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GilCosta Time flows, time flies, time stands still 1 |
Estes resultados, que foram publicados na revista Science por Joe Paton, investigador principal do Learning Lab, juntamente com Sofia Soares, estudante de doutoramento, e Bassam Atallah, pós-doutorado, fornecem uma resposta neurobiológica à velha questão de como o cérebro consegue produzir estimativas tão variáveis do tempo transcorrido. E não só: também poderão ajudar a explicar por que o tempo parece voar quando nos divertimos e ficar parado quando não temos nada para fazer.
Há vários anos que o grupo estuda as bases neurais da avaliação da passagem do tempo, no âmbito de um objetivo mais lato que consiste em perceber como o cérebro aprende a relacionar causas com efeitos, mesmo ao longo de grandes períodos de tempo.
Mas até agora, Paton nunca tinha sentido o quanto o seu trabalho podia tornar-se relevante a nível pessoal. Sentiu-o quando, recentemente, dois dos seus amigos tiveram um grave acidente de mota. “As poucas horas que transcorreram entre o acidente e o momento em que soubemos que eles iam ficar bons… pareceram semanas. Retrospetivamente, pergunto-me qual poderá ter sido o papel, nessa ilusão, dos neurónios que temos estado a estudar”, reflete.
A passagem do tempo é um conceito tão esquivo que a ideia de o estudar do ponto de vista neurobiológico pode parecer quase impossível. Ao contrário da visão ou da audição, não é possível relacionar a maneira como estimamos a passagem do tempo com nenhum órgão sensorial, tal como os olhos ou os ouvidos, explica Paton. Isso torna os processos neurais subjacentes ainda mais difíceis de desvendar.
De facto, quando se trata do tempo, o desafio é ainda mais profundo: a existência objetiva do próprio tempo e do seu fluxo, que tão inequivocamente existe para nós todos, até já foi questionada por alguns físicos teóricos. E, no entanto, a capacidade de estimar uma duração é obviamente crucial para a sobrevivência de qualquer animal. Basta imaginar, por exemplo, um coelho à procura de alimento em terreno aberto. Quanto mais se demorar, maior a probabilidade de vir a ser surpreendido por um predador. “A avaliação da duração é importante para extrair informação do mundo exterior e decidir quando é expectável que algo aconteça – ou quando avançar ou desistir de uma ação”, salienta Paton.
Portanto, não admira que todos sintamos que o tempo passa… Mas o que é que no cérebro poderá estar a gerar esta experiência subjetiva vital acerca de algo que talvez nem sequer seja real?
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“Estes neurónios dopaminérgicos estão implicados em muitos dos fatores e perturbações psicológicos associados a alterações na estimativa do tempo”, escrevem os autores na Science. Factores tais como a motivação, as mudanças sensoriais, a atenção, a novidade e emoções como o medo e a alegria: “Basta submeter um rato a um estímulo assustador para os seus níveis de dopamina caírem em flecha”, diz Paton. E nos seres humanos, a destruição da substantia nigra provoca a doença de Parkinson, que também é acompanhada de deficiências da perceção do tempo.
Havia mais uma razão para os cientistas se focarem nestes neurónios: o facto de as suas fibras se projetarem para outra estrutura cerebral, chamada estriado, que o grupo de Paton tinha já previamente estudado em grande pormenor. Na altura, os cientistas tinham descoberto que estes neurónios dopaminérgicos transportavam a informação que sustenta os comportamentos relacionados com o tempo. E em particular, sabiam que a interrupção dos sinais emitidos por estes neurónios para o estriado “pode causar um défice seletivo da avaliação da passagem do tempo”, explicam ainda no seu artigo.
Sentido do tempo aguçado
Os investigadores começaram por treinar ratinhos a desempenhar uma tarefa que tinha a ver com o tempo. “Treinar animais a fazer juízos categóricos para estudar a perceção não é algo de novo”, acrescenta Paton. Há décadas que é feito para estudar modalidades sensoriais tais como a visão, por exemplo.
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O que é que os cientistas fizeram exatamente? “Treinámos uma série de ratinhos para conseguirem decidir se a duração do intervalo entre dois sons era maior ou menor do que 1,5 segundos” explica Paton. “E após meses de treino, tornaram-se exímios na tarefa”.
Os ratinhos indicam a sua escolha colocando o focinho seja numa porta à direita (estimativa curta) ou à esquerda (estimativa longa). Durante a prova, os cientistas faziam variar o intervalo entre dois sinais sonoros, e se o ratinho escolhesse a resposta certa (ou seja, estimava corretamente o tempo), recebia uma recompensa.
A segunda parte do trabalho consistiu em medir passivamente sinais neuronais que refletem a atividade elétrica dos neurónios dopaminérgicos na substantia nigra pars compacta através de uma técnica, dita de “fotometria por fibra” (fiber photometry), enquanto os ratinhos desempenhavam a tarefa. Mais especificamente, utilizando técnicas genéticas que tornavam os neurónios fluorescentes quando estavam ativos, a equipa media a intensidade da luz emitida. Como a fluorescência “é um indicador da atividade elétrica de um grupo de neurónios em torno da extremidade da fibra ótica utilizada, isto permitiu-nos monitorizar indiretamente a variação da atividade desses neurónios durante a tarefa”, explica ainda Paton.
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As condições nas quais a resposta dos neurónios dopaminérgicos conseguia prever a decisão do animal sugeriam que a atividade elétrica nestas células estava de facto fortemente correlacionada com a estimativa da passagem do tempo feita pelo animal, dizem os autores.
Elo causal
A equipa quis então ir mais longe e determinar se esta observação não passava de uma mera correlação ou se, pelo contrário, existia um elo causal entre a atividade neural e a forma como o cérebro avalia a duração. Seria possível que a atividade dos neurónios estivesse a induzir alterações na avaliação que os ratinhos estavam a fazer do tempo transcorrido? “Os neurónios pareciam refletir informação acerca da estimativa da duração feita pelos animais. Mas estariam na realidade a controlar o seu sentido do tempo?”, interroga Paton.
Para responder a esta pergunta, os cientistas realizaram uma terceira ronda de experiências, aproveitando uma técnica chamada optogenética, na qual é utilizada luz para manipular (estimular ou silenciar) os neurónios de forma específica e rápida, permitindo avaliar o impacto dessa manipulação no comportamento dos animais enquanto realizam a tarefa.
“Descobrimos então que quando estimulávamos os neurónios, os ratinhos tinham tendência a subestimar a duração – e quando os silenciávamos, tinham tendência a sobrestimá-la”, explica Paton. “Este resultado, em conjunto com os sinais que ocorrem naturalmente e que tínhamos observado nas experiências anteriores, mostram que a atividade destes neurónios foi suficiente para alterar a forma como os animais avaliavam a passagem do tempo. Este é o principal resultado do nosso estudo”, conclui.
Será o resultado extrapolável aos humanos? Será que possuímos o mesmo tipo de neurónios e que eles controlam a nossa perceção da duração? Será que a manipulação desses neurónios pode alterar a nossa experiência subjetiva do tempo que passa?
E mais: de que forma poderia este efeito contribuir para os sintomas de défice de atenção ou de toxicodependência, onde o sistema dopaminérgico parece estar envolvido? Segundo os autores, é muito provável que um circuito semelhante exista no cérebro humano. Mas o obstáculo que impede tirar essa ilação, alerta Paton, é que o que agora mediram no ratinho não pode ser considerado uma perceção, porque os animais não nos conseguem dizer o que sentiram.
“Quando estudamos animais, a única coisa que podemos medir é o seu comportamento. Mas nunca temos a certeza da perceção do animal”, diz Paton. “Interpretamos o que vemos como sendo ‘uma experiência subjetiva do animal’, mas isso é apenas uma interpretação. E é o melhor que conseguimos.”
Apesar disso, Paton gosta de “especular desenfreadamente”, como diz. “Há aquele cliché dos jovens amantes que ficam a noite toda acordados a falar sem sentir o tempo passar.” Talvez seja porque aqueles neurónios dopaminérgicos do fundo do cérebro estão a encolher o tempo de uma maneira espetacular.
Fundação Champalimaud
Conteúdo fornecido por ©Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva