![]() |
|Hélio Bernardo Lopes| |
E os que lêem os meus textos também recordarão a minha defesa da cabal ausência de mal na mesma, apesar de considerar pouco felizes aquelas (aparentes) piadas ao redor da sua ausência de amigos com riqueza.
E hoje, como se percebe facilmente, todos afinal terão sorrido com a notícia recente de que aquele juiz terá solicitado um apoio material avultado, a título de empréstimo, já pago, ao procurador que se encontra agora a braços com a Justiça. E logo pelas razões entretanto alegadas pelas autoridades competentes.
Sempre entendi que, apesar de poucos felizes, aquelas palavras nada de mal continham para com José Sócrates, ou quem mais quer que fosse. E, como se conhece bem, fiquei muitíssimo preocupado com a hipótese de Carlos Alexandre ser retirado do lugar que hoje ocupa. Bom, seria o cabalíssimo desprestígio para um Sistema de Justiça de há muito desacreditado. Como, de resto, a generalidade das nossas instituições. E, como muitos recordarão, houve até os que colocaram a hipótese das tais piadas terem sido dadas com a finalidade de ser Carlos Alexandre retirado do processo, farto do que envolve o mesmo e, porventura, acreditando que tudo poderia vir a dar em (quase) nada.
A verdade é que não há mal que venha só. Desta vez, coube o azar a Rui Rangel. Na sequência de iniciativa do Ministério Público, o Supremo Tribunal de Justiça determinou-se a impedir o desembargador Rui Rangel de tomar qualquer decisão no âmbito da Operação Marquês. Bom, tenho para mim que esta decisão se constitui num erro grande e com efeitos muitíssimo mais graves para a imagem da Justiça do que a entrevista do juiz Carlos Alexandre.
Se Carlos Alexandre tivesse sido punido e por aí afastado do processo, nunca mais se deixaria de pôr em causa essa saída como uma possível causa de um resultado fraco no processo da Operação Marquês. Desta vez o caso é pior. É, até, bastante pior.
Pode acontecer que um qualquer regulamento impeça um juiz de emitir uma opinião sobre a ação de certo colega seu. Será um ponto que pode justificar esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Mas o que já não pode considerar-se aceitável é impedir – e punir – que um juiz possa dar uma opinião sobre certa decisão de outro, mas sem que a mesma tenha que ver com um processo em causa e na sua parte substantiva.
No caso de Rui Rangel, e até onde se conhece, parece existir discordância em relação a aaspetos diversos do processo. Simplesmente, isso nunca foi publicamente dito. Também se pode imaginar, por exemplo, que certo árbitro de futebol entende que as duas faltas que levaram certo clube a vencer uma final foram mal marcadas. Simplesmente, isso não pode ser razão para impedir que esse árbitro deixe de poder arbitrar jogos em que participe a equipa vencedora.
Imagine o leitor que se sabe que certo catedrático de Direito Penal entende que Carlos Alexandre, entretanto candidato a provas de doutoramento, não tem uma tese com a qualidade que seria de esperar e que está longe de dominar a doutrina no seu âmbito de fronteira a nível mundial. Que razões podem aduzir-se para impedir este catedrático de ser membro do júri, porventura até arguente? Nenhumas!
E assim se dá com Rui Rangel. É muito natural que se conheça que a sua opinião é má ao redor de Carlos Alexandre, mas por via de questões de natureza técnica, doutrinária ou comportamental. Questões que até podem ter projeção no domínio da Operação Marquês. Simplesmente, isto nunca poderá ser razão válida para o impedir de intervir – até por via do juiz natural – no processo em causa. De outro modo, cai-se no que já agora se diz: a Justiça ficaria pelas horas da amargura se agora um tribunal superior viesse desfazer o que foi feito antes. No fundo, o que agora se diz desta recente decisão é um isomorfismo do que se tem vindo a dizer de Donald Trump, que iria pôr em causa o que vinha de trás. Mas, então, para que servem as eleições ou os tribunais superiores? Para dizer que sim ao que vem de trás?
Tenho para mim que esta decisão do nosso Supremo Tribunal de Justiça se constitui num erro grande. Um erro muito maior que as pouco felizes piadas do juiz Carlos Alexandre. Neste caso, as piadas em nada estragavam a imagem do processo, ou a defesa de José Sócrates. No caso de agora, afastou-se um desembargador que se sabe discordar do modo como muitos atos processuais foram conduzidos, embora dos mesmos nunca nada tenha dito em público. Era o juiz natural. Um erro tremendo, que deixará a imagem da Justiça muito mal colocada. É que neste caso as dúvidas já têm uma pertinência que vale a menos de um mínimo de erro.