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Porém, dois cenários bastante diferentes poderão estar em jogo na construção destes movimentos, o que tem gerado algum debate entre especialistas. Uma possibilidade é que o cérebro seja capaz de produzir qualquer movimento arbitrário; a outra é que precise de selecionar movimentos possíveis dentro de um conjunto predefinido de tipos de movimentos. É crucial perceber a maneira como os animais organizam os seus movimentos porque esta reflete a forma como funcionam os neurónios que, no cérebro, controlam o comportamento.
Até aqui, tem sido difícil desemaranhar, através de experiências de laboratório, estes dois possíveis cenários (a existência de um leque contínuo de movimentos vs. a de componentes motores não contínuos). Isto porque alguns comportamentos apenas acontecem em condições muito específicas e porque as diferenças entre os movimentos podem refletir estrutura na apresentação dos estímulos e não a resposta motora.
Agora, num novo estudo publicado na revista Current Biology, uma equipa de neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, analisou os movimentos de larvas de peixe-zebra recorrendo a um programa de computador para determinar se a segunda hipótese – a ideia de que as sequências de comportamento motor são compostas de “peças de Lego”, por assim dizer – estava efetivamente na base do comportamento destes animais.
“O nosso objetivo era descobrir qual era o repertório de movimentos que uma espécie possui e de que forma movimentos mais simples eram utilizados sequencialmente para produzir movimentos mais complexos”, diz João Marques, primeiro autor do estudo.
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A equipa, liderada por Orger, também desenvolveu um sistema computadorizado para medir automaticamente – e, portanto, de forma não enviesada – o comportamento dos peixes-zebra numa grande diversidade de situações. “Visto que não se sabia quantos tipos de movimentos são usados por estes animais, queríamos ter a certeza de que a nossa avaliação não seria enviesada por uma visão humana das coisas. Por isso, criámos um algoritmo computacional que identifica os tipos de movimentos e aplicámo-lo aos nossos dados”, explica ainda Marques.
Desta maneira, a equipa conseguiu revelar que as larvas de peixe-zebra usam 13 padrões de movimento diferentes que combinam, ao nadar, para responder às diferentes situações. “O que é surpreendente”, acrescenta Marques, “é que uma abordagem computacional não enviesada pode ser utilizada para identificar diferentes tipos de movimentos e revelar novas características comportamentais que não são óbvias para um observador humano. À semelhança da música, que é feita de notas, os comportamentos complexos tal como a caça ou a interação social são formados a partir de um pequeno conjunto de tipos de movimentos ordenados em sequências específicas.”
Resumindo: recorrendo a um método computacional objetivo que corrige potenciais enviesamentos para avaliar o comportamento, e medindo o comportamento num amplo leque de situações, a equipa descobriu que, pelo menos nas larvas de peixe-zebra, os comportamentos são compostos de um conjunto de movimentos simples que são combinados com flexibilidade nos diferentes contextos comportamentais.
Os cientistas fazem ainda notar que o método que criaram para este estudo poderá ser adaptado a outras espécies animais, incluindo os seres humanos. “Talvez seja possível descobrir se outras espécies também possuem conjuntos de movimentos de base – e, se for o caso, identificar o repertório motor particular de cada uma”, diz Marques.
A análise do funcionamento destes sistemas motores poderá contribuir para o desenvolvimento de robôs móveis. Por outro lado, o peixe-zebra é cada vez mais utilizado como modelo experimental para estudar os mecanismos de doenças neurológicas humanas. O seu cérebro tem muitas características em comum com o cérebro humano e o de outros vertebrados, e ao mesmo tempo é um milhão de vezes mais pequeno, o que faz com que os seus circuitos neurais sejam muito mais acessíveis à experimentação.
Perceber como o peixe-zebra seleciona e executa os seus diversos movimentos – e como este processo é perturbado na doença – pode também dar pistas sobre o que acontece em situações semelhantes noutros animais e até nos seres humanos. Isto poderá um dia ajudar a perceber melhor e a desenvolver tratamentos para combater doenças neurológicas comuns causadas por disrupções nestes sistemas motores.
Fundação Champalimaud
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva