O que é que o sexo do musgo tem em comum com os neurónios?

Durante muitos anos os biólogos têm-se questionado sobre o porquê das plantas terem tantos genes que codificam proteínas essenciais para o sistema nervoso dos animais, denominadas receptores de glutamato. 

Imagem microscópica de esporos fertilizados de musgo - Créditos Carlos Ortiz-Ramírez
Agora, investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e da Universidade de Maryland (UMD, USA) descobriram uma nova função para essas proteínas, mostrando que o esperma do musgo usa-as para direcionar a sua navegação até aos órgãos femininos e assegurar descendência. Este estudo foi publicado no dia 24 de julho na revista Nature.

A equipa liderada por José Feijó , antigo investigador principal do IGC e atualmente na UMD, tem estudado o papel desempenhado por receptores de glutamato nas plantas. Estas proteínas desempenham um papel essencial na forma como os neurónios comunicam dentro do cérebro, nomeadamente na memória e aprendizagem. No entanto, as plantas não têm neurónios. Então, por que é que algumas plantas têm ainda mais genes para este tipo de proteínas do que o nosso próprio cérebro?

Para compreender como é que as funções dos receptores de glutamato (GLRs) foram conservadas durante a evolução, o grupo de José Feijó focou-se numa planta primordial, o musgo Physcomitrella patens. Ao contrário das plantas superiores, este organismo tem esperma móvel e apenas duas cópias dos genes GLRs, tornando-o ideal para uma abordagem genética de modo a observar os defeitos que ocorrem quando estes genes são mutados.

Carlos Ortiz-Ramirez, primeiro autor deste artigo e estudante de doutoramento no IGC quando este estudo começou, observou que, na ausência de genes GLRs, o musgo deixava de ter descendência. A equipa de investigação descobriu então que na base desta esterilidade estava o esperma do musgo. Enquanto que o esperma normal torce-se e vira-se e faz voltas apertadas para encontrar a entrada para os órgãos femininos, o esperma com mutações nos genes GLRs consegue nadar normalmente mas não muda de direção.

Os investigadores também observaram que, mesmo quando o esperma mutado conseguia alcançar os órgãos femininos e fertilizar os óvulos, os esporos resultantes (os “bebés” do musgo) não tinham boa qualidade e na sua maior parte morriam. Em colaboração com a equipa de Jörg Becker , investigador principal no IGC, a equipa identificou o mecanismo genético envolvido neste processo. Descobriam que a ausência de GLRs afetava a expressão de BELL1, um gene essencial para o normal desenvolvimento dos esporos.

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Curiosamente, a equipa de investigação descobriu que o mecanismo utilizado pelos receptores de glutamato no musgo é semelhante ao que existe nos neurónios, formando canais de iões por onde passa um fluxo de cálcio.

José Feijó diz que “Apesar de formarem canais de iões no musgo tal como em mamíferos, os receptores de glutamato desempenham duas funções completamente novas e distintas no musgo, tanto em termos de navegação do esperma como no controlo da expressão de genes, algo que é crucial para o desenvolvimento dos esporos. Descobrir isto foi muito surpreendente.”

Embora não esteja no seu raio de investigação imediata, José Feijó chama a atenção para o facto de, tal como nos neurónios, o esperma humano também tem muitos receptores de glutamato a serem expressados. “Talvez isto seja apenas uma coincidência, mas se significar que os receptores de glutamato têm uma função conservada no esperma ao longo da evolução, seria irónico chegar a essa descoberta por se estudar o esperma do musgo”, acrescentou o investigador.

Referência do artigo: Ortiz-Ramírez, C., Michard, E., Simon, A.a., Damineli, D.S.C., Hernández-Coronado, M., Becker, J.D., Feijó, J.A. (2017) Glutamate Receptor-like channels are essential for chemotaxis and reproduction in mosses. Nature. DOI:10.1038/nature23478

Ana Mena - Comunicação de Ciência - Instituto Gulbenkian de Ciência
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