Novelas extraordinárias

|Hélio Bernardo Lopes|
Que a classe política mundial enlouqueceu razoavelmente, bom, já não se duvida. A generalidade das pessoas que conseguem sentir-se num ambiente onde não tenham medo, de pronto se abrem ao redor desta realidade. 

De um modo muito geral, deixou de acreditar-se em quase tudo e nas próprias instituições. De resto, instituições as mais diversas. Até ao nível das amizades. Mais: até dos simples conhecimentos, a confiança no próximo é hoje coisa deveras exígua. Duvida-se de quase tudo e de quase todos. De molde que nos vão surgindo novelas absolutamente extraordinárias. Uma destas novelas, por acaso com componentes diversas, varre hoje o mundo do nosso futebol. Mesmo do desporto.

Tivemos, em tempos, a novela Apito Dourado, que se saldou em quase nada. Chegou-nos, há pouco, a novela Benfica e, mais recentemente, a novela Sporting. Pelo meio de tudo isto, aspetos os mais diversos, que nos permitem perceber o estado de caos moral a que Portugal chegou ao fim de mais de quatro décadas da Revolução de Abril. E se lá se conseguiu vencer o anterior Europeu de Seleções – um quase-milagre –, já a todos surgiu a velha máxima de que de Espanha nem bom vento nem bom casamento... E então na Rússia de Putin, que os neoliberais que nos vêm desgraçando identificam como Mefistófeles!

Claro está que os atuais temas do Benfica e do Sporting já entraram na zona da chacota. Sobretudo o deste último, até por nos ter sido dado ver aquelas cenas de Alcochete, fazendo-nos lembrar uma verdadeira Carga da Brigada Verde. Desde aí, bom, tem sido uma autêntica sucessão de insucessos que se vêm sucedendo sucessivamente sem cessar. E se de certo nível surgem imagens de autêntica loucura, logo de um outro as referidas são mais da zona da pastelaria belenense. Simplesmente, há outros níveis. Um deles é o do comentário profissional televisivo: imparáveis comentários em vai-vem. O certo de hoje é o incerto amanhã. Se as rescisões são uma certeza, tornam-se incertas em pouco tempo. Um outro nível é o do comentário leonino interno: as grandes personalidades. Aqui, como pude já referir, surge uma autêntica aplicação da Teoria da Decisão, mas olhada em situação de incerteza. No fundo, há sempre o dia de amanhã...

Mas há um outro nível nem sempre muito referido: o da Justiça. Raros compreendem hoje que este caso fabuloso do Sporting Clube de Portugal possa assim continuar nas calmas, materializando-se em sucessivos episódios de uma autêntica sucessão. Agora já de um modo evidente, Portugal deixou de ser um Estado forte, dado que o Governo o não é. E não me refiro ao atual Governo, mas a todos, fruto do caldo de cultura entretanto criado, mais ou menos, ao Deus dará. Passa o tempo e a vida lá vai correndo... Saldo objetivo: tudo a pior. Este caso do Sporting Clube de Portugal, indubitavelmente, constitui-se numa demonstração desta minha conclusão: tudo a pior.

No meio de tudo isto, aí nos surgiu a notícia de que o nosso concidadão Mário Machado poderá vir a liderar a claque leonina. O que significa que, com ou sem Mário Machado, parece que os clubes continuam a aceitar a existência de claques, sabendo-se perfeitamente as situações a que conduzem e o alarme social que geram no seio da comunidade. O quartel-general, portanto, em Abrantes...

Num ápice, no meio desta notícia sobre Mário Machado, de pronto nos surgiu a Inspetora-Geral da Administração Interna, Margarida Blasco Teles de Abreu. Em entrevista ao Público e à Renascença, confirmou que existem suspeitas sobre a presença da Extrema-Direita nas forças policiais, descartando porém uma infiltração organizada. Segundo referiu, existem queixas e estão a ser investigadas.

De tudo isto há um dado que penso merecer uma nota: não existe uma infiltração organizada. Bom, é natural que assim seja, porque para tal seria necessária uma doutrina ideológica que servisse de cimento dessa mesma organização. Ora, uma tal realidade só poderá surgir numa fase avançada do processo de enraivecimento dos elementos policiais hoje presentes nas diversas forças de segurança. Se um dia surgir uma tal organização, essa terá de surgir por dentro, fruto de frustrações terríveis derivadas de pressões e situações muito difíceis de suportar, que poderão gerar revoltas de baixa energia explosiva, mas viradas para um fim comum e aceite numa onda que poderá crescer.

Um dado é hoje certo para mim: a grande criminalidade organizada, mesmo de modo transnacional, sabe muitíssimo bem que as terríveis condições em que têm de funcionar os agentes de segurança os potencia para uma possível revolta (lenta e de baixa energia) contra as situações em que se veem obrigados a desempenhar as suas funções. Basta que o leitor reflita nisto: que motivação pode hoje ter um soldado da GNR, ou um guarda da PSP, em muitos casos com o Secundário e mesmo licenciados, alguns, porventura, com mestrado?

Por fim, a uma primeira vista parecendo nada ter que ver com as extraordinárias novelas deste tempo, as palavras desta quinta-feira do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Num jantar do Congresso da Associação Mundial de Jornais, em Lisboa, o Presidente da República salientou que o que é mais preocupante é, em democracias, esta nova moda das democracias iliberais, que não são democracias: os populismos, as xenofobias, as exclusões, o unilateralismo, o ataque às organizações internacionais, estes movimentos e estes partidos que surgem. Um domínio sobre que concluiu: é preocupante ver como estes movimentos e partidos se tornam tão poderosos, tão importantes, que a certo ponto discutem a própria ideia da União Europeia, da integração europeia que foi o resultado de 60 anos.

É para mim espantoso que um académico do Direito possa mostrar esta admiração com uma situação que mais não é que a consequência de se ter construído a União Europeia completamente à revelia da generalidade dos povos, para mais com graves consequências de instabilidade social para as pessoas e as famílias. Infelizmente, lá acaba por se nos mostrar sempre subordinada à grande estratégia dos Estados Unidos. A uma primeira vista, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa parece não se dar conta de que a União Europeia é apenas tolerada, mas não, de facto, amada. E parece, por igual, não dar grande importância à referência de Jaime Nogueira Pinto, em certo EXPRESSO DA MEIA-NOITE recente, de que o ordenado mínimo nacional em 1974 era superior ao atual. Pelo meu lado, e do que conheço do dia-a-dia, a generalidade dos portugueses não tem um mínimo de interesse pela União Europeia, nem alguma vez estaria na disposição de pegar em armas para a defender. Façam os políticos um bom trabalho, distribuam bem a riqueza, confiram às pessoas segurança e dignidade, e elas confinar-se-ão aos partidos tradicionais. Só muda quem se sente mal. Pior quando essa mudança ocorre em grandes números.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN