Fugir ou não fugir

Lutar, fugir ou paralisar: quando confrontados com uma ameaça, todos os organismos, dos ratinhos aos humanos, optam com certeza por uma destas três estratégias. Mas, embora elas sejam cruciais para a sobrevivência, ainda não se sabe como o cérebro escolhe qual a estratégia a aplicar em cada instância. Um novo estudo permitiu agora não só identificar variáveis que levam o cérebro a escolher uma estratégia específica, mas também descobrir um par de neurónios essenciais para a sua execução.

Há muitos milhares de anos, as vidas humanas eram regularmente ameaçadas por animais predadores. Os tempos mudaram, mas os circuitos cerebrais que garantiram a nossa sobrevivência ao longo dos tempos continuam bem ativos. “Tal como qualquer outro animal na natureza, a nossa reação a uma ameaça é sempre uma das três seguintes: luta, fuga ou paralisação na esperança de passar despercebido”, diz Marta Moita, que juntamente com Maria Luísa Vasconcelos liderou um novo estudo realizado no Centro Champalimaud, em Lisboa.

Estes comportamentos são fundamentais, mas ainda não sabemos quais são as regras do jogo: em cada situação, como é que o cérebro decide qual das três estratégias implementar e como assegura que o corpo as aplica?”, diz Ricardo Zacarias, o primeiro autor do estudo, publicado a 12 de Setembro na revista Nature Communications  .

É de notar que respostas inéditas a estas perguntas provêm da vulgar mosca-do-vinagre. “Quando começámos a trabalhar nestas questões, a maioria das pessoas pensava que as moscas iriam fugir sistematicamente. Quisemos ver se isto era realmente verdade. Apesar de ser um insecto, a mosca-do-vinagre é um modelo animal extraordinário, que tem ajudado a esclarecer muitos problemas difíceis da biologia. Portanto, quando decidimos estudar as bases neurais dos comportamentos defensivos, perguntámo-nos o que aconteceria se expuséssemos as moscas a uma ameaça numa situação em que simplesmente não podiam fugir a voar”, lembra Moita.

Os resultados foram imediatamente claros. “Quando colocámos as moscas num prato coberto e as expusemos a um círculo escuro em expansão, que funcionava como uma ameaça para as moscas, vimos algo de totalmente novo: as moscas paralisavam. De facto, tal como acontece com os mamíferos, elas permaneciam perfeitamente imóveis minutos a fio, por vezes em posições muito desconfortáveis, tal como meio de cócoras ou com uma pata ou duas suspensas no ar”, explica a cientista.

Mas a história não acaba aqui. Muitas moscas paralisavam, mas nem todas – algumas fugiam da ameaça a correr. “Isto era muito entusiasmante”, diz Vasconcelos, “porque significava que, tal como os humanos, as moscas estavam a escolher entre estratégias alternativas.”

A equipa decidiu olhar mais de perto para o que desencadeava estas respostas diferentes recorrendo a um software de visão artificial que produzia uma descrição muito pormenorizada do comportamento de cada mosca. Com esta informação, descobriram uma coisa surpreendente: as reações das moscas dependiam da sua velocidade de locomoção no momento em que surgia a ameaça. Se a mosca estivesse a andar devagar, paralisava; mas se estivesse a andar depressa, fugia da ameaça a correr. “Este resultado é muito importante: trata-se da primeira demonstração de que o estado comportamental do animal pode influenciar a escolha da sua estratégia defensiva”, salienta Vasconcelos.

Estas observações abriram o caminho à identificação dos neurónios que determinavam se a mosca iria fugir ou paralisar. Utilizando as mais avançadas ferramentas genéticas, a equipa descobriu que um único duo de neurónios era importante para os comportamentos defensivos das moscas. “Foi bastante incrível. Existem centenas de milhares de neurónios no cérebro da mosca e, entre todos eles, descobrimos que a paralisação era controlada por dois neurónios idênticos, um de cada lado do cérebro”, explica.

Quando os cientistas desativaram esses neurónios, as moscas deixaram de paralisar, mas continuaram a fugir da ameaça. Mas ainda mais notável foi o que aconteceu quando ativaram esses neurónios na ausência de qualquer ameaça: as moscas paralisavam de uma maneira que dependia da sua velocidade de locomoção. “Se ativássemos os neurónios quando a mosca andava devagar, ela paralisava”, diz Zacarias, “mas isso não acontecia se estivesse a andar depressa. Este resultado coloca estes neurónios diretamente à entrada do circuito de escolha!

É exactamente o que procurávamos: como o cérebro decide entre estratégias concorrentes. Mais ainda, estes neurónios são do tipo que envia comandos motores do cérebro para a estrutura equivalente à espinal medula da mosca. O que significa que eles poderão estar envolvidos não apenas na escolha, mas também na execução do comportamento”, faz notar Moita.

Segundo a equipa, esta série de descobertas inaugura uma área totalmente nova da investigação na mosca. “Podemos agora estudar diretamente como o cérebro faz escolhas entre estratégias defensivas muito diferentes”, diz Moita. “E como os comportamentos defensivos são comuns a todos os animais, as nossas descobertas fornecem um bom ponto de partida para conseguir identificar as ‘regras do jogo’ que definem a forma como os animais escolhem defender-se.”

Artigo original: Ricardo Zacarias, Shigehiro Namiki, Gwyneth Card, Maria Luisa Vasconcelos* and Marta A. Moita*. (2018). Speed dependent descending control of freezing behavior in Drosophila melanogaster. Nature Communications. DOI: 10.1038/s41467-018-05875-1 .

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