Falhanço a toda a prova

|Hélio Bernardo Lopes|
Na sequência da Revolução de 25 de Abril, sobretudo depois do contragolpe de 11 de março de 1975, a enorme fatia da economia nacional foi nacionalizada. Num ápice, levantaram-se vozes contra tal situação. Vozes que foram crescendo em audição, embora muito pouco ao nível da grande maioria dos portugueses.

Numa primeira fase, pediu-se um bom despique entre os setores público e privado. Um despique que seria excelente para Portugal e cada um de nós. Surgiriam, desse despique, complementaridades de grande qualidade, que se compensariam, e mutuamente influenciariam. E tudo, como se apregoava, a caminho de um ótimo que a todos serviria do melhor modo.

Numa segunda fase, operou-se o início de um tempo que mais tarde seria referido por Luís Mira Amaral num Expresso da Meia-Noite: se pretendem fazer entrar o capital privado na Caixa Geral de Depósitos é preferível fazerem-no de uma vez, porque a experiência mostra que privatizar uma parte nunca impede que se venha a privatizar depois o resto, porventura com um resultado pior que no cenário anterior.

E, numa terceira fase, acabou por operar-se a quase total privatização de toda a economia do País. Através de campanhas insidiosas da grande comunicação social, e por via da cedência de muitos dirigentes do PS à doutrina neoliberal, acabou por aceitar-se o falso princípio de que a gestão privada se encontrava dotada de uma qualidade que não estaria presente na do setor público. Tudo passou a girar ao redor da dita boa gestão – a privada...–, do lucro, da sua maximização, da minimização dos custos de produção ou de gestão, e da competitividade a toda a prova. E tudo, sempre, à completa revelia da dignidade das pessoas. Foi o que se pôde ver, sobretudo, no tempo da anterior Maioria-Governo-Presidente.

Os campeões desta doutrina estão hoje, de um modo bastante geral, a braços com a Justiça, embora tudo aponte para mais um conjunto de resultados de conteúdo nulo. A experiência da vida na III República e a passagem (quase) silenciosa do tempo, invariavelmente sem resultados, ajudam a cimentar esta perspetiva de nulidade no esclarecimento do que se tem podido ver e na respetiva punição dos culpados.

Um dado há, porém, que se retira desde que a terceira fase antes referida iniciou o seu desenvolvimento: os instrumentos ditos independentes e de controlo simplesmente não produzem resultados. As próprias autoridades competentes, apenas por si, também não conseguem, de um modo muito geral, detetar irregularidades as mais diversas. Ou surge uma denúncia anónima, ou os resultados simplesmente não aparecem. E a razão de ser desta situação é simples: a ordem jurídica portuguesa é uma borracheira, ao mesmo tempo que há um modo muito típico de estar na vida em Portugal. Aceitar, por exemplo, o princípio da boa-fé, como tanta gente de saber defende, constitui uma porta blindada fortemente protetora da prática criminosa ao redor do ambiente financeiro e dos negócios. E mesmo que não fosse esse o princípio seguido, ainda assim as coisas não teriam um êxito forte. Até nos Estados Unidos as coisas são como se vai vendo e assim foram com Bernard Maddoff, de há muito detetado nas suas ilicitudes: quase duas décadas... Ou seja e pensando agora no caso português: um falhanço a toda a prova.

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