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|Hélio Bernardo Lopes| |
Um verdadeiro regime instável, como vai podendo ver-se com o que se vem passando ao redor de quem possa vir a suceder a Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República: cola-se a Direita, qual lapa, à recondução de Joana Marques Vidal, aponta parte da Esquerda o que desde sempre todos defenderam ou apontaram, incluindo a atual procuradora.
Dizem-nos muitos procuradores que a ação de Joana Marques Vidal deve continuar, dado ter sido muitíssimo eficaz, tocando mesmo gente de setores os mais diversos: magistrados ou não, civis ou militares, polícias ou ladrões, políticos ou simples cidadãos, da Esquerda ou da Direita. Simplesmente, uma coisa é tocar a gente a esmo, incluindo os casos Mário Centeno e o deste fim-de-semana, ao redor de Manuel Vicente, outra os resultados finalmente conseguidos. E o resultado desta fase, como se sabe, ainda não se viu de um modo minimamente razoável. O que significa que a posição assumida pela tal parte da Esquerda não pode ser devida a um enviesamento forte da ação do Ministério Público, sim porque o cumprimento de um só mandato e longo foi sempre um denominador comum desde a parte final de José Narciso da Cunha Rodrigues à frente da Procuradoria-Geral da República.
Objetivamente, quem toma Joana Marques Vidal como alguém providencial – ou ela, ou a desgraça – são os tais nossos procuradores, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e...a Direita. O que mostra que, por parte do tal grupo de procuradores, como do respetivo sindicato, a luta é de morte em favor da recondução da atual Procuradora-Geral da República. Precisamente a preferida da Direita.
Ora, neste passado fim-de-semana teve lugar no Funchal mais um congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Como seria natural, sucedeu-lhe um comunicado final, concitando as conclusões do encontro. Sem ter consultado o sítio daquele sindicato, atendo-me apenas ao que foi noticiado das referidas conclusões, percebe-se que o que foi considerado relevante e alvo de referência noticiosa foi que ou surgem mais meios, humanos e materiais, ou o poder político estará a pôr em causa a autonomia e a independência do Ministério Público. Uma autêntica intervenção política, à semelhança da que surgiu do tal comunicado das chefias militares: ou se cumpre o número de efetivos apontado por estas, ou poderá estar em causa a defesa do País e dos cidadãos. Dois casos, pois, de tomadas de posição política, naturalmente contra quem detém o poder no presente momento, o que é logo aproveitado pela Direita. A tal que se bate, com unhas e dentes, pela recondução de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República.
Imagine agora o leitor que um conjunto de governantes que trabalham, ou trabalharam, sob a liderança de António Costa, se determinava a criar um Sindicato dos Governantes Portugueses liderados por António Costa. E que este – não o Governo, claro está...– realizava algo de semelhante ao recente encontro do Funchal. O que diriam, nesta situação, os juízes, os procuradores, os oficiais de justiça, o Presidente da República e...a Direita? Bom, seria o fim do mundo.
Seria, do modo mais objetivo, a violação da separação de poderes. A verdade é que o tal comunicado final do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público é, objetiva e indiscutivelmente, uma peça de intervenção política, o que até se compreende no âmbito da ação de um sindicato. O problema é que aqueles sindicalistas são, muito acima do resto, procuradores da República. Assim disseram todos das óbvias palavras de Francisca van Dunem, sobre o que desde há décadas foi dado como uma regra a seguir na escolha de quem desempenhe o cargo de Procurador-Geral da República: uma coisa é a sua opinião enquanto cidadã, outra enquanto ministra e outra seria logo se, sendo procuradora e não ministra, o fizesse enquanto sindicalista!!
Mostra tudo isto, pois, que Jorge Miranda, como tantos outros, tem, há já muito, a mais cabal razão quando se bate contra o sindicalismo nos universos dos juízes e dos procuradores. Eu mesmo, que sempre aceitei o sindicalismo em causa, sou hoje obrigado a reconhecer que a ação destas estruturas acaba por dar um fortíssimo contributo para a decadência da imagem da Justiça e da própria vida democrática. E por isso volto a instar os leitores a lerem o discurso de Salazar no Palácio da Bolsa, no Porto, pelo final da década de 50 do passado século. Os que o fizerem não deixarão de ficar surpreendidos.