Democracia à Americana

|Hélio Bernardo Lopes|
Vão passados muitos anos sobre a queda do muro de Berlim, na sequência da intervenção desse político notabilíssimo – treta, claro – que foi Gorbachev. E tanto assim que, à semelhança de Obama, de pronto lhe foi atribuído o Nobel da Paz, galardão universalmente reconhecido e fruto de uma independência decisória dos interesses estratégicos ocidentais...

E se com Obama nos vimos colocados à beira de uma nova guerra mundial, com Gorbachev pudemos testar o comunismo de rosto humano, logo tão apoiado entre nós, entre tantos outros, por Zita Seabra. Eu mesmo pude testemunhar esta realidade com a palestra que proferiu na Sociedade de Língua Portuguesa, na companhia de um conhecido comum. De resto, foi interessantíssimo poder ali ver a Direita de Abril e os católicos progressistas a glorificarem a garantidamente falida palestra.

Por essa altura – uns meses antes ou depois –, tive a oportunidade de estar com Nuno Abecasis numa reunião de democratas-cristãos – talvez uns dez –, tendo-lhe escutado, a dado passo, estas palavras: isto agora é uma chatice, porque o Ocidente precisa de ter um inimigo. A verdade, porém, é que esse inimigo sempre existiu, porque por igual existe desde sempre a guerra re

ligiosa no mundo e porque os grandes interesses ocidentais sempre acabariam por criá-lo.

Terminada a União Soviética e posto um quase-fim no comunismo mundial, a Rússia aderiu ao que então se designava por economia de mercado, de modo a evitar o vocábulo liberalismo, ou neoliberalismo. E a verdade é que muito bom tolo político da nova vaga desse tempo embarcou nesta do mercado mais facilmente que o custo de tomar um copo de água. O resultado já o conhecemos hoje à saciedade, sendo as consequências mais notórias o fim da soberania dos Estados e o da utilidade da democracia. Esta é hoje um verdadeiro estorvo.

Ora, o que se vem passando nos Estados Unidos desde que Donald Trump venceu a recente eleição para o Presidente da República é bem a demonstração ampla desta realidade. Embora – há que dizê-lo – a democracia norte-americana seja, desde há muito, uma pleníssima mentira e uma demonstração de como a dita democracia é coisa para milionários. De tudo se vem deitando mão para pôr em causa a vitória de Trump, aparentemente um risco para os grandes interesses criados no mundo pela nomenklatura neoliberal.

Estes interesses mundiais ligaram-se, de um modo profundo, à guerra mundial permanente de natureza religiosa, realidade com muitos séculos, apenas aguardando a adequada oportunidade para se poder manifestar. Sendo evidente que o novo modelo neoliberal global sempre criaria uma vastidão de pobreza e miséria, impor-se-ia deitar mão de um suporte religioso, de molde a dar a quem sofre uma esperança aparente. Simplesmente, surgiu a omnipresença de um histórico problema: qual a estrutura religiosa a utilizar? Católica Romana? Católica Ortodoxa? Anglicana? Islâmica? Judaica? Luterana? Uma outra? Qual, portanto?

Acontece que a eleição de Donald Trump, a uma primeira vista – não esquecer nunca que um general não faz um exército –, parece poder deitar por terra esta veloz corrida para a guerra global, de há muito desenvolvida por Barack Obama e Hillary Clinton – foi Secretária de Estado, tendo posto em funcionamento, com Obama, o Estado Islâmico. De molde que se instalou o pânico no seio da nomenklatura neoliberal mundial. Sobretudo nos Estados Unidos, sob cujo comando realmente atuam os fracos líderes europeus de hoje.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca faz pensar que o caminho para a guerra contra a Rússia possa ter um fim. Ou uma paragem prolongada. De modo que a nomenklatura norte-americana vem vivendo em pânico, deitando mão da insinuação, da mentira, da difamação e da propaganda. Depois de se ter tentado comprometer Vladimir Putin com o homicídio de Litvinenko – terá sido a secreta britânica – e com o derrube do avião malaio – foi Kiev quem operou o derrube, como facilmente se terá sempre percebido –, e após se ter conhecido que a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos espiava tudo e todos – terão tido uma sorte grande os que puderam acompanhar um muito recente documentário da RTP 1, ao redor do que se passou com Edward Snowden –, ao mesmo tempo que o Comité Olímpico Internacional se prepara para expulsar a Rússia da sua estrutura, chegou agora o momento de tentar envolver a famigerada CIA na eleição de Donald Trump.

Acontece, porém, que a CIA é hoje uma estrutura sem credibilidade, para o que basta recordar o cabalíssimo falhanço no 11 de Setembro, ou o da garantia da existência de armas de destruição maciça no Iraque, e que conduziu a nada, para lá de milhão e meio de mortos. Nem o que uma agência de serviços secretos diz é coisa para se ter em conta ao nível da Justiça e da opinião pública, dado que lida com dados insuscetíveis de conhecimento e de contraditório. Como Jorge Silva Carvalho expôs na sua entrevista recente à SÁBADO, mais de noventa por cento da ação destas estruturas é ilegal, o que é naturalíssimo. E nunca seria difícil acreditar na quase cabal inutilidade de tais estruturas e nos seus mil e um falhanços. Basta recordar, por exemplo, os sucessivos falhanços no homicídio de Fidel Castro. Entre mil e um outros casos.

Ora, ao Presidente Donald Trump impõem-se, no futuro próximo, algumas medidas de fundo. Em primeiro lugar, operar a nomeação de um novo líder para a CIA, procedendo como fez Jimmy Carter, nomeando Stansfield Turner, que pôs na rua mais de duzentos elementos daquela famigerada agência. De resto, o anterior diretor acabou mesmo por ser condenado em tribunal, após ter mentido no Congresso. Uma mentira entre milhares.

E, em segundo lugar, impõe-se a Donald Trump mandar o seu Procurador-Geral nomear um procurador especial para analisar o caso dos e-mails de Hillary Clinton. E também mandar operar uma análise profunda às fontes de financiamento da Fundação Clinton. É quase certo que se virão a encontrar resultados espetaculares nestes domínios. Infelizmente, não é possível dar a conhecer ao mundo o grau de ação política e militar ordenada por Barack Obama, e que tanta tragédia tem criado em partes diversas do mundo. Tal como pude já escrever por vezes diversas, um general não faz um exército. Uma das mais graves tragédias criadas por Barack Obama foi o cerco à Rússia, o fomento das ditas primaveras árabes, bem como toda a ação ao redor do desporto russo.

Inquestionavelmente, Donald Trump tem aquele modo de ser pouco cínico e muito direto. Caraterísticas muito típicas dos democratas norte-americanos. Mas não se tem poupado a esclarecer o que está em jogo, seja diretamente, seja através de elementos da sua equipa política. E têm toda a razão quando classificam de desastroso o nível de desinformação nas decisões dos representantes internacionais sobre a Ucrânia e a Crimeia. Um dos exemplos mais claros de notícias falsas.

Recentemente, um possível candidato ao cargo do Secretário de Estado, que é congressista republicano pela Califórnia – Dana Rohrabacher –, salientou em entrevista, com grande ênfase, que a Rússia nada tem que ver com a União Soviética, apesar de muitos quererem tratá-la como se ainda o fosse, assim criando uma nova Guerra Fria. No fundo, o que estava implícito nas tais considerações de Nuno Abecasis. E logo completou para com a entrevistadora moldava – refugiada e traumatizada: tratar a Rússia como se fosse a União Soviética, como você está a fazer, levaria a um conflito ainda maior! Ou seja: afinal, quem é que tem pouco senso político, Obama ou Trump?

Uma coisa já o leitor interessado e atento pode hoje conhecer e à saciedade: a dita democracia norte-americana é uma cabalíssima mentira, onde vale tudo o que convier à manutenção dos interesses da sua tal nomenklatura neoliberal mundial e sem valor pátrio. Hoje, nos Estados Unidos, o patriotismo mede-se por via da carne para canhão, com notáveis exceções, em geral ligadas às carreiras militares oriundas das grandes academias castrenses. O resto tem uma só designação: pilim a qualquer preço.

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