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|Hélio Bernardo Lopes| |
Ora, neste 27 de maio que passa agora perfazem quatro décadas sobre os acontecimentos de 27 de maio de 1977, em que muita gente foi morta, ou tendo simplesmente desaparecido. Diz-se agora que as vítimas oscilarão entre três e oito dezenas de milhares. Uma ferida que agora se aponta, pedindo clareza e justiça.
Não deixa de ser interessante observar como Margaret Thatcher visitou, com a maior e mais profunda amizade, Augusto Pinochet em Londres, e como se vem apontando o exemplo supremo de Nelson Mandela, sem que nunca tenham sido responsabilizados os líderes do Apartheid. Desta vez, com o caso angolano e com o MPLA, mormente com José Eduardo dos Santos e sua equipa de detentores de soberania, tudo passou a ser diferente, com o surgimento de livros e de programas ou trabalhos jornalísticos, mas que nunca terão tido um paralelo com a UNITA, ou com a FNLA, e muito menos em Moçambique, sobretudo, ao redor da RENAMO.
Os que agora pedem o castigo dos por si apontados terão, quase com toda a certeza, apoiado o processo de paz na Colômbia, que até permitiu que o seu presidente se visse laureado com o Nobel da Paz. E quem diz este caso, diz, por exemplo, o da África do Sul, ou o ligado à ação da Indonésia em Timor-Leste, bem como a sua parceira Austrália. Com um mínimo de apoio, até se acabaria por chegar...a Washington.
Ora, é essencial dizer-se, com clareza, que os processos de paz podem não ter uma solução de legalidade absoluta. Invariavelmente, não têm essa possibilidade. É um pouco como certo tipo de situações cancerosas: por vezes, a solução mais preventiva ainda será cortar, definitivamente, a parte doentia do problema, olhando depois em frente e sem ligar ao passado. Até na vida corrente estão presentes, quase quotidianamente, casos com repercussão judiciária e penal, mas que ficam longe de terminar com uma solução realmente justa.
Não recordo, nas nossas televisões, um programa que se tenha suportado apenas em declarações de vítimas de Jonas Savimbi. E mesmo ao nível dos livros o que existe publicado é muito pouco e nunca teve grande eco na nossa importante comunicação social. E muito menos recordo um movimento dessas vítimas pedindo o julgamento dos que com aquele colaboraram nos mil e um crimes alegadamente perpetrados. Pouco se tem falado de Jonas Savimbi e da UNITA, e sobre os temas mais diversos, invariavelmente badalados quando se fala hoje do MPLA e de José Eduardo dos Santos.
Diga-se o que se disser, a verdade é que a situação de Angola sempre interessou ao poder em Portugal, com este entendido aqui no mais amplo sentido que se possa conceber. De molde que, com eleições à vista, com a já certa saída de José Eduardo dos Santos do poder, tudo começa a ser olhado como algo com dinamismo. Mas em que cavalo apostar?
Claro está que o Governo Angolano tem também cometido imensos erros. E um desses erros, com repercussões estratégicas, é ter-se colocado quase absolutamente na dependência escolar da orientação portuguesa. Angola pode perfeitamente organizar a base destinada à formação do seu escol científico e técnico futuro por via de recursos já próprios. E deve olhar para outras paragens, não apenas para Portugal e para os modelos adotados entre nós.
O que agora se pede, ao redor dos acontecimentos de há quatro décadas, a aplicar na sequência das próximas eleições em Angola acabaria sempre ppor se tornar, fosse do modo que fosse, um regresso ao passado. Com elevadíssima probabilidade, ressurgiria a violência, mais ou menos disseminada. E, qual Gabriela de Jorge Amado, de pronto surgiria um qualquer doutor Mondinho. Ou melhor, vários, porque as coisas são como são.
Nós também iríamos por aí acima, uma vez entrados na Europa, mas a verdade é que apenas nos situamos à frente da Grécia, tomando o lote de nações do tempo da nossa adesão. É que as coisas são como são, o que significa que é enorme a inércia cultural e do funcionamento das instituções. Formulemos votos para que Angola se mantenha em paz e que as famílias das vítimas de 1977 evitem recorrer a mecanismos de vingança, mesmo que suportados em sentimentos justos. Neste sentido, a recente entrevista de Juan Pablo Escobar é muito elucidativa.