Correia-sem-fim

|Hélio Bernardo Lopes|
Quase todos, pelo mundo entretanto criado, vivemos ao sabor de uma infinda sucessão de acontecimentos, como se estejamos a ser transportados por uma correia-sem-fim. Acontecimentos que consigo transportam, invariavelmente, angústia sobre os mil e um que vão vivendo o tempo que passa. É sobre alguns destes acontecimentos que hoje me determinei a escrever o presente texto.

A TRANSPARÊNCIA DAS PREBENDAS
Há umas duas semanas gastou-se por aí uma boa dose de tinta ao redor das subvenções vitalícias de diversos concidadãos para quem as mesmas foram criadas e ainda se mantêm. Claro está que no quadro político do tempo que passa tais prebendas se constituem em mais uma vergonha surgida no tempo político da III República. O que a invocação da democracia acaba por permitir! E como é espantoso assistir ao generalizado silêncio da nossa classe política e da generalidade dos nossos detentores de soberania!!

FORA DO DIREITO
Continua o espanto ao redor da vergonha que atingiu a Igreja Católica Romana. Desta vez, até o Papa Francisco foi posto em causa. Mas o interessante em toda esta vergonha sem nome é constatar como a hierarquia e os seus seguidores tentam fazer esquecer o centro desta vergonha sem nome, para tal lançando mão de uma real luta no seio da Igreja, entre os conservadores e os seguidores de Francisco, supostamente um reformador. E dos profundos...

Admitindo que o Papa Francisco pretende, de facto, mudanças de fundo e reais – nunca acreditei nem acredito –, a verdade é que elas não podem ser feitas, o que o Papa tem de perceber. De molde que a resultante desta sua ação é simples: acaba por não mudar nada de substantivo e lança ideias junto do ambiente dos crentes, invariavelmente impreparados e desatentos, de que as coisas estão realmente a mudar. Ou seja: cria-se um potencial de certeza, mas que não é real. De molde que a consequência é a que ora se pode ver: a luta é de morte no seio da Cúria e dos cardeais e bispos. Muito tenho recordado, em conversas com conhecidos e amigos, o histórico Pacto Germano-Soviético, que serviu para que tantos deixassem o PCP – a prisão era uma chatice... A verdade é que, perante a fantástica vergonha até agora vinda a público – a ponta do iceberg...–, ninguém faz outra coisa a não ser fingir não ver e seguir em frente. Não faltam católicos envergonhados, mas completamente silenciosos e inconsequentes. E já agora: que é feito do padre Mário de Oliveira e o que nos pode dizer desta vergonhas sem nome? E a nossa TVI: para quando um programa em dez episódios, à semelhança do que se fez com a IURD? Para Saint Never Day?

PLATAFORMA CENTRAL
A Geografia, indiscutivelmente, tem um poder extraordinário e central. Alguém escreveu que a História é a Geografia em Movimento, o que se constitui numa realidade evidente. De molde que se Portugal foi sempre – sucessivos relatórios da ONU e da Secretaria de Estado dos Estados Unidos sempre o disseram – a principal porta de entrada de estupefacientes oriundos da América Latina, compreende-se facilmente que seja agora também a plataforma central do tráfico de crianças, liderado por redes criminosas. Sobretudo, crianças oriundas do continente africano.

É DIFÍCIL FALAR VERDADE EM DEMOCRACIA
Num destes dias, Roger Waters, um dos fundadores dos Pink Floyd, desde sempre um ativista político, salientou, em certa entrevista a um jornal russo, que muitos acordos e outros documentos existentes justificam a reclamação russa pelo porto militar de Sebastopol, na Crimeia. Mais uma porra! Como é possível um músico deste calibre não saber comportar-se de um modo politicamente correto?!

Simplesmente, o músico não se ficou por este comentário, completando-o com o reconhecimento de que as ações de Moscovo foram provocadas pela queda do antigo presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, muito próximo de Vladimir Putin. Uma queda orquestrada pelos Estados Unidos. E pela Alemanha, como devia também ter referido.

Mas Roger Waters foi ainda mais longe: o ataque aos Skripal não faz qualquer sentido, o que é claro para qualquer pessoa com apenas metade do cérebro. Enfim, mas temos a democracia.

DESÍGNIO DA DIREITA
Com um espanto razoável, foi como escutei de Pedro Marques Lopes, n’O EIXO DO MAL deste passado sábado, que tem sido a Direita a falar da recondução de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República. Um espanto que não se deveu a ter sido a afirmação feita por Pedro Marques Lopes, mas por ser este um adepto laranja. E também por ter, deste modo, mostrado uma coragem que já não é pensável com Clara Ferreira Alves ou com Luís Pedro Nunes, por exemplo.

A grande e objetiva verdade é que a Direita está à beira da loucura, ao ver aproximar-se, porventura, o fim de Joana Marques Vidal à frente do cargo ora desempenhado e bem. Em boa verdade, o PS tem seguido a orientação constitucional, há um bom tempo exposta pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: o Primeiro-Ministro propõe um nome ao Presidente da República, que depois decide. Esta regra tem sido a seguida pelo PS, completamente ao invés da assumida pela Direita e pela nossa grande comunicação social.

Foi interessante constatar, na RTP 3, um debate ente José Eduardo Martins, do PSD, e Ana Drago, da área do Bloco de Esquerda ou da sua envolvente. O primeiro defendeu, por razões providenciais – ou Joana, ou o fim de tudo –, a recondução de Joana Marques Vidal; a segunda defendeu a posição contrária, escudando-se na doutrina geral e não escrita, mas desde há muito executada.

No entretanto, surgiu o Jornal da Meia-Noite da RTP 3, sendo que apenas foi notícia a posição antes assumida por José Eduardo Martins... Bom, é difícil manchar mais a imagem política de Joana Marques Vidal. Uma luta de morte no seio da Direita. Um terrível tempo de angústia, perante a possibilidade de quem sempre consideraram como alguém da sua área. É difícil pior prestação política!

JOHN MCCAIN
Faleceu, lamentavelmente, o senador John McCain. Faleceu como um herói, embora em Portugal as razões deste qualificativo não se costumem aqui aplicar.

Portugal teve diversos militares presos, por muitos anos, em Konacry. Foram mais tarde adequadamente condecorados, mas nunca até hoje considerados como heróis. O mesmo se deu com António Alva Rosa Coutinho, embora noutras circunstâncias. Ainda assim, a situação dolorosa que viveu nunca foi considerada um ato de heroísmo. E é o que penso de John McCain.

Indubitavelmente, ele sofreu nas prisões do Vietname do Norte, mas em condições semelhantes às dos militares norte-americanos que o acompanhavam. Colegas que ninguém considera como sendo heróis dos Estados Unidos.

Simplesmente, quando as autoridades do Vietname do Norte se determinaram a tentar libertá-lo, ele nunca poderia assumir uma qualquer outra atitude, ou ficaria para sempre num terrível quadro de desonra militar. De resto, sabia-se que a tentativa das autoridades comunistas se devia ao facto do pai, John McCain II, se ter tornado comandante da Esquadra do Pacífico.

Por fim, uma nota: ele serviu numa guerra criminosa, movida pelos Estados Unidos ao Vietname do Norte, que os norte-americanos acabaram por perder. De molde que o conceito de herói se deve aqui, claramente, ao facto ser John McCain um republicano e oriundo de uma família da classe alta dos Estados Unidos.

NO ESCONDERIJO
Como se vai podendo ver, a Direita tem uma cabalíssima dificuldade em mostrar clareza nas suas ideias políticas para o futuro de Portugal e dos portugueses. Desde Assunção Cristas, pelo CDS, passando por Rui Rio, do PSD, até Pedro Santana Lopes, da nova e efémera Aliança, a objetiva evidência materializa-se na completa ausência de um discurso coerente que possa suportar uma política de futuro, alternativa à do atual Governo de António Costa, virada para o futuro do País e de todos nós.

Compreende-se bem esta situação, dado que a mesma se deve a não poderem ser explicitadas as suas linhas de força: destruição do Estado Social, mais privatizações ruinosas, retoma, na prática, de uma ação política de suporte fortemente conservador, destruição constitucional e política. Seria a destruição, de facto, de quase tudo o que se conseguiu ao longo de mais de quatro décadas. O que se diz que falta explicitar, infelizmente – ou felizmente? –, tem de ser mantido num esconderijo, porque pode sempre acontecer que os portugueses caiam numa qualquer espécie de sonho (suicidário). De molde que a atual oposição limita-se a ir explorando e gerindo os casos que possam ir surgindo ao caminho...

OS FRACOS FOGOS FLORESTAIS
Graças à variabilidade climática, o tempo tem vindo a oscilar entre aceitável e fresco, e mui difícil de suportar e perigoso. De molde que os fogos florestais deste 2018, fruto desta realidade, mas por igual das mudanças operadas na estrutura da Autoridade Nacional de Proteção Civil, mormente no respeitante à excecional capacidade de comando e controlo do Comandante Operacional Nacional, o coronel tirocinado José Manuel Duarte Costa, ficaram-se, para já, muito abaixo do que se pôde ver em 2017.

Claro está que a Direita tem aqui uma espécie de pedra no sapato, dado que os elementos não ajudaram, menos propiciando ainda a ação criminosa que pôde detetar-se no ano passado. Uma desagradável chatice... Para já, temos mais uma semana de calmaria, tendo-se tornado evidente que a enormíssima maioria dos fogos florestais têm sido contidos pouco depois de serem conhecidos.

ARGUMENTOS A ESMO
Como logo pude explicar após os incêndios de 2017, a ideia de fazer tudo numa corridinha, sempre aligeirando procedimentos, só por milagre não atravessaria a zona do compadrio. Isto mesmo se diz agora e por parte dos que pediam a máxima velocidade, bem como os maiores aligeiramentos possíveis. Estava escrito nas estrelas.

Acontece que, quando o primeiro programa da TVI surgiu, o Primeiro-Ministro, António Costa, explicou que só dois casos dependentes do domínio público suscitavam dúvidas. A verdade é que as notícias lá foram continuando a fluir, até porque a Direita precisa destas realidades como a boca precisa do pão.

Perante tal realidade, a CCDRC decidiu enviar os vinte e um processos que por si haviam passado para o Ministério Público. Não porque entendesse existir algo de anómalo, mas para evitar uma ação erosiva que a grande comunicação social e a Direita iriam encarregar-se de continuar a manusear.

Significa isto, se acaso não erro, que não terão sido enviados para o Ministério Público os restantes casos, mas que foram tratados por entidades não públicas. Se estou certo, aqui deixo o convite a essas entidades: enviem também esses processos para o Ministério Público e facultem o seu acesso à grande comunicação social, mormente a mais referente em Portugal. De outro modo – se estou certo nos pressupostos que adoto aqui –, estar-se-á perante uma distorção da realidade de quanto possa estar em causa nesta matéria.

EM QUE SE FICA?
No entretanto, pude hoje mesmo acompanhar uma notícia relativa à Santa Casa da Misericórdia de Murça, creio que ao redor de um seu lar. Parecem estar em causa duas situações: uma ligada a ordenados em atraso, outra com a falta de verbas da instituição, sejam as causas as que forem. A notícia comportava, também, alguma dúvida ao redor de tudo isto, salientando que a liderança da instituição recusara responder à solicitação que havia sido formulada. De molde que deixo esta minha dúvida: será que o Ministério Público irá aqui intervir, em ordem a esclarecer o que possa estar em causa na tal dúvida que ficou por via da notícia televisiva? Em que se fica? E será que a liderança da Santa Casa da Misericórdia de Murça irá proceder como o fez a direção da CCDRC? Vamos esperar.

RUSSOFOBIA
Por um verdadeiro acaso, acompanhei, na noite deste domingo recente, a intervenção de Paulo Portas na TVI. E foi com graça e com gosto que lhe ouvi salientar que, malgrado achar que John McCain era uma personalidade de grande relevo na vida norte-americana, não o acompanhava na sua atitude de russofobia que sempre mostrara. Bom, fiquei satisfeito por ver um político português (e da Direita!) ter a coragem de reconhecer uma tal realidade, até porque a coragem política, em Portugal, rareia. Sobretudo nestes tempos da nossa III República.

Paulo Portas mostrou, nesta sua intervenção, que tem o bom senso que nunca teve John McCain nem os seus compagnons de route – republicanos e democratas – da política americana, porque esta sua russofobia ao que acabará por levar é a um conflito militar. Provavelmente, devastador. De resto, esta ideia é muitíssimo antiga, tendo começado a germinar depois da saída de Truman. E é por isso que Roger Waters tem toda a razão no que disse na sua entrevista ao Yzvestia.

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