"Batrumpar", a moda do tempo

|Hélio Bernardo Lopes|
Dado que se anda agora a estudar uma (dita) melhoria do atual acordo ortográfico – um objetivo regresso ao passado –, também me determinei a criar um novo vocábulo: batrumpar. 

O que significa, nos termos por mim adotados, bater em Trump. E isto porque batrumpar é uma das modas mais fortes do tempo que passa. Basta ligar um televisor, acompanhar um noticiário, ver um debate entre gente que surge com frequência nos nossos ecrãs, e aí nos surge nova sessão de batrumpar. Abordo neste texto duas dessas intervenções.

Em primeiro lugar, o programa de ontem, QUADRATURA DO CÍRCULO. Como teria de dar-se, batrumpou-se. E um dos temas desta ação foi a ordem dada por Donald Trump para se operar uma análise aos votantes das recentes eleições para o Presidente dos Estados Unidos. Bom, considerou-se tal um verdadeiro escândalo, porque poria em causa o mecanismo utilizado e porque tudo pretenderia mostrar que a vantagem numérica de Hillary Clinton não seria real. Fiquei siderado com a dualidade de critérios utilizada neste caso.

A generalidade dos portugueses atentos terão acompanhado as dúvidas surgidas por parte dos apoiantes de Hillary Clinton, que acabaram por levá-la a pedir uma recontagem dos votos nuns quantos Estados. Simplesmente, o resultado, ou se manteve como correto, ou fez ainda aumentar os votos de Donald Trump em alguns dos Estados de novo escrutinados.

Quer isto dizer que a primeira pessoa a pôr em causa os resultados eleitorais foi Hillary Clinton, instada que havia sido (e de um fortíssimo modo!) por gente sua apoiante, incluindo muitos...cientistas. Neste caso, porém, a tal nomenklatura neoliberal mundial que também se move entre nós nada viu de incorreto. Já com uma atitude idêntica por parte de Donald Trump tudo é um terrível horror antidemocrático e autoritário.

Ora, neste domínio, é essencial não esquecer duas realidades. Por um lado, o mecanismo eleitoral nos Estados Unidos é muitíssimo mau, como já por diversas vezes se pôde ver. Por outro lado, Hillary Clinton representava grandes interesses daquela nomenklatura neoliberal mundial. Não custa acreditar, pois, que os resultados possam ter tido alguma viciação em certos lugares de votação. E, finalmente, também não custa aceitar que muita gente a viver ilegalmente nos Estados Unidos possa ter sido forçada a votar em Hillary. É essencial perceber que nos Estados Unidos tudo é possível, como se viu com Bernard Madoff: há perto de vinte anos que se sabia de tudo, mas sem nunca se atuar.

E, em segundo lugar, os comentários de Mónica Ferro, ao redor do que iriam dizer os seus alunos sobre ter-lhes sido ensinado que nos Estados Unidos existiria um sistema de pesos e contrapesos, mas que, afinal, não funcionará, ou a académica não estaria agora à espera da referida reação dos estudantes.

Então e o homicídio de Kennedy? E a queixa de Nixon em face dos resultados eleitorais, quando perdeu para Kennedy? E os homicídios determinados por presidentes sobre outros Chefes de Estado? E a espionagem mundial da NSA sobre tudo e todos? E a tortura instituída por George W. Bush, Chenney e Rumsfeld, e que nunca mereceu castigo ou críticas como as de agora? E os mil e um crimes de John Edgar Hoover, incluindo chantagem sobre gente da classe política? E os campos de concentração nos Estados Unidos para nipo-americanos, italo-americanos e germano-americanos, tudo sempre sem castigo ou reparo? E as experiências da CIA em seres vivos? Enfim, um rosário sem fim...

Um dado é certo: com esta nova determinação de atacar Donald Trump por tudo e umas botas mais, o que acabou por originar-se foi este meu novo vocábulo, batrumpar. O que um dia Mário Soares salientou, logo após 11 de Setembro, é que o mal está dentro dos próprios Estados Unidos. Para mal dos seus pecados, até com Obama o racismo regressou, bem como um acréscimo visível em todo o mundo da brutalidade da polícia. Sobretudo, contra pretos. Falta aos nossos intelectuais a coragem de reconhecer que os Estados Unidos, de facto, não são um Estado de Direito, mas um simples arremedo de democracia – uma das tais democracias imperfeitas –, construída sobre a cowboyada e a corrida para o Oeste. Datam desse tempo o direito a ter arma e a massacrar índios, retirando-os das suas terras de (quase) sempre. Coisas terríveis, mas nunca mudadas. Nem sequer presidente algum foi capaz de pedir desculpa por tais terríveis realidades. Resta-nos, pois, continuar a assistir a este novo batrumpar.

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