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|Hélio Bernardo Lopes| |
Espero, pois, que se consiga chegar a um fim neste flagelo do estado da natureza derivado das atitudes assumidas pelos humanos, mormente ao sabor dos ventos do famigerado mercado.
Este terrível incêndio de Monchique acabou por trazer-me ao pensamento, mais uma vez, o histórico Salazar, sempre consciente que quem conta um conto, acrescenta um ponto. Precisamente o que se passa com a nossa grande comunicação social, que todos os dias nos traz mil e um contos.
Infelizmente, fá-lo com o acrescento de outros tantos pontos. E um dos veículos deste acrescento localiza-se na torrente de palpites por parte dos mil e um que se veem presentes nos estúdios. Os tais mil e um supostos experts, embora, invariavelmente, sem terem algum dia tido que combater uma realidade dinâmica como a dos fogos atuais, um pouco por todo o mundo, e em condições cada dia mais difíceis e horríveis.
Lembram-se quase todos os leitores do que se disse no passado verão, logo depois da tragédia da estrada onde pereceram dezenas de concidadãos nossos: uma verdadeira armadilha, um túnel de fogo, sem as bermas das estradas convenientemente limpas, as árvores sobre o tapete de alcatrão, encostadas, nas copas, umas às outras, sem distância de segurança, e sem que tivesse alguma autoridade mandado interromper a referida circulação.
Passou um ano, e eis que um dos nossos experts nos vem agora dizer que criar espaços separadores entre as árvores e a estrada é um erro, porque faz diminuir o efeito da sombra e porque leva a um aumento de ventos ao longo da nova estrada alargada. Bom, tem agora de ser o leitor a decidir o que entende por correto, sendo conveniente voltar a ler o relatório da Comissão Técnica Independente.
Ao mesmo tempo, e depois de andar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a tanto elogiar as nossas Forças Armadas, e os militares em geral, surgem-nos críticas piedosas ao facto de soldados da GNR terem de dormir no chão de um qualquer ginásio!! De molde que pergunto ao leitor, admitindo que defendeu, nalgum lugar, as antigas províncias ultramarinas: na atuação de uma companhia de comandos, de fuzileiros ou de paraquedistas, lá no meio do mato, à noite, os militares dormiam onde e em que circunstâncias? Infelizmente, caro leitor, a nossa grande comunicação social da III República já nos consegue brindar com ridículas historietas de crítica deste quilate.
É verdadeiramente espantoso o rio de dinheiro que se despedaça com a transmissão dos palpites destes nossos mil e um experts. Uma realidade de tal ordem, que ontem mesmo me vi forçado a acompanhar o estrórdinário debate entre alguns candidatos à liderança sportinguista. A verdade é que, mal por mal, sempre é preferível a bola do que intermináveis transmissões televisivas que se constituem em autênticos espetáculos criadores de terror, mais ou menos deformado, fruto de ampliações, diminuições ou inúteis conversações. Como é possível que se pergunte a alguém, a viver um clima de ansiedade com o desenvolvimento do incêndio, o que está a sentir?!! Ou colocar a questão sobre se acatará, ou não, as ordens da GNR no sentido de deixarem as suas casas?!! Se se excluir o trágico destes acontecimentos no Algarve, este tipo de perguntas traz-me sempre ao pensamento o histórico APOCALIPSE NOW, naquela fase em que chega a certa praia um qualquer regimento de cavalaria aérea, com o histórico Robert Duvall – o tenente-coronel Bill Kilgore – a rir e a arengar com os mil e um estoiros que vão surgindo dos tiros, bombas e socos nas trombas que se desenvolvem mesmo ao seu redor: aquele cheirinho a napalm... Como se vê, a nossa grande comunicação social lá se vai americanizando.
Depois, os nossos concidadãos, tal como os autarcas: nada tiveram que ver com o que quer fosse. E como agora a culpa nunca pode ser dos bombeiros, de pronto se aponta o dedo aos comandos de toda operação de combate aos incêndios. Num primeiro passo, porque logo num segundo se sobe ao nível da governação. Mas desta, nunca da anterior.
Por fim, o meu grande espanto: a oposição ainda se mantém calada, embora tal se deva às ditas férias grandes! Não creio, em todo o caso, que CDS e PSD não venham a deitar mão de mais esta tragédia, uma vez que as eleições estão à porta e há que tentar deitar mão da demagogia e mesmo de uma intervenção de cunho tão populista quanto possível. Estamos em tempo de vale-tudo. De resto, é esta a prática que está em franco desenvolvimento por todo o mundo, pelo que a nossa Direita – PSD e CDS – não deve deixar passar esta taluda sem fazer um gesto, mínimo que seja.
Aguardo, neste momento, o que nos irá trazer a nova passerelle de experts da hora do jantar. Depois de anteontem nos ter surgido a associação de bombeiros profissionais a dar o seu palpite, surgiu ontem a dos bombeiros voluntários, seguindo atitude idêntica, mas com valor substantivo diferente. E é por esta que se deverá voltar hoje a iniciar a ação dos experts, porventura também com uma interpretação jurídica sobre o número – cabalístico? – 648.