O Catedrático

|Hélio Bernardo Lopes|
Constitui um dos acontecimentos mais interessantes da vida política portuguesa a recente notícia de que Pedro Passos Coelho vai exercer as funções de professor catedrático do ISCSP, estrutura universitária da Universidade de Lisboa, embora na qualidade de professor convidado.

Uma situação que requer que se conheça o modo português de estar na vida e o facto de não ter a generalidade dos portugueses um mínimo de interesse pelo funcionamento da democracia ou do dito Estado de Direito Democrático (e Social, como o acrescentou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso de tomada de posse).

Acontece que situações deste tipo são correntes nos Estados de maior importância, mas porque os convidados são, de um modo muito geral, personalidades que viveram situações de grande importância na vida dos seus países e na da Comunidade Internacional.

Entre nós, este caso atual de Pedro Passos Coelho apresenta dois isomorfismos históricos: os casos de António de Spínola e de Francisco Costa Gomes, feitos marechais sem mais nem menos. E, não fora a verticalidade religiosa, ética e moral de António Ramalho Eanes, e lá teríamos tido um novo marechal no nosso Exército. Por um acaso, acontece que António de Spínola até se deu ao luxo de fugir de Portugal, sem um ínfimo de razão, acabando por fazer, por lugares diversos do mundo, tristes figuras.

É verdade que é frequente este tipo de situações, mas não em Portugal. E há razões para que sempre tenha sido assim. De um modo muito geral, claro está. Desde logo, se a razão é a que deriva da sua experiência, então seria essencial fazer o mesmo com os nossos almirantes e generais, com os anteriores Presidentes da República, com os Presidentes da Assembleia da República, com o Presidentes dos Tribunais Supremos, etc.. E já agora: será que a Academia das Ciências de Lisboa também virá a convidar Pedro Passos Coelho para seu membro e já mesmo de topo? E o que farão a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Academia Portuguesa de História?

Um dado é importante neste domínio: sai a perder, no meio desta infeliz ideia, o ISCSP. E porquê? Por esta razão simples: se Pedro Passos Coelho fosse médico, ou engenheiro, ou farmacêutico, ou advogado – entre outros exemplos simples de depreender –, ninguém imagina que viesse a ser convidado para exercer as funções de professor catedrático numa faculdade pública de uma qualquer instituição daquelas áreas. Nestes casos ele teria mesmo de saber da temática a ensinar. Diferente é o caso que agora vai ter lugar no ISCSP, onde irá ensinar Economia e Administração. No fundo, coisas de tudo e de nada, ou o mundo não seria como se vê, nem caminharia para a desgraça que já se prevê. De resto, se Pedro Passos Coelho fosse assim tão conhecedor de Economia e de Administração, nunca teria apostado na chegada do Diabo...

Acontece que nós vivemos em Portugal, onde este tipo de situações não são facilmente aceitáveis. Vimo-lo com Vasco Lourenço, que comandou a Região Militar de Lisboa, com Otelo, que comandou o COPCON, com Garcia dos Santos, que atravessou um verdadeiro inferno por ter sido CEME sendo oriundo da Arma de Engenharia, etc.. Naturalmente, o caso vai agora tornar-se anedótico, sendo legítimo perguntar, por exemplo, para que agregação irá ser convidado Paulo Portas. Ou quando será o licenciado Miguel Relvas convidado como professor auxiliar... Ou seja: estando em Portugal, passa a valer tudo. E já agora: será que Pedro Passos Coelho acabará até por vir a ser membro de um qualquer júri de mestrado, de doutoramento ou de agregação? Sim, porque agora, mesmo como convidado, ele vai ser...catedrático.

Por fim, uma pergunta: irá a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa convidar António Lobo Antunes para professor catedrático de Teoria da Literatura? Aqui, indubitavelmente, existia uma fortíssima lógica decisória, coisa cabalmente ausente no caso do anterior Primeiro-Ministro. Sabe o que lhe digo, leitor? Temos a democracia! É uma pândega!!

E mesmo por fim: já imaginou o que se escreverá sobre Pedro Passos Coelho se se determinar a concorrer ao Presidente da República? Lá pelo meio do currículo, logo surgirá: é professor catedrático – nunca se dirá a palavra ‘convidado’...– do ISCSP da Universidade de Lisboa, onde ensinou Economia e Administração. A populaça – quem sabe? – lá ouvirá, comerá e papagueará. É a democracia portuguesa em movimento...

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