A vida corre

|Hélio Bernardo Lopes|
Como usa dizer-se, a vida corre. E acontece assim a todos os níveis e nos mais diversos setores. É de um rol razoável destes que aqui me determinei a escrever.


1. Ontem mesmo, cerca de três centenas de pessoas operaram uma manifestação em São Petersburgo, a fim de denunciar os atos de tortura que serão praticados pelos Serviços Especiais. Quase com toda a certeza, estes manifestantes deverão achar que tais práticas, para lá de desumanas, serão claramente ilegítimas. Porventura, mesmo ilegais. Assim não se deu com Gina Haspel, agora já aceite como nova diretora da CIA, onde substituiu Mike Pompeo, que é atualmente Secretário de Estado. Esta senhorinha não esteve com meias medidas, presenciando mesmo a aplicação de torturas a diversos detidos na sequência do 11 de Setembro. A vida corre.

2. Ao mesmo tempo, o Papa Francisco apelou hoje à Venezuela para que tenha a sabedoria de encontrar o caminho da paz, assegurando rezar por todos os presos que morreram no seguimento de um motim na prisão. Em contrapartida, não procedeu de igual modo para com os governantes de Israel, pedindo-lhes para que respeitem as instituições do Direito Internacional, mormente as destinadas à construção da paz e à criação do, desde há décadas inexistente, Estado da Palestina, também com capital em Jerusalém. Enfim, a vida corre.

3. Simultaneamente, num destes dias, Donald TusK salientou publicamente que o mundo está hoje a testemunhar um fenómeno novo, a afirmação caprichosa da administração norte-americana. E formulou esta pergunta: com amigos destes, quem precisa de inimigos? Será que é imaginável que algum político português, para lá do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes, possa assumir publicamente uma tal pergunta? Claro que não! Portanto, a vida corre.

4. Da Colômbia chegou-nos a confissão pública do seu Procurador-Geral: estamos inundados de cocaína, pelo que é preciso repensar as políticas para acabar com os cultivos ilegais. Bom, no mínimo, reconhece uma conhecidíssima realidade. Infelizmente, uma realidade que se projeta, com objetivos distintos, por todo o mundo. Sobretudo, nos Estados Unidos, mas também na Europa, com essa porta de entrada privilegiada que é Portugal. Uma realidade sempre apontada pelas Nações Unidas e em sucessivos relatórios da Secretaria de Estado dos Estados Unidos. Por fim, o Procurador-Geral da Colômbia salientou que onde há cartéis, crime organizado, pouca presença do Estado, a corrupção domina. E quando se sabe que a corrupção domina? Nesta situação, que poderá concluir-se, ao menos em termos de probabilidade, sobre a presença de crime organizado e de cartéis, até em domínios diversos? E a vida corre.

5. Regressando ao Vaticano, eis que nos veio agora propor a criação de um imposto mínimo sobre as transações offshore e de comités éticos nos bancos, a fim de se controlar a emissão de produtos financeiros imorais. Foi o que nos chegou através de um documento assinado pelo Papa Francisco.

Neste documento sublinha-se que não é possível calar que aquelas sedes offshore, em muitas ocasiões, se tornaram lugares habituais para a lavagem de dinheiro, isto é, dos resultados de receitas ilícitas (furtos, fraudes, corrupção, associações para delinquir, máfia, saque de guerra...).

Este documento é espantoso por duas razões. Por um lado, porque chega tardíssimo. Por outro, porque a estrutura económica e financeira ocidental – neoliberal e global – só pode sobreviver por caminhos como o ora condenado no documento dado ao mundo. E, como realmente penso, o seu impacto será praticamente nulo, só sendo viável num outro lugar do Universo. E assim a vida corre.

6. Com um espanto enorme foi como tomei conhecimento das declarações do Presidente Jorge Sampaio sobre o Conselho de Segurança das Nações Unidas: a paralisia geral do Conselho de Segurança da ONU tem mostrado, infelizmente, incapacidade para se avançar para negociações de paz na Síria. Mas porquê a Síria e não o Iémen, ou o direito do povo palestiniano a ver nascer, nos termos legais, o Estado da Palestina?! No fundo, Jorge Sampaio parece não entender que os casos bélicos no mundo de hoje estão sempre condicionados pela vontade dos Estados Unidos. Com ou sem Conselho de Segurança, seja este ou outro qualquer. Então e o acordo com o Irão, que até teve o apoio dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e da Alemanha?!

Verdadeiramente espantado foi como fiquei ao escutar do nosso antigo Presidente da República a afirmação, certamente convicta, de que será a estrutura atual do Conselho de Segurança a razão pela qual as Nações Unidas têm um trabalho muito difícil para resolver a crise síria. Fiquei espantado, porque basta olhar o caso do acordo com o Irão, para logo se perceber que a causa de todos os males está na omnipresença político-militar dos Estados Unidos no mundo. Nós tínhamos visto o Conselho de Segurança funcionar plenamente, mas bastou que Donald Trump deixasse de cumprir o assinado para, de pronto, os restantes signatários lhe seguirem as pisadas. Ao princípio, com aparente desacordo; num segundo tempo, aceitando já tudo. Como se vê, a vida corre.

7. Por fim, o caso do Sporting Clube de Portugal com Bruno de Carvalho. Bom, vivo perplexo com este caso, de algum modo ligado ao Direito. Afinal, Bruno cai, ou não cai? Quantos dias, semanas ou meses – e anos? – ainda terão de correr para se tentar salvar da morte uma das principais pérolas da nossa cultura desportiva? Será que, também aqui, a vida vai continuar a correr, sempre com tudo de mal a pior? Bom, ao que parece, a vida corre mesmo!

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN