A quadratura do círculo

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi com ar algo aparvalhado que na noite de ontem assisti à entrevista concedida pelo nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, à SIC Notícias, nas pessoas de Pedro Mourinho e da sua colega Patrícia. 

Um ar aparvalhado que resultou, muito acima de tudo, do que tive a oportunidade de ouvir do ministro, mas também do modo como os dois jornalistas desenvolveram a entrevista. Embora, como pude já salientar por vezes diversas, nunca tenha esquecido o histórico discurso de Salazar, pelo final da década de 50, no Palácio da Bolsa, no Porto.

Augusto Santos Silva é um dos ministros com maior gabarito político do atual Governo de António Costa, tendo desempenhado um conjunto muito vasto de funções políticas de primeiro plano em qualquer país do mundo. E foi com enorme dor que lhe pude ouvir defender, autenticamente, a quadratura do círculo ao redor do que está em causa neste caso do (dito) envenenamento do traidor e duplo Serguei Skripal. Como qualquer um com um mínimo de liberdade intelectual facilmente percebe, não existe qualquer prova de que a Rússia foi quem determinou o tal (dito) envenenamento daquele traidor e duplo. É o Reino Unido que diz ter sido a Rússia, mas sem apresentar provas, nem solicitar à Rússia a sua participação direta no esclarecimento do que está em causa.

Convém dizer aqui ao leitor o que ontem mesmo José Goulão expôs na SIC Notícias: o agente químico em causa é possuído pela Rússia, pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e pelo Azerbaijão. E no caso do Reino Unido existe mesmo uma base onde está depositado o referido produto e que se situa muito próximo de Salisbury, localidade onde se diz ter o tal traidor sido atingido. Além do mais, e como por igual pude já explicar, a Rússia seria sempre quem não teria interesse em que tal caso tivesse lugar, porque se tivesse sido o Reino Unido a operar o referido ato, seria sempre sobre a Rússia de Putin que recairiam os olhares primários e mais imediatos.

Imagine agora o leitor esta historieta, que invento aqui com a finalidade de lhe permitir perceber o inenarrável argumento de ontem de Augusto Santos Silva. O Presidente da República de Portugal – um qualquer e em dado momento – visitava oficialmente os Estados Unidos. Estando em jogo um qualquer conflito entre estes e Portugal, Donald Trump, num dos seus textos pessoais acusava o Presidente da República de ter furtado uma caneta Cross em ouro em certa universidade que visitara. Pois, segundo Augusto Santos Silva ontem nos explicou, passaria a competir ao nossos Presidente da República explicar que não tirara a tal caneta!!!

Pois, foi isto mesmo que o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros explicou a Pedro Mourinho e à sua colega Patrícia: compete agora à Rússia explicar o que se passou, sendo que os russos o não fizeram ainda. Bom, simplesmente inenarrável! Uma resposta que Salazar nunca daria. Inenarrável!!

Mas também hoje se percebe facilmente a razão de se impor limites fortes à comunicação social desse tempo distante, porque o papel dos dois jornalistas da SIC Notícias acabou por ser o de acusadores do Governo de Portugal, à luz desta regra dupla: aceitaram, facilmente, a inversão do ónus da prova defendida por Augusto Santos Silva e encostaram-no à parede, exigindo que Portugal seguisse, consonante e obediente, a voz do dono.

Lamentavelmente, estes dois jornalistas, como a generalidade dos restantes, é completamente incapaz de citar, por exemplo, o caso das armas de destruição maciça do Iraque, sobre que também existiriam provas – Collin Powell mostrou-as nas Nações Unidas...–, mas que, afinal, não existiam. Nunca haviam existido...

O que agora fez Augusto Santos Silva, em nome do Governo de Portugal – também aqui se incluem o Presidente da República e a Assembleia da República –, foi repetir o que em tempos fez o Primeiro-Ministro José Manuel Durão Barroso, que explicou a Francisco Louçã, em plena Assembleia da República, o que se passou, sempre gritando de exaltação: era um aliado, mostraram-me documentos!! Ou seja e segundo Augusto Santos Silva, em nome da nossa soberania: um aliado diz que foi a Rússia, portanto compete a esta mostrar que não foi!!

Aqui está, pois, um isomorfismo do que se deu com Durão Barroso, sempre acompanhado do silêncio do Presidente Jorge Sampaio. Por fim, uma nota. Augusto Santos Silva é um político português de enorme qualidade, mas cuja situação pessoal nada deve à política. É professor catedrático – ah!, não do tipo convidado...– da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e alguém de elevada estatura intelectual, muito para lá da sua especialidade técnica. Pois, aqui digo ao leitor o que faria se estivesse no seu lugar e, como ele, nada precisasse da política para ser alguém na vida: pediria de imediato a demissão do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, onde até seria facilmente substituído, mormente por via de alguém capaz de reconhecer que preto é branco.

Acontece que eu sempre presei muitíssimo a minha liberdade, nunca sendo capaz de dizer que é o acusado que tem de provar a sua inocência em face de uma qualquer acusação. Para mais sem nexo e quando qualquer um percebe facilmente que o Ocidente está a dar passos amplos a fim de criar as razões de aparência forte para pôr em marcha uma guerra contra a Rússia, primeiro, e contra a China, logo depois. Também convém chamar a atenção para facto de o Ocidente estar, por igual, a levar a cabo uma guerra contra o Islão – vivemos hoje uma guerra religiosa no mundo, convindo recordar os recentes casos das Testemunhas de Jeová e da IURD –, que é o que explica o cabal consentimento das Nações Unidas, desde sempre capitaneadas pelos Estados Unidos, a tudo quanto Israel possa fazer de ilegal – já lá vão quase cinquenta anos. E por fim, uma brevíssima notinha: já reparou que até vivemos em democracia?...

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN