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|Hélio Bernardo Lopes| |
Acontece que há povos com comportamentos para todos os gostos, desde os que perseveram em defesa de valores fortemente estabelecidos desde há muito, aos que, ainda que os mantendo, fingem não se dar conta da sua violação circunstancial. É este o caso dos portugueses.
Vêm estas considerações a propósito da mais recente polémica nacional artificial, desta vez ao redor da nomeação de Diogo Lacerda Machado para membro da administração da que é hoje, de novo, a nossa TAP. Uma polémica que só existe por via da grande comunicação social, sempre sedenta do essencial sensacionalismo que permite vender jornais, ou assegurar audiências. A verdade, porém, é que o tema não é falado por praticamente ninguém nas convivências correntes. Ao contrário, por exemplo, da greve de juízes e de procuradores...
É conveniente, pois, que Bloco de Esquerda, PCP e Verdes evitem cair na tentação de repetir, com maior ou menor proximidade, a infeliz decisão sobre o PEC IV, uma vez que sempre se soube que mais vale um pássaro na mão que dois a voar… Infelizmente, a colagem destes partidos ao PSD e ao CDS/PP, ao redor do PEC IV, levou aos portugueses uma inesquecível vaga de dor, pobreza e emigração. É essencial que Bloco de Esquerda, PCP e Verdes consigam estimar o estado a que Portugal e os portugueses estariam hoje reduzidos se PSD e CDS/PP dispusessem do poder de governar... Os portugueses nunca irão perdoar uma dose desta prática política. Portanto, se o PCP sabe o que irá chegar aos franceses com a vitória de Macron, bom, evite ajudar a criar um cenário deste tipo em Portugal.
Neste sentido, convém que estes partidos evitem fazer parte do coro que por aí grita contra a nomeação de Diogo Lacerda Machado para a administração da TAP, porque apenas conseguem apoiar as cantorias do PSD e do CDS/PP, cujas letras são desde há muito conhecidas.
Acontece que o ora nomeado dispõe de todas as qualidades que se requerem para a função que vai desempenhar, tal como Miguel Frasquilho e os restantes membros da administração da TAP. Haverá melhores? Talvez sim. Mas existem critérios de mensuração para se poder operar uma escolha relativa garantida? Claro que não! Vou ilustrar esta realidade com casos mais ou menos conhecidos do público interessado.
Em primeiro lugar, o caso do concurso de Gustavo de Castro e de José Maria Quadros e Costa para o preenchimento de uma vaga para catedrático de Matemática no Técnico. Este instituto convidou, como arguente principal, o Professor Sebastião e Silva, da Faculdade de Ciências de Lisboa, de onde era proveniente Gustavo de Castro. Ao contrário, Quadros e Costa vinha do Técnico.
Por razoes que não se justifica agora tratar, Gustavo de Castro era, de muito longe, o candidato mais bem preparado. Mais: era um matemático, ao contrário do seu adversário, que era um engenheiro eletrotécnico que sabia bastante de Matemática. De molde que Sebastião e Silva expôs isto mesmo ao júri do Técnico, ainda antes das provas, salientando que nunca poderia aceitar a tese de Quadros e Costa. Bom, a direção do Técnico determinou-se, nesta situação, a encerrar o concurso, continuando Cândido da Silva a reger Matemáticas Gerais e Luís Almeida Alves a fazê-lo com Cálculo Infinitesimal. Ambos eram engenheiros.
Em segundo lugar, o caso do concurso para catedrático de Física, na Faculdade de Ciências de Lisboa, entre os compadres José Pinto Peixoto e José Francisco Vitorino Gomes Ferreira, em que este foi aprovado em mérito relativo. Eram ambos pessoas muitíssimo bem preparadas para o lugar em causa, mas o que acabou por ter maior retumbância foi o primeiro. Dividindo-se as opiniões, o resultado deste concurso só satisfez mui poucos. E convém notar que, sendo muito amigo do primeiro, não estou a opinar em favor de nenhum dos dois.
Em terceiro lugar, o caso da reprovação de José Luís Saldanha Sanches nas suas provas de agregação em Direito de Lisboa. Bom, conhece-se bem o que se passou, bem como o que José Luís veio expor publicamente, não havendo razão para se duvidar do que expôs. E será que tinha todas as condições para ser aprovado nessas provas? Claro que sim! Só um tolo pode duvidar. Simplesmente,…foi chumbado! Como alguém dizia, é a vida. Em quarto lugar, o caso da reprovação de Isabel Jales no seu doutoramento na Universidade Católica Portuguesa, que causou um enormíssimo espanto – silencioso, como se pratica em Portugal – perante o reconhecido mérito e conhecimento da doutoranda reprovada. Foi um acontecimento deveras badalado no ambiente académico do Direito, embora sempre em surdina...
E, em quinto lugar, o caso da reprovação e Fernando Luso Soares em Direito de Lisboa, depois de ter ensinado, em mais de vinte anos consecutivos, sucessivas levas de estudantes, tanto ao nível da licenciatura, como no curso complementar de Ciências Jurídicas. Neste caso, para lá das mil e uma conversas ao longo do tempo, até uma entrevista surgiu no EXPRESSO.
Podiam citar-se muitos outros casos, seja nos ramos militares das Forças Armadas, seja nas nomeações para os Tribunais de Relação ou Supremo. Para já não falar das escolhas, pela Assembleia da República, para o Tribunal Constitucional. É sempre assim e por esta razão simples: salvo exceções, a unanimidade anda longe do caso em apreço, sendo que não existem métodos indiscutíveis de decisão nestes domínios.
Ora, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa conhece tudo isto à saciedade, o que significa que a sua ideia de uma nova estrutura do tipo CRESAP só valeria até surgir um novo Governo. Nós estamos em Portugal, onde a aplicação das regras da boa moral tem um fortíssimo pendor de relatividade.
Por ser esta a realidade, sempre eu defendi que quem governa deve nomear para os lugares de si dependentes gente da sua confiança política e com preparação adequada para o desempenho do cargo. O facto de se ter dado certo desaire no tempo de Diogo Lacerda Machado em certa função, não significa que o mesmo se lhe tenha ficado a dever. Talvez sim, talvez não, ou talvez nim. Porque se as nomeações forem primacialmente políticas, não existiriam estas discussões estéreis. E depois, ninguém em Portugal aceita a isenção de uma qualquer estrutura dita independente. Nenhum dos vencidos por mim antes referidos alguma vez aceitou a decisão da sua derrota, ao menos relativa.