O Tempo a passar

|Hélio Bernardo Lopes|
Depois de duas semanas de dores lombares fortes – a velhice desenvolve-se a passos já percetíveis...– e que não deverão voltar à estaca zero, lá me determinei a voltar a escrever os meus textos. Em todo o caso, mesmo com dores fortes, fui acompanhando o que se desenvolveu por esse mundo fora e em domínios os mais diversos. Por esta razão, este texto constitui-se de pinceladas ao redor desses acontecimentos que me foram chegando, muitos deles desagradáveis, mesmo repugnantes, sem dúvida deveras preocupantes.

DOENÇAS QUE SE MANTÊM
Como há muito pude salientar, o caso da pedofilia no seio das estruturas religiosas, mormente no ambiente católico romano, nunca poderia ser uma aberração isolada, tendo de resultar de deficiências estruturais da própria Igreja. Referi, até, que sendo a realidade passada no Primeiro Mundo a que se conhece hoje à saciedade, no Terceiro Mundo esta realidade teria de ser bem mais grave e diversificada.

Ora, a BBC noticiou recentemente que uma freira que trabalhava numa congregação religiosa de Madre Teresa de Calcutá, em plena Índia, foi presa por ter alegadamente vendido uma criança com 14 anos. De resto, as autoridades indianas estão a investigar casos semelhantes, com bebés e crianças dessa instituição religiosa a poderem ter sido vendidas a casais sem filhos. Para lá da freira em causa, estarão alegadamente envolvidas duas outras funcionárias da instituição, confirmando certo oficial da polícia que pelo menos cinco ou seis bebés foram vendidos a casais sem filhos. Doenças, como se vê, que se mantêm. Um problema inquestionavelmente estrutural.

À BOLACHADA
No entretanto, surgiu um vídeo nas redes sociais mostrando um padre, ao que parece francês, a bater numa criança que chorava durante a cerimónia batismal. Num reflexo de legítima proteção, o pai retirou de pronto a criança dos braços do esbofeteador. Mas o pai, não a mãe, sendo que até levaram algum tempo a reagir. Temor é temor... Com grande oportunidade, alguém postou este comentário: isto foi na frente das câmaras, o que aconteceria nos bastidores quando se deixa um padre e uma criança sozinha...

DA BARULHEIRA AO SILÊNCIO ESTRONDOSO
Agora que terminou o Mundial da Rússia tem sido frequente recordar o nosso triunfo no último Europeu de França. O interessante, porém, é constatar o silêncio que está a separar o estrondo dos bilhetes e viagens oferecidos a personalidades do PS, desde governantes a deputados, em face das notícias vindas a público ao redor de Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, todos do PSD. Dois fantásticos critérios da nossa grande comunicação social, que lá vai oscilando entre o preto e o branco. E sempre em condições extremamente similares. É a democracia à portuguesa e no seu melhor...

ESTAMOS À ESPERA
Malgrado tudo, sempre constituiu um choque para muitos portugueses o que se passou no Porto com uma jovem de origem colombiana, talvez já mesmo portuguesa, que por cá vive há dezena e meia de anos. A jovem, como se pôde ver pelas imagens, ficou num estado terrível. De molde que surge a questão: como irá terminar este caso? Um dado é certo: o assunto parece ter já caído no olvido. Enfim: ficamos à espera do resultado.

TRAÇOS DE SEMPRE
Há já umas boas décadas, ainda antes da Revolução de 25 de Abril, a exibição dos filmes nas nossas salas de espetáculos era marcada por um ou dois intervalos. Num deles, invariavelmente, surgiam a sempre aguardadas ATUALIDADES FRANCESAS!, que nos traziam alguns manjares informativos com grande interesse.

Num desses intervalos surgiu a filmagem de uma senhora raptada em plena rua, sendo metida num carro pela força, carro que logo partiu veloz. Como depois foi mostrado, muita gente assistiu, mas ninguém reagiu.

Logo de seguida, surgiram supostos jornalistas e reais polícias, questionando os transeuntes sobre o que se passara. Num ápice surgiu uma autêntica sucessão aleatória de respostas: o carro era preto, branco, amarelo, etc.; os cabelos da senhora eram louros, castanhos, brancos, claros, escuros, etc.; a marca do carro ia deste esta até àquela; os raptores iam desde dois a cindo; a matrícula era francesa, belga, alemã, ou outras.

Pois, há dias, a polícia alemã resolveu-se a testar o desde sempre consabido: perante um acidente, como se comporta a maioria das pessoas? Resultado mais que esperado: 90% do tráfego que ia passando não se determinou a parar, a fim de ajudar as aparentes vítimas. Traços muito permanentes do comportamento humano, para mais no plano social.

DO FIM PARA O PRINCÍPIO?
Foi com enormíssima satisfação que acompanhei a destituição de Bruno de Carvalho dos cargos que exercia no Sporting Clube de Portugal e na SAD desta instituição. A verdade é que logo desde uns bons dias antes se me começou a desenvolver a ideia, já agora cabalmente presente: se vier a candidatar-se e se surgir a usual multidão de candidatos leoninos, o mais certo será o regresso de Bruno de Carvalho. De molde que se me coloca esta questão: ao final de todas as contas, Bruno de Carvalho pode, ou não, voltar a candidatar-se?

ESTRÓRDINÁRIO!
Com o já conhecido alarido da nossa grande comunicação social, aí nos surgiu a detenção dos Hells Angels. E foi logo interessante ouvir a intervenção de Manuela Santos, coordenadora de investigação criminal, salientando esperar que à maioria dos detidos fosse aplicada a medida de prisão preventiva. E se é expectável que o procurador que trata o caso possa concordar com tal ideia, fico agora à espera para ver o que realmente irá fazer a juiz que terá de decidir sobre o caso. Um dado me parece certo: a opinião de Manuela Santos esteve longe de ser a apropriada, visto vir a ter lugar a decisão posterior de uma juiz. É que a separação dos poderes é também para estar presente entre a dos funcionários administrativos em face do poder soberano e das suas decisões. E o irá agora decidir a juiz?

PROCURAR A GUERRA
Num destes dias, em que me vi atingido por maleita dolorosa e persistente, e que ainda se mantém por cá – a idade irá determinar que se mantenha –, António Guterres esteve presente com uma sua intervenção no Clube Valdai – um espaço de intervenção política mundial fundado em 2004 –, dentro da sua visita oficial à Rússia.

Um tema abordado por António Guterres foi o da dita reorganização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sempre pensei que se trata de um tema perigoso, porque as Nações Unidas, como no-lo conta Maurice Bertrand, foram sempre assim e não podem ser de um outro modo. De resto, Guterres até reconheceu tratar-se de um assunto muito complexo. E logo complementou esta sua opinião: o assunto mais difícil é a integração na qualidade de membro permanente, em que sou obrigado a admitir que estamos longe da situação em que uma solução seja visível.

Como já é usual na ribalta política – excetua-se, de facto, Donald Trump –, António Guterres expôs, sem grandes explicações de natureza causal, que o mundo está à beira de perder o controlo sobre os armamentos, o que é completamente inaceitável. O grande problema dos nossos dias, mas que Guterres não abordou, é o de reconhecer a causa da fantástica balbúrdia criada ao redor das relações entre os Estados Unidos e a Rússia, mas agora também entre aqueles e a China. Relações cujo terrível desenvolvimento têm levado a uma miríade de conflitos em partes diversas do mundo.

Ora, tratando o caso das atuais relações entre os Estados Unidos e a Rússia, Guterres deu-nos esta tirada digna do melhor e inoperante politicamente correto: eu próprio não sou capaz de resolver os problemas nas relações dos dois Estados, porque são duas grandes potências que têm seus próprios canais de comunicação. Bom, que é assim sempre se soube, mas o que se poderia esperar de António Guterres, como Secretário-Geral da ONU, seria a exposição do seu pensamento para o mundo, com o levantamento dos respetivos nós de bloqueamento, e com o apontar das possíveis saídas lógicas à luz da natureza humana e da História do Mundo. Infelizmente, Guterres fica-se a anos-luz desta desejável atitude.

Por fim, a ideia de que o desarmamento nuclear é um passo essencial para a construção da paz no mundo. Mas se se olhar para o que se passou com a Líbia de Kadhaffi e com a Coreia do Norte de Kim Jong-un, ou com Israel, de pronto se percebe que a posse de armas nucleares é a razão central para não se ser atacado pelos mais poderosos e interesseiros. Se amanhã, como que por milagre, os Estados deixassem de possuir armas nucleares, de pronto os Estados Unidos e os seus aliados ligados aos grandes interesses – sobretudo os europeus, mormente franceses, alemães e talvez ingleses – passariam a poder esmagar quem muito bem entendessem. Sobretudo, a Rússia...

MAIS SILÊNCIO CONVENIENTE
No meio da balbúrdia que vai varrendo o mundo, eis agora que, segundo notícia do Washington Post, hackers chineses, (alegadamente) ao serviço do Governo da China, terão entrado nos computadores de certo empreiteiro naval norte-americano, que desenvolve armamento para a frota de submarinos dos Estados Unidos, conseguindo aceder aos planos secretos para desenvolver um novo míssil supersónico contra navios.

O interessante deste caso é que o mesmo quase não foi notícia entre nós. Sobretudo, no domínio televisivo, podendo nós imaginar, com extrema facilidade, os raios e os coriscos, naturalmente ampliadíssimos, que não teriam sido proferidos se o caso, a ser real, se tivesse desenvolvido com a Rússia de Vladimir Putin, embora se perceba que o mesmo nunca teria lugar com um ébrio como Yeltsin.

Como pude já escrever, estou firmemente convicto de que existem nos Estados Unidos grupos – mormente agências, universidades e fundações – que vêm construindo dados destinados a criar um lastro no domínio da opinião pública – americana e mundial – que permita apontar a China e a Rússia como estando a desenvolver uma agressão aos Estados Unidos e, logo, ao Ocidente. Certo é que este caso dos hackers chineses quase não foi falado por entre nós. Para já não referir ações deste tipo, mas praticadas, por todo o mundo, pelos Estados Unidos. É a estrórdinária isenção da democracia.

A PEDRA NO SAPATO
Não creio que exista hoje muita gente informada, sem grandes interesses em jogo, que não tenha percebido o embuste em que se constituiu o caso do traidor Seguei Skripal. A verdade, tal como logo escrevi no meu primeiro texto sobre o tema, é que acabaram por não morrer...

Como teria de dar-se no seio da nossa grande comunicação social – foi assim em quase todo o Ocidente –, ninguém se determinou a referir que muito perto de Salisbury se situa um complexo ligado ao fabrico de substâncias químicas de ponta, muitas delas extremamente perigosas. É verdade que José Goulão nos expôs esta realidade, até com grande pormenor, mas o que se seguiu foi o quase silêncio sobre esta realidade.

Pois, eis que, num destes dias, mais um casal se viu atingido pela tal substância que só seria dominada pela Rússia, vindo já do tempo da extinta União Soviética. Claro que os mais atentos e independentes de pronto perceberam que tal afirmação não podia corresponder à verdade, mas os nossos jornalistas, analistas, comentadores e outros especialistas teriam de dizer o que sabiam ser o desejado. Logo, teria sido a Rússia de Putin. O problema é que este casal não é russo, embora ainda possa vir a criar-se a historieta de que vinham trabalhando para a Rússia e pretenderam pôr um fim em tal tarefa.

A propósito destes dois casos, convido os leitores a procurarem, de um modo perseverante, obter, ou simplesmente ler, o COURRIER Internacional de junho, que contém um mui interessante trabalho sobre o regresso do tempo dos espiões, prestando especial atenção ao primeiro parágrafo começado na página 42. Está aqui, de um modo bem resumido, o que tem sempre de passar-se como consequência de se fugir, seja de onde for, demandando o Reino Unido, acabando por sujeitar-se a tudo... Quem não ler este texto, fica a perder.

O MUNDIAL DA RÚSSIA
Como teria de dar-se, lá acompanhei todo o Mundial da Rússia. Um torneio exemplarmente organizado, que já está a deixar uma marca fortíssima no imaginário coletivo mundial. Há já quem diga que este torneio passará a constituir uma marca histórica ao nível deste tipo de acontecimentos mundiais: antes do Mundial da Rússia e depois do Mundial da Rússia.

Certamente sem ser por acaso, a própria equipa da Rússia chegou a um lugar que muitos não imaginaram. Espero agora que não surja por aí mais uma invenção anti-Putin, como a da dopagem dos atletas russos e de diversas modalidades. Talvez com Donald Trump como presidente dos Estados unidos se acabe por fugir a este tipo de métodos.

Quando escrevo este texto, ainda me interrogo sobre se o antigo guarda-redes do Sporting, que foi comentador de certa televisão, ou se o presidente da FIFA, não virão a encontrar escolhos nas suas trajetórias profissionais. Com o Ocidente tal como hoje se encontra, bom, quase tudo passou a valer.

UMA EQUAÇÃO QUE SE VAI RESOLVENDO
Desde a vitória de Donald Trump nas eleições para o Presidente dos Estados Unidos que escrevi que um general não faz um exército. A prova está hoje à vista, uma vez que o que se passa na vida interna norte-americana e nas relações dos Estados Unidos com o mundo só pode ser aplicado se tiver o apoio de grande parte das forças vivas norte-americanas.

Também escrevi, e mantenho, que Donald Trump é um bronco. É até alguém grosseiro, sem grandes modos de educado relacionamento com quem quer que seja e desde que entenda ser tal atitude necessária. Mas o que hoje já posso dizer é que Trump se determina por uma manifestação de certas realidades objetivas. Expõe essas realidades à vista de todos, ao invés de as tratar na sombra, como é usual um política e na diplomacia.

Todos os mais atentos se recordam bem do que nos era contado pelos nossos políticos, jornalistas, analistas e comentadores: a União Europeia era o maior mercado do mundo, com centenas de milhões de cidadãos, capaz de fazer frente, a prazo, aos Estados Unidos e à China. Para já não falar da Rússia, para mais conduzida ao descalabro por Gorbachev, ficando num estado muito desagradável com o consulado do ébrio Boris Yeltsin. Ao mesmo tempo, a União Europeia, malgrado estas palavras de triunfo sobre alheios, menosprezava os próprios europeus, deitando por terra todo o fundamento do Estado Social, atingindo recentemente o desumano e condenável espetáculo que se tem visto com os refugiados das guerras que França, Inglaterra e Estados Unidos levaram ao mundo islâmico. No Médio Oriente e no Norte de África.

Hoje dominados pela grande política dos interesses, os políticos europeus mostram-se naturalmente fracos. De resto, estes políticos dirigem uma estrutura em que ninguém realmente acredita e pela qual nenhuma pessoa com um mínimo de juízo estará na disposição de correr risco de vida em sua defesa. Mais do que europeus, cada um dos povos da Europa tem as suas raízes fundadas na História e são essas raízes que determinam a marca identitária que os leva a sacrificarem-se em favor de um coletivo.

Sem um ínfimo de lógica, os Estados Unidos de Barack Obama deitaram-se a colocar limitações à Rússia de Putin ao redor da dita anexação da Crimeia. E, dentro do que seria de esperar dos políticos europeus de hoje, de pronto estes se alinharam com as posições extremamente limitadores derivadas das sanções à Rússia. No fundo, se quisermos ser intelectualmente honestos, este foi o mesmo comportamento gnomo que os políticos europeus de hoje tiveram na recente cimeira da OTAN: quietinhos e caladinhos. Reações muito distintas, por exemplo, das de De Gaulle perante a OTAN, ou com a subida a potência nuclear.

Disse o Papa Francisco, numa das suas primeiras intervenções, que se vivia uma guerra mundial em pedaços. A verdade é que não foram a China ou a Rússia que geraram uma tal situação. Nem foram estes Estados que levaram a miséria, a fome, o subdesenvolvimento e as guerras a uma enorme parte do continente africano. Quem o fez, e de novo, foram as antigas potências coloniais com capacidade para exploração dos territórios africanos em regime neocolonial. E deitaram mão de tudo, incluindo a corrupção e o financiamento partidário. Para já não referir a rápida caminhada no sentido da destruição da própria Terra.

No meio de tudo isto, Donald Trump fez o que nunca ninguém havia feito ou mostrara coragem para fazer: apoiou incondicionalmente Israel e a transferência da embaixada norte-americana para Jerusalém; encontrou-se com Kim Jong-un, colhendo alguns resultados que geraram logo um ambiente propício à construção da paz; apontou sempre a mentira ao redor da responsabilidade russa, mormente do seu presidente, em torno da sua vitória eleitoral; e defendeu, incondicionalmente, os interesses dos Estados Unidos, olhando como concorrentes perigosos os que podem pôr os interesses do seu país em causa. Bom, é um bronco, é um grosseirão, mas é claro, direto e vai pelo caminho que pensa ser o melhor para os Estados Unidos. E era assim que os políticos europeus deviam fazer, ao invés de se subordinarem, mesmo agora, com Trump, à grande estratégia dos Estados Unidos.

Por fim, é essencial compreender a aceitação de Donald Trump em face da palavra a si dada pelo seu homólogo, Vladimir Putin: quem é que pode confiar em agências que, em plena véspera de uma cimeira, surgem com uma dúzia de nomes de supostos espiões?! Quase com toda a certeza, Donald Trump não se esqueceu do conselho que lhe deu Barack Obama: não hostilize a CIA, e não mande averiguar o caso do servidor particular de Hillary Clinton... O problema é que Trump é um bronco, mas não é estúpido. Ele sabe bem que há muito muitos se esfalfam por o pôr na rua. Ele é o Presidente dos Estados Unidos, pelo que usa essa função de um modo tão amplo e independente quanto possível. Mesmo um bronco, que razões que pode um presidente ter para acreditar numa estrutura que se move por caminhos secretos, naturalmente com amizades, inimizades e simpatias? Afinal, quem foi eleito foi Donald Trump e não os funcionários da CIA, do FBI, da DEA, da NSA, etc.. Portanto e dentro de amplos limites constitucionais, ele conduz a política dos Estados Unidos à luz da sua conceção política. Depois se verá se os norte-americanos o voltam a eleger para um segundo mandato. Um dado é certo: Trump é um bronco, mas não é nada estúpido.

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