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|Hélio Bernardo Lopes| |
A INENARRÁVEL SAGA LEONINA
Um dos elementos desta fantástica e interminável sequência é o que se vem passando no seio do Sporting Clube de Portugal. A Natureza impôs a sucessão dos dias e das noites, com as caraterísticas que se nos mostram no Planeta. Já sem espanto, ou mesmo com ele, surgem-nos novidades e o seu contrário a cada novo dia. Mas o que ainda conseguiu criar em mim algum espanto foi ver Fernando Correia a falar como se pôde ver neste feriado do Santo António! O que me permite, mais uma vez, colocar esta pergunta: por onde anda o Direito?
Confesso que ainda consegui sorrir, até com razoável abertura, quando vi a imagem da procuradora Cândida Vilar, acompanhada da citação do encontrado pela RTP 3 no despacho da magistrada. E também o que foi referido sobre o mesmo, mas ao nível de certo juiz do Tribunal do Barreiro. Simplesmente, foi luz de pouca dura, porque logo nos foi referido que o dito por uns já era desdito pelos outros, sendo a recíproca igualmente verdadeira. Uma lamentável paródia, mas terrivelmente trágica.
VERGONHA E CRIME
Uma outra tragédia é a que está a ser vivida pelos náufragos a bordo do navio Aquarius. Uma tragédia que envergonha a União Europeia e uma ampla parte dos seus Estados, mas que se constitui num quase-crime, uma vez que se materializa na omissão de auxílio a náufragos em alto mar. Não deixa de ser revoltante poder assistir ao quase silêncio das grandes personalidades da política mundial, mas também da generalidade dos líderes das grandes religiões de referência no mundo. A própria comunicação social trata este caso, em termos de volume informativo, a um nível incomensuravelmente inferior ao que pratica com a bola nossa de cada dia.
Objetivamente, raros referem o que verdadeiramente está por detrás desta tragédia e de outras similares. Ainda há dias se tomou conhecimento da destruição de um hospital por via de bombardeamentos da coligação entre Estados Unidos e Arábia Saudita, com centenas de mortos, mas quase sem ter sido tal por aqui noticiado. Uma tragédia moral, objetivamente criada pelo Ocidente ao mundo islâmico.
UMA PARÓDIA PERIGOSA
No entretanto, prossegue, nos Estados Unidos, a paranoia contra a Rússia, há muito envolta em torno da indigerível vitória de Donald Trump sobre os seus adversários. Simplesmente, poucos imaginariam o que há dias o histórico Rudy Giuliani nos veio assegurar: o Presidente, provavelmente, perdoar-se-á, porque a Constituição não diz que não pode fazê-lo.
O tema tem tanto de fantástico como de impensável e de engraçado, mas abre a porta a mil e um estudos sobre Direito Constitucional Comparado. Será que o nosso Presidente da República, com aquela sua dificilmente igualável imaginação e simpatia, tratará, mesmo que à luz de uma tentativa de comparar Direitos, o tema no encontro que irá ter com Donald Trump? Claro está que é altamente improvável, mas seria sem dúvida interessante uma tal conversa.
DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS...
Dentro da sua histórica tradição, os Estados Unidos lá vetaram, no Conselho de Segurança, o projeto de resolução proposto pelos países árabes, que se propunha proteger os palestinianos na faixa de Gaza. Uma resolução cujo teor foi redigido pelo Koweit e que foi apresentada na sequência na morte de dezenas de manifestantes em Gaza e na Cisjordânia ocupada.
A cínica Nikki Haley, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, considerou esta proposta de proteção internacional uma abordagem grosseiramente unilateral e moralmente falida. E, com uma lata que nem o Diabo conseguiria adotar, salientou que a referida resolução iria minar os esforços de paz entre Israel e os palestinianos!!! São os Direitos Humanos à Americana. Em todo o caso, nada de muito distinto da sua observância no espaço da União Europeia.
Num destes dias, a eurodeputada Marisa Matias manifestou-se indignada e revoltada com o facto de os intérpretes do Parlamento Europeu estarem de greve e terem sido obrigados a trabalhar. O grande erro de Marisa Matias é continuar a esgrimir a sua luta à luz da ideia de que, no contexto atual do mundo neoliberal e global, os Direitos, as Liberdades e as Garantias ainda continuam a poder estar presentes. Marisa, a uma primeira vista, não terá ainda conseguido aceitar que a democracia é (quase) já só uma palavra.
SÓ PELA FORÇA
Vergonhosamente, a arquidiocese de São Paulo e Minneapolis, no Estado de Minnesota, lá acabou por concordar em pagar 179 milhões de euros a quatro centenas e meia de vítimas de abusos sexuais por parte de clérigos. Uma vergonha para que não existem palavras. Nem sei se, um dia, Deus será capaz de perdoar os autores de tais crimes.
Nesta onda criminosa, veio agora a saber-se que também na Holanda um mínimo de quinze mil meninas foram obrigadas a trabalhar para as monjas da Ordem Católica do Bom Pastor em condições de extrema indignidade e autêntica violação da dignidade humana.
Na sua maioria, estas meninas – também mulheres adultas – haviam sido mães solteiras, mulheres incapacitadas ou prostitutas, que acabaram por ver-se obrigadas a trabalhar em condições semelhantes à escravatura praticada entre 1860 e 1973 nas lavandarias e casas de costura desta mesma congregação na Holanda. Infelizmente, a Ordem Católica do Bom Pastor já tinha estado envolvida em escândalo similar, mas na Irlanda, através das designadas lavandarias das Madalenas. Um verdadeiro teatro de horror, por onde cerca de dez mil mulheres jovens foram forçadas a trabalhar desde a década de 1920 até 1996.
Mas também no seio das estruturas da Igreja Católica Romana têm tido lugar casos destes, mas envolvendo os próprios sacerdotes, eles também vítimas de colegas seus. Muito recentemente, o Papa Francisco recebeu cinco sacerdotes chilenos que foram vítimas de abusos do padre Fernando Karadima e dos seus seguidores na paróquia d’El Bosque: cinco sacerdotes que foram vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais. Um mimo...
O MODELO
Como seria de esperar, análises recentes a águas residuais de Lisboa, Porto e Almada confirmaram a tendência de aumento do acesso a cocaína. Estranho seria que assim não fosse, para mais com Portugal a servir de porta de entrada dos grandes carregamentos oriundos do subcontinente americano, talvez também do norte africano.
Este aumento do consumo de cocaína tem lugar, sobretudo, na Grande Lisboa e no Grande Porto, acompanhando a tendência europeia neste domínio. E tudo isto envolto numa tendência para o aumento do consumo de estupefacientes no espaço europeu. Enfim, um outro mimo, mas que mostra que essa historieta do nosso excelente modelo é só mesmo isso: uma historieta.
A RAZÃO DOS PROFESSORES
No meio da balbúrdia em que o Governo de António Costa se envolveu com os professores – uma sina do PS...–, acaba por nos causar graça a objetiva razão de Castro Almeida, atual dirigente do PSD de Rui Rio: cumprir a promessa aos professores vale mais que umas décimas no PIB. E como não teria de acertar-se no alvo, se este se move à procura da bala, qual estrutura anti-tiro?!
TRIPLAMENTE DESAGRADÁVEL
Terminou, finalmente, a saga com que o nosso Sistema de Justiça envolveu o nosso antigo deputado e ministro, Paulo Pedroso, ao redor do caso Casa Pia. Um erro judiciário clamoroso, para o qual pontificou o tradicional caminho de tentar minimizar escombros: o erro não teria sido clamoroso.
A verdade é que este caso causou três vítimas. Atingiu, mais uma vez, a imagem de Portugal. Atingiu, por igual, a imagem do nosso Sistema de Justiça. Mas atingiu, lamentavelmente e muito acima do resto, a vida do antigo deputado e ministro, Paulo Pedroso. E já reparou o leitor o modo híper-escasso como a nossa grande comunicação social noticiou a recente decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos? Ainda consegue recordar o modo infame como tantos trataram Paulo Pedroso à luz do que, afinal, nunca havia tido lugar? É a democracia, meu caro. É a democracia em movimento e no tempo que passa: o da tal inenarrável saga leonina.