ler, com grande atenção e um gosto imenso, uma entrevista recentemente concedida pelo académico jubilado, António Borges Coelho, nosso historiador muito emérito. 

E foi com grande satisfação que encontrei nessa entrevista uma referência, elogiosa e verdadeira, ao modo como os portugueses descobriram o Hemisfério Sul, por via, como se sabe, do estudo e da audácia dos nossos navegadores almirantes e das suas tripulações. Uma referência de verdade, sem complexos, antes com grande orgulho e sem as tão usuais manias muito presentes nos traços culturais das nossas elites de hoje.

Eu mesmo tive já a oportunidade, por duas vezes, de expor o que foram os nossos Descobrimentos, primeiro ao meu neto, agora à irmã. E recordo perfeitamente ter exposto ao primeiro esta ideia: repara que os primeiros fomos nós, logo seguidos dos espanhóis, quase de imediato, mas com o surgimento posterior dos holandeses, franceses e ingleses. Aos poucos, fomos, por erros diversos que bem podiam não ter sido cometidos, sendo secundarizados, por vezes atraiçoados, mas sempre conseguindo vencer de algum modo. Fomos sempre exemplares a resistir.

Hoje, a realidade é já diferente. E é diferente desde há uma boa batelada de décadas. De molde que os nossos êxitos e os nossos achaques encontram-se muito dependentes do que se passa no centro do continente europeu, mas por igual do que se vai passando no Mundo. O poder dos acontecimentos, tal como as modas, só por aqui surgem muito depois de terem nascido nos lugares de (quase) sempre. Isto mesmo se passa agora com os nossos ditos coletes amarelos, ou seja, os coletes amarelos à portuguesa.

Disse ontem o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa acreditar que as manifestações agendadas para sexta-feira, sob o lema VAMOS PARAR PORTUGAL, vão ser pacíficas, recordando que os cidadãos também podem manifestar o seu agrado ou desagrado nas legislativas de 2019. Bom, é uma conversa que tem como objetivo apaziguar, mas que não é verdadeira nem falsa.

Também é verdade, como referiu o Presidente da República, que a situação em Portugal é diferente da situação em França. Porém, faltou-lhe poder referir que esta manifestação é uma cópia oportunista do que se tem visto em França, tendo como objetivo minimizar os resultados do PS, bem como os dos partidos da Esquerda, nas eleições que terão lugar no próximo ano. E também não poderia ter referido que o suporte ideológico desta cópia se situa na Extrema-Direita. Uma Extrema-Direita que, como escrevi há uns dois ou três anos, existia e existe em Portugal. Basta recordar a germinação do CHEGA, cuja principal figura foi até candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures, tendo então tido o apoio presencial de Pedro Passos Coelho.

No plano imediato, o objetivo desta manifestação é o antes referido, mas o mais estratégico é pôr um fim na Constituição da República, já com diversas revisões, alterando na sua peugada uma série de dispositivos hoje em vigor, funcionando melhor ou pior, como se dá com o Estado Social. Mas por igual pôr um fim no Sistema Eleitoral, deitando mão dos perigosos círculos uninominais, verdadeiras portas de entrada de uma nova falange de caciques.

Mas o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi mais longe, expondo-nos que que uma coisa é a manifestação pacífica, que é timbre de Portugal, outra coisa é a violência que assistimos noutros países. Bom, achei estranha esta tomada de posição, para o que basta recordar o homicídio de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, bem como o que, muito mais recentemente, se passou com a fotografia de Diogo Freitas do Amaral na sede do CDS, ou com as reações de amigos e de familiares à sua entrada no Governo de José Sócrates. E há bem poucos meses foi-nos dado ver a verdadeira loucura da Direita e da Extrema-Direita em defesa da continuidade de Joana Marques Vidal, ou as recentes reações dos procuradores do Ministério Público a uma qualquer alteração legislativa a operar no Conselho Superior do Ministério Público. Objetivamente, as coisas estão longe da brandura apontada pelo Presidente da República.

A tudo isto é essencial recordar o concurso sobre O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE, sobre cujos resultados o PS e os partidos da Esquerda tentaram ler o que não se poderia nunca ver nos mesmos. De resto e como pude já expor em mil e um momentos, o concurso só teve lugar por se saber, precisamente, que Salazar sairia vencedor, desse modo lançando uma mensagem subliminar para todo o tecido social.

Mais recentemente, surgiram diversas intervenções de militares, em geral na reserva, como foi o caso de Pedro Tinoco Faria. E vale a pena recordar certa entrevista sua a um jornal, onde considerou como crime de lesa-pátria a extinção do antigo Regimento de Comandos. Depois de terminar o parágrafo onde referia esta sua opinião, de pronto iniciou o seguinte com uma referência a Mário Soares, salientando uma cerimónia a que presidira, onde, perante a ordem de destroçar, os soldados não obedeceram, assim mostrando querer continuar (com o regimento). Claro está que, para os incautos, poderia ficar a ideia de que foi o antigo Presidente da República a extinguir o regimento, sendo que o mesmo seguiu esse caminho pela ação de um Governo de Aníbal Cavaco Silva.

Por fim, um dado muito crucial: estes coletes amarelos à portuguesa veiculam posições de extrema-direita, num movimento que se estrutura em torno de valores conservadores, incluindo no domínio da liberdade religiosa. Simplesmente, o leitmotif será o da exigência de reivindicações sempre apresentadas como justas, numa atitude essencialmente populista. É bom, pois, que os portugueses se não deixem levar na cantiga, olhando para esta realidade simples: hoje, no plano político-ideológico, Portugal não exporta rigorosamente nada, limitando-se a deitar mão do que se vê lá por fora. E este é que é o dado essencial que devia ser ponderado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: é uma ideia como as hoje praticadas nos Estados onde se encontra no poder, ou em vias disso, a Extrema-Direita. Ao desvalorizar os riscos dos coletes amarelos à portuguesa para a democracia, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa acaba por desacautelar a defesa da mesma. É Alfredo Barroso quem tem razão: a democracia está em perigo.

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