As classificações

|Hélio Bernardo Lopes|
Não faltam, na organização das sociedades, classificações para tudo e o que mais se conseguir imaginar. Existem classificações para sismos, para furacões, para estados de mar, para solos, para rochas, para estilos artísticos – na literatura ou na pintura –, para os elementos químicos, etc.. 

Será natural, por isto mesmo, que se deite mão, por igual, de uma classificação para ditadores. E se isto se justifica como instrumento de análise histórica geral, o tema sofreu agora uma crise aguda com a morte de Fidel Castro.

O interessante, mormente entre nós, é constatar que os mais assanhados na acusação de Fidel Castro como ditador são as pessoas das nossas Direita e Extrema-Direita (suave). Nestes últimos entram os mil e um oportunistas que foram de tudo o que era Esquerda na Revolução de 25 de Abril, ou mesmo antes. Há mesmo, nestes antigos esquerdistas, quem tenha ido da Extrema-Esquerda à atual Extrema-Direita (suave). E há nestes os que foram percorrendo, de um modo quase contínuo, todo o espetro político presente no tempo, e que voltariam a fazer o mesmo nos dias de hoje, mas se a evolução histórica passasse a ser a inversa. Nem um camaleão dispõe de uma tal elasticidade!

Por tudo isto, talvez valha a pena deitar aqui mão da História da Igreja Católica Romana, indo, precisamente, aos santos. A verdade é que existem santos que também marcaram as suas vidas por terríveis malvadezes. Não deixaram, porém, de ser feitos santos por razões consideradas válidas pela Igreja Católica de Roma.

Acontece que, de um modo muito geral, os Estados suportados em regimes de força, onde não está presente uma democracia à moda ocidental – como os da Polónia e da Hungria, ambos membros da União Europeia –, ou da Turquia – membro da OTAN –, chegaram à sua situação por duas vias: ou por tradição, oriunda de textos religiosos, ou na sequência de se impor o fim de um estado moralmente inaceitável para a enorme maioria dos seus povos.

O caso de Cuba corresponde ao segundo caso referido. Já com alguma idade, tive a oportunidade de poder ver que ninguém da nossa Direita do tempo de Fulgêncio Batista de algum modo se manifestou, alguma vez, contra um tal regime. Um regime que, para lá de uma tirania, vendia as riquezas de Cuba a pataco, bem como o trabalho dos cubanos. E contemplava até, no seu código penal, a pena de morte, contra o que ninguém se insurgia em Portugal e no mundo. E muito menos a Igreja Católica Romana se determinou a excomungar Fulgêncio Batista.

Torna-se simples compreender que, numa tal situação, se não viesse a operar a montagem constitucional de uma democracia de tipo ocidental, uma vez que os partidos políticos dos Estados mais pequenos e frágeis acabam sempre por se tornar em correias de transmissão dos interesses das grandes potências. Seria o que viria a ter lugar em Cuba, com os líderes de muitos partidos a serem uma espécie de governadores em nome dos Estados Unidos. Mudariam apenas as moscas.

Qual foi, neste caso, a fonte da legitimidade do regime nascido com a revolução liderada por Fidel Castro e pelos seus colegas da Sierra Maestra? Por um lado, o pôr um fim na miséria moral do regime político de Batista. Por outro lado, o muitíssimo amplo apoio da população cubana. Como sempre acontece, houve quem discordasse, pretendendo a criação de uma democracia do tipo ocidental, mas sem perceber, ou se importar, se tudo assim continuaria sensivelmente na mesma, com muitos dos novos líderes partidários a serem autênticos gauleiters dos Estados Unidos.

Aqueles de entre nós que passaram pela Esquerda e pela Extrema-Esquerda de Abril, mas se encontram hoje na Direita e na Extrema-Direita (suave), defendem que Fidel Castro devia ter seguido o caminho que seguiu Portugal ao entrar na União Europeia e ao adotar o euro: também somos um Estado membro – diz-se que um entre iguais –, embora se saiba hoje que a França é a França, ao passo que a nós se podem aplicar punições por idênticas razões, ou proceder a sucessivas ameaças desestabilizadoras. Como muito bem referiu Porfírio Silva, do PS, a União Europeia de hoje é como a União Soviética, mas sem KGB. E tudo suportado na tal democracia hoje tão defendida pelos que já foram da Esquerda e da Extrema-Esquerda, encontrando-se hoje na Direita e na Extrema-Direita.

Neste domínio da classificação das ditaduras – ou dos ditadores – reinam diversos fatores: canalhice intelectual e moral, ignorância, moda do tempo, mentira a toda a prova e falta de coragem. Caem nestas situações os que comparam Fidel Castro a Estaline, ou a Salazar, ou a Franco, ou a Fulgêncio, embora raramente refiram Macarthy, John Edgar Hoover, com o seu FBI, De Gaulle, Erdogan, ou os líderes da Arábia Saudita, do Catar, etc.. Basta ver o choradinho que diariamente surge ao redor das vítimas de Aleppo, com imagens cuja montagem se percebe facilmente, mas logo se esquece o que vai pela Turquia, ou pela limpeza étnica em alguns Estados africanos. E quem se não recorda do genocídio do Ruanda, a que ninguém ligou durante dois anos?! E o que os Estados Unidos fizeram no Vietname, no Laos e no Camboja? E a França na Argélia? E a Igreja Católica de Roma com a Inquisição? E as bombas nucleares lançadas sobre o Japão? E os bombardeamentos às cidades alemãs? E os campos de concentração nos Estados Unidos, com horrorosas violações dos Direitos Humanos? Enfim, não há espaço nem tempo para se exporem aqui os mil e um casos deste tipo.

Por fim, esta ligeira nota: o povo cubano, como agora as imagens mostram, sofre com a perda de Fidel Castro. Sofre naturalmente, porque há quem tenha vivido o antes e o depois de Fidel. Fez coisas mal feitas? Claro! Tal como a Igreja Católica Romana fez com a Inquisição. Vivemos num mundo onde não se pode construir um qualquer paraíso, não restando grande alternativa ao uso da força quando uma ínfima minoria pretende inviabilizar a vontade da grande maioria. Um dado é certo: Fidel Castro deixou este mundo com a sua Cuba a um nível incomparavelmente superior ao do tempo de Batista. Tudo o resto é mera conversa, daqueles que nunca se preocuparam com essa ideia dos Direitos Humanos, desde que num Estado não socialista.

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