Afinal, quem é que governa?!

|Hélio Bernardo Lopes|
Os portugueses habituaram-se a ouvir falar da designada separação de poderes, embora já raros dos interessados e atentos atribuam a tal ideia um conteúdo real e bem definido. Um pouco como o que também se passa com o conceito de Estado de Direito Democrático, ou com a sua ampliação pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no dia em que tomou posse do seu cargo atual: Estado de Direito Democrático e Social. Dois simples conceitos sem conteúdo bem definido, antes fortemente variável.

Em contrapartida, os portugueses há muito perceberam que o poder financeiro e o económico é que realmente comandam o poder político. Basta olhar, como caso mais extremo, o que se passa com as offshores em todo o mundo, com o que se pôde saber através da WikiLeaks, dos Papéis da Mossack Fonseca e, agora, do caso Paradise: nada mudou nem vai mudar. E será sempre assim porque o poder financeiro e o económico, para mais num mundo globalizado e sem moral, é que realmente comanda o poder político.

No caso de Portugal, mostrou-se igualmente presente o desinteresse dos portugueses pela coisa pública e pela democracia. Realidades que potenciaram o que se tem vindo a ver e em crescendo: de facto, quem acaba por governar é o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com o Primeiro-Ministro, António Costa, numa já forte dependência da vontade e dos pontos de vista daquele.

O caso mais recente, pleno de infelicidade política, foi a afirmação do Presidente da República de que o tempo não volta para trás. Foi, aliás, duplamente infeliz. Por um lado, porque todos conhecem tal realidade. Por outro, porque sempre existiram partes da realidade passada que voltaram para trás. Assim, entre muitos outros exemplos, os membros do anterior regime constitucional, que haviam sido saneados após Abri, voltaram a ser reintegrados e ressarcidos com o montante devido se tal lhes não tivesse acontecido. Interrogo-me sobre se Marcelo Rebelo de Sousa, talvez então no Expresso, alguma vez terá posto esta ideia em causa?

Por outro lado, custa compreender que um catedrático de Direito possa aceitar que se garanta uma lei, a mesma seja violada e se não reponham os direitos naturalíssimos que da mesma derivam! Sobretudo, se esse catedrático persistir em considerar que vigora em Portugal um Estado de Direito Democrático e Social!!

Lamentavelmente, com as suas mais recentes palavras, acabou por induzir nos portugueses interessados e atentos a ideia de que o Governo acaba por suportar a sua ação política nos termos previamente apontados pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que assim se nos vai mostrando como Presidente da República e líder dos que executam a ação governativa. Mas há mais e surgido com um caudal inverso do da chuva caída nas bacias hidrográficas.

Desde o início desta governação que me dei conta de que Adalberto Campos Fernandes era alguém muito próximo de Marcelo Rebelo de Sousa. Percebeu-se isso com as palavras do Presidente da República numa sua intervenção, há perto de dois anos, na Fundação Calouste Gulbenkian. Palavras que facilmente se percebia serem destinadas a potenciar a aceitação das (futuras) decisões do Ministro da Saúde. Uma intervenção que tem de ser vista à luz dos sucessivos pregões de pactos globais, envolvendo todos, mas fora de toda a lógica democrática.

A Direita, desde sempre, sonhou com a privatização do Estado Social: Saúde, Segurança Social e Educação. Pois, aí nos surgiu, num dia destes, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa com a sua já conhecida cassete para o setor: encontrar um modelo global para o setor, envolvendo o domínio público, o privado e o (dito) social – é o momento da gargalhada –, embora neste caso sem o controlo de quem quer que seja. Bom, caro leitor, a ir-se por aqui, naturalmente com o apoio de Adalberto Campos Fernandes e o consentimento de António Costa e do PS, será o fim histórico do Serviço Nacional de Saúde, passando a ter lugar estruturas de saúde destinadas a gente que não pode pagar – a grande maioria dos portugueses – e os hospitais privados só para ricaços – uma minoria.

Neste domínio, convém que o leitor não deixe escapar do seu pensamento o célebre Hospital de Dona Estefânia, porque há muito se fala da sua extinção e, ao que corre agora de modo forte, parece estar a caminho de se ver tal materialização. Escreva isto num papel, dobre-o e feche-o num envelope, dando a conhecer a toda a família o seu conteúdo e a sua localização. Será um documento destinado a memória futura...

Não esquecendo nunca o almoço do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa com Pedro Santana Lopes, convém olhar as recentes declarações deste, a cuja luz se mostra consonante com a ideia dos grandes pactos com o PS, ou seja, com os apontados por Marcelo e de pronto aceites pelo Governo. O grande problema é que tais pactos são mera estrutura intermédia, destinada a abrir caminho para a destruição do Estado Social, sonho de sempre da Direita.

Por via de tudo isto, depois de se ver o desaparecimento dos partidos da Internacional Socialista um pouco por todo o mundo, percebe-se que seguir estas propostas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá como saldo, a médio prazo – uma legislatura –, o fim histórico-político do PS. Será o regresso ao Estado Novo, mas com partidos, mais ou menos inúteis.

Por fim, chamo a atenção do leitor para o aspeto populista dos afetos do Presidente da República. Sendo agradáveis, não dão de comer nem garantem emprego ou salários dignos. E convém ser-se claro: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é oriundo do PPD/PSD, sempre foi defendendo a anterior Maioria-Governo-Presidente, tanto como comentador como agora, ou seja, é da Direita...

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