Os dez mil milhões

|Hélio Bernardo Lopes|
Começo este texto com uma proposta de aposta com o leitor: aposto eu que o caso do dez mil milhões ficará em nada, como quase sempre acontece com os ditos inquéritos rigorosos.

Portanto, nesta perspetiva, resta-nos esperar, poventura, até Dia de S. Nunca. Talvez o leitor não tenha nunca lido um pequeno conjunto de adivinhas – problemas, claro está – de natureza lógica que foram por mim publicadas, creio que exclusivamente, no jornal português de Toronto, SOL PORTUGUÊS, há bem mais de uma década. Um desses problemas era o dos chapéus pretos e brancos.

Certa universidade pretendia atribuir o título de Melhor Aluno do Ano, mas tinha três candidatos não desempatados após um leque mui vasto de problemas apresentados. Então, certo professor lembrou-se daquele problema dos chapéus. O três jovens viram os três chapéus, três pretos e dois brancos. Foram-lhes tapados os olhos, colocando-se nas três cabeças chapéus pretos, sendo os restantes escondidos. Momentos depois de destapados os olhos dos jovens, um deles – veio a ser considerado o mais inteligente – respondeu: o meu chapéu é preto! E a pergunta que se coloca ao leitor é esta: como descobriu ele que o chapéu era preto? Um problema para o fim-de-semana do leitor. E é por aqui que irei abordar o caso dos dez mil milhões.

Sabem-se agora, desde a noite de ontem, diversos dados seguros. Em primeiro lugar, o antigo Secretário de Estado, Sérgio Vasquez exarou um despacho a cuja luz se deveria tornar pública a informação anual em causa. Simplesmente, nós não sabemos se esse despacho foi escrito em condições de ser apenas aplicável nesse ano, ou em todos os anos.

Em segundo lugar, sabemos agora que o Diretor-Geral do tempo da Autoridade Trbutária terá perguntado, por escrito, ao Secretário de Estado, Paulo Núncio, se devia a informação relativa a 2011 ser publicitada, tal como vinha de trás.

Trata-se de uma pergunta com uma lógica muito típica das nossas autoridades políticas e administrativas. Desde logo, porque esssa publicitação tinha ainda uma curta existência. E, depois, porque, tendo mudado o Governo, poderia vir a entender-se que as coisas iriam mudar e deveriam parar para já.

Em terceiro lugar, Paulo Núncio despachou com a palavra “visto”. Ora, havendo uma ou duas alternativas, a menos lógica é, com esse “visto”, pretender dizer-se: cumpra-se o despacho em vigor. Por um lado, “visto” não responde materialmente à pergunta colocada, além de que, a existir um qualquer entendimento, esse seria o de “suspenda-se”, porque era esse o sentido da dúvida por detrás da pergunta do Diretor-Geral da Autoridade Tributária. E foi o que se deu.

E, em quarto lugar, está-se aqui, objetivamente, perante um erro de natureza técnico-politica por parte do Secretário de Estado, Paulo Núncio. Basta olhar para esta questão, supostamente a si colocada por um dos seus descendentes: Paizinho, no livro de Geografa diz-se que o Equador tem a forma que desenho aqui ao lado, o que achas mais correto, assim, ou assado? Se, já sem Paulo Núncio em casa, esse seu descendente viesse a encontrar uma nota do Pai, nela se lendo “visto”, como ficaria o jovem? Bom, ficaria atónito, como qualquer um de nós.

Claro está que há uma diferença entre a realidade dos dez mil milhões e esta historieta dos supostos filho e pai. E essa diferença reside em que Paulo Núncio nunca responderia assim a um descendente seu, dado que “visto” não respondia à pergunta. Porém, no caso da pergunta colocada pelo Diretor-Geral do tempo, não sendo “visto” uma resposta adequada ao problema colocado, ele teria sempre de ser interpretado como suspenda a publicitação, porque se não fosse assim, citava-se, explicitamente, o despacho em vigor. Porque era aqui que as dúvidas surgiram e foi a este propósito que a dúvida foi colocada ao Secretário de Estado, Paulo Núncio.

A verdade é que os relógios continuaram a funcionar, os anos a passar, e a tal publicitação a nunca ter tido lugar. E o que disse, perante isto, o Secretário de Estado, Paulo Núncio? Que se saiba até agora, nada. E não era este tema da sua tutela? Afinal, o despacho de Sérgio Vasquez estava, ou não, em vigor e devia, ou não, ser cumprido? Em que se fica?

O grande problema que aqui se coloca é o tal que Salazar referiu naquele seu discurso do Porto: estamos em Portugal. A prova disto mesmo está em que quase nada acontece com gente graúda e com algum tipo de poder. Veja-se, por exemplo, o caso da nova faculdade de Medicina que a Universidade Católica pretende abrir em Cascais, parece que para um milhar de alunos, certamente na globalidade do curso. Mas não é verdade que sempre se vem dizendo que temos médicos em número suficiente? Quando foi criado o tal curso médico na UALG, não foi isso que, mais uma vez, foi dito? E não foi também isso que nos foi dito, há dias, pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães? Sendo assim, o que vai fazer o Governo? Acagaça-se?

Em Campo de Ourique, no prédio onde creio que residia João Salgueiro e os Pais – estava-se antes de Abril –, existia uma engraxadoria e sapateiro. Muitas vezes aí fui engraxar os sapatos e quase sempre ouvi ao sapateiro esta saída sorridente: o que custa não é viver, é saber viver! Pois, quarenta e tal anos depois da Revolução de Abril esta realidade mantém-se. E está em crescendo. O próprio Papa Francisco se referiu há dias à causa desta realidade: a presença forte de camaleões leigos no seio da Igreja Católica Romana, que batem com a mão no peito, mas fazem o inverso da mensagem evangélica. Ou seja: mais uma vez, ficará tudo em nada. Temos a democracia...

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