Rara lucidez

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi do modo mais inesperado que recebi a notícia de que José Sócrates iria deixar o PS. Por acaso, o partido de que esteve prestes a não ser filiado, dado ter sido, ao que sempre se disse, a sua segunda escolha. 

Tenho para mim, porém, que tal decisão se traduz hoje num ato de rara lucidez, uma vez que José Sócrates, independentemente do resultado do seu julgamento, não mais irá regressar à política. Há limites para tudo o que decorre no mundo físico, sendo muito difícil acreditar que o antigo Primeiro-Ministro ainda possa determinar-se a viver no terrível ambiente que é hoje o da política da III República.

No texto que publicou, José Sócrates mostra-se atingido pelas posições dos seus antigos camaradas partidários, mas a grande e indiscutível verdade é que ninguém no PS – Ana Gomes será a exceção – alguma vez o tratou fora do princípio da presunção de inocência. Outra coisa é dizer, ou fazer, o que quer que seja que possa ser interpretado como uma interferência no decurso de um processo judicial. E foi sempre esta a posição assumida pela liderança do PS. Mesmo Mário Soares, depois daquelas palavras para com o juiz Carlos Alexandre, de pronto se resguardou, só não tendo sofrido piores consequências por ser a personalidade política relevante que era na História da III República Portuguesa.

Se José Sócrates não se encontrasse na situação que é hoje a sua e fosse interpelado por jornalistas questionando-o sobre o que sentiria se alguém viesse a ser condenado por certo ilícito, certamente que responderia deste modo: desconheço o que possa ter-se passado, mas acredito na inocência do meu amigo, mas se se vier a provar algum ilícito, pois, deve ser aplicada a legislação adequada. Nunca seria algo de muito distinto, porque não poderia ser de outro modo.

Em contrapartida, José Sócrates pode queixar-se de três aspetos diversos ligados ao seu caso. Por um lado, as constantes violações do segredo de justiça, com certa parte da grande comunicação social sempre a operar um autêntico julgamento sobre o que possa ter-se passado. Ou não. Por outro lado, o facto de ter o seu caso sido tratado como uma singularidade, quando casos similares nunca se viram confrontados do mesmo modo. E, depois, as consequências da própria natureza humana, sendo de crer que se Sócrates estivesse na liderança do PS e algo do género do que o atingiu agora atingisse um camarada seu, faria precisamente o mesmo. As instituições, nacionais ou partidárias, têm sempre de ser preservadas. Basta recordar, por exemplo, Edmundo Pedro e o caso das armas. Ou o que sempre envolveu o general Amadeu Garcia dos Santos.

Um ponto há, infelizmente, que é muito singular no PS: o que leva a esta modo ridículo de tratar com dificuldade e atabalhoamento o que é até simples de esgrimir. Veremos agora se José Sócrates será capaz de manter uma atitude de verdadeiro cidadão republicano, ou se se determina antes a tentar atingir todos e alguns mais, mormente ao nível do seu partido. Infelizmente para José Sócrates, ele já se encontra condenado no tribunal da grande comunicação social, hoje completamente alinhada com a Direita e com os grandes interesses que se viram atingidos com a Revolução de Abril. O que agora teremos a oportunidade de poder ver é uma radiografia do seu real caráter. Espero que a mesma não nos revele nada de mal e de inesperado. Para já, esta decisão de José Sócrates revela uma rara lucidez.

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