Oportunidade Perdida

|Hélio Bernardo Lopes|
Quem tenha vivido, com um mínimo de atenção, a década final da extinta União Soviética, ter-se-á dado conta do cabal fracasso da intervenção política de Mikhail Gorbachev. Desde cedo apelidei Gorbachev de Marcelo Caetano da URSS.

Repleto de ingenuidade, o antigo secretário-geral do PCUS acreditou na conversa do Ocidente ao redor da democracia e dos Direitos Humanos, sempre brandidos quando conveniente aos Estados Unidos, mas logo deixados de lado na situação inversa. Basta olhar, entre tantos outros casos por todo o mundo, o que se passa com a Arábia Saudita e com as relações que a ligam aos norte-americanos. Ou com Israel e a África do Sul do Apartheid, a quem era permitido dispor de bomba nuclear, mas já não com o Irão ou a Coreia do Norte. Só um interessado ou um malandro pode fingir não perceber tais dicotomias de mero interesse. E por isso Vladimir Putin teve toda a razão quando há dias referiu que foram excelentes os intentos do Gorbachev de mudar o sistema que recebeu. O problema é de bons intentos está o Inferno cheio.

Infelizmente, a Mikhail Gorbachev tem faltado uma intervenção de clarificação histórica, se é que pode proceder neste sentido. Falta-lhe, por exemplo, esclarecer o mundo do que foi combinado, honrosamente, com Reagan e Bush – o pai. E mostrar que a política dos Estados Unidos vem prosseguindo a tentativa de dominar o mundo, para tal operando um objetivo cerco à Rússia democrática dos nossos dias. E falta-lhe, por exemplo, apontar o que se passa com a perseguição social aos russos que vivem nos Estados que foram repúblicas da antiga URSS. E, afinal, o que pensa Gorbachev do que teve lugar com a Crimeia? Concorda? Discorda? O que pensa deste caso?

Claro está que Mikhail Gorbachev lá vai reconhecendo que a OTAN começou a operar a sua presença na Europa, mas apenas em 2000, quando já não presidia aos destinos da Rússia. Mas é natural que não consiga reconhecer que enquanto desempenhou estas funções a OTAN estava na maior das alegrias, dado que, de um modo politicamente ingénuo, a URSS ia cedendo a todas as pretensões dos Estados Unidos. A realidade do que se passou talvez tenha tido como supremo o apontar público de que até Lenine tinha tido erros, o que, sendo uma realidade, não é para ser dito do modo que foi. Também John Edgar Hoover foi o malandro que todos já reconhecem, mas ninguém nos Estados Unidos o pôs em causa. E basta-lhe olhar para a Igreja Católica, onde qualquer líder alguma vez pôs em causa, publicamente, os seus antecessores, ou os dogmas que suportam a fé. Se o tivesse feito, criaria algo de semelhante ao que degolou a URSS e o próprio Gorbachev.

Tentando defender-se in extremis, Mikhail Gorbachev lá deita mão do facto de, naquelas condições, ser impossível discutir o que estava em causa do ponto de vista de vista jurídico. Simplesmente, o problema era meramente político, não jurídico. Basta que Gorbachev olhe para o que se passa, por exemplo, com os Estados Unidos de Trump e Cuba – também da Extrema-Direita norte-americana, que o apoia em muitas decisões, e de que faz parte, entre outros, John McCain – para que se dê coonta de que há coisas que só se vencem com teimosia política. Seria bom que alguém se desse ao trabalho de traduzir para russo a obra CONFRONTO EM ÁFRICA, para que Gorbachev percebesse que o Governo de Johnson acabou por desistir de chatear o de Salazar, porque este era teimoso e nada o demovia. Para um verdadeiro político, há um grau de intransigência em que não pode ceder-se.

E é por tudo isto que Vladimir Putin tem toda a razão quando agora diz que Gorbachev cometeu um erro ao não firmar um acordo com os Estados Unidos e a OTAN, com a finalidade de manter a fronteira oriental desta dentro dos limites da antiga República Democrática Alemã. O problema é que Gorbachev era o idiota político que convinha aos Estados Unidos, que foi o que determinou a atribuição de um Nobel da Paz. E isto quando não existia um ínfimo risco de guerra, ao contrário de hoje, em que a esperamos a cada momento.

Embora não vá determinar-me a tal, seria de grande utilidade que se realizasse um estudo sobre o que se escreveu no Ocidente sobre Gorbachev, quando presidia ao PCUS e à URSS, o que de si se disse depois de ser corrido do poder por um bêbedo como Yeltsin, e as loas que agora lhe cantam os antigos comunistas passados para os grandes interesses capitalistas, quando a Rússia é dirigida por um político patriota e nada marcado pela ingenuidade. É pena, mas Gobachev foi o idiota útil no lugar adequado e no momento mais propício. A si se deve, em larga medida, o desenvolvimento do sonho dos medíocres e doentes políticos norte-americanos em dominar o mundo. Ele foi o coveiro da URSS, com graves repercussões para a Rússia democrática de hoje. Só lhe falta, até ao momento, apoiar...Navalny. Mas atenção: a ingenuidade de Gorbachev permite que de si se possa esperar tudo.

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